domingo, 28 de abril de 2013

VIDA DE SANTOS:SANTO INÁCIO DE LOYOLA:PALADINO DA CONTRA-REFORMA


SANTO INÁCIO DE LOYOLA:PALADINO DA CONTRA-REFORMA


Por Plinio Corrêa de Oliveira





 


Santo Inácio, fundador da Companhia de Jesus, destacou-se pela coerência e radicalidade de seu espírito.


Inácio nasceu no castelo de Loyola em 1491, sendo o último dos 13 filhos de D. Beltrán de Loyola e Da. Maria Sonnez. Aos 16 anos foi enviado como pajem ao palácio de Juan Velásquez de Cuellar, contador mayor dos Reis Católicos Fernando e Isabel, o que lhe permitiu estar em contato contínuo com a corte. Bem dotado física e intelectualmente, o jovem Inácio "deu-se muito a todos os exercícios das armas, procurando avantajar-se sobre todos seus iguais e alcançar renome de homem valoroso, honra e glória militar"1. Ou, como ele mesmo diz com humildade, "até os vinte e seis anos foi um homem dado às vaidades do mundo, e principalmente se deleitava no exercí cio das armas e no vão desejo de ganhar honra"2

A hora esperada pela Providência
 
Ouvindo falar dos grandes feitos dos seus irmãos em Nápoles, envergonhou-se de sua ociosidade e participou em algumas campanhas com seu tio, vice-rei da Navarra. Depois foi enviado em socorro de Pamplona, assediada pelos franceses. Era a hora da Providência. A desproporção das forças era esmagadora em favor dos franceses, mas Inácio não quis saber de capitulação e convenceu os seus a resistirem até o fim. "Confessou-se com um companheiro de armas. Depois de algum tempo de duração da batalha, a bala de uma bombarda atingiu-lhe a perna, quebrando-a toda. 

E como ela passou entre as duas pernas, a outra também foi duramente ferida"3. Inácio caiu por terra. Seus companheiros se renderam. 
Os franceses, admirados da coragem do espanhol, trataram-no muito bem, fazendo-o levar depois, em liteira, para o castelo de seus pais. Os ossos haviam começado a se soldar de maneira defeituosa, e foi preciso quebrar de novo a perna para ajustá-los. Isso tudo, é bem preciso dizer, sem anestesia. O que levou-o às portas da morte, de modo a receber os últimos sacramentos. Quando todos esperavam o desenlace, na véspera da festa de São Pedro o doente, que era muito devoto desse Apóstolo, começou a melhorar. 
Conversão de um homem coerente
 
Seria longo narrar todas as torturas a que se submeteu esse soldado para não ficar aleijado; pois, como poderia aparecer assim na corte? Veio depois a longa convalescença, a leitura da vida de Cristo e dos santos, únicos livros que havia no castelo, e sua conversão se deu da maneira mais radical.
O primeiro pensamento do novo soldado de Cristo foi o de ir para a Terra Santa e viver em oração, penitência e contemplação nos lugares em que se operou nossa Redenção. 

Em Montserrat, fez uma confissão geral de sua vida e depôs a espada no altar da Virgem. Viveu depois algum tempo em Manresa, onde recebeu grandes favores místicos e escreveu seus famosos "Exercícios Espirituais".
Não lhe permitiram ficar em Jerusalém, por causa da tensa situação então reinante. Inácio voltou a Barcelona para estudar, a fim de preparar-se para o sacerdócio. Foi depois para Alcalá e ainda Salamanca, onde, por causa de sua pregação e reunião de discípulos, sendo ainda leigo — o que era perigoso naquela época de novidades malsãs e heresias — foi denunciado à Inquisição e aprisionado até que sua inocência foi reconhecida.
"Companhia", como num exército
 
Resolveu por isso ir a Paris, estudar na famosa universidade local. Foi lá que a Providência o fez encontrar os seis primeiros discípulos, com os quais fundaria a Companhia de Jesus. Entre eles estava o grande Apóstolo da Índia e do Japão, São Francisco Xavier, e o Beato Pedro Fabro.
Após os votos feitos em Montmartre, o que marcou propriamente o início da Companhia, eles se encontraram em Veneza, com o plano de ir à Terra Santa. Enquanto isso, trabalhavam nos hospitais. 

Como, depois de um ano, não conseguiram realizar seu intento, decidiram ir a Roma colocar-se à disposição do Sumo Pontífice. Nas proximidades da Cidade Eterna, Inácio teve uma visão na qual Nosso Senhor prometeu ser-lhe favorável em Roma. 

"Inácio tinha sugerido para nome de sua irmandade `Companhia de Jesus'. Companhia era compreendido em seu sentido militar, e naqueles dias uma companhia era geralmente conhecida pelo nome de seu capitão. Na Bula latina de fundação, no entanto, eles foram chamados `Societas Jesu'"4.
Chamo a atenção para os principais traços do homem retratado nesse quadro. É bem evidente que não é um sueco. 

É um europeu do Mediterrâneo. Notem que está com uma batina preta como trajavam os padres do século XVI, muito ampla, mas adaptada ao corpo. Um pequeno colarinho branco como usavam os eclesiásticos até o momento em que infelizmente tal costume foi abandonado. É ainda digno de menção o barrete,( O barrete é um objeto quadrangular provido geralmente de 3 palas e quase sempre de um pompom. Sua cor varia de acordo com o clérigo, podendo ser usado por todos.) que também quase todo o clero abandonou. Barrete preto, dividido em três gomos, representando a unidade na trindade de Deus. 
A cabeça é de um homem magro sem ser magérrimo, com as maçãs do rosto muito salientes. Nariz aquilino, em forma de bico de águia e comprido. Cabelo preto, barba e sobrancelhas escuras. Olhos pequenos, negros e profundamente encovados. 

A fisionomia‚ muito pensativa, não exprime nem alegria nem tristeza; revela pensamento, meditação e uma enorme segurança. Em outras palavras, é um homem que está inteiramente seguro da verdade que medita e da fé que abraça. O domínio que exerce sobre si manifesta-se, em larga medida, pela impassibilidade do rosto. 

Santo Inácio de Loyola é o homem retratado, o grande fundador da Companhia de Jesus, ao qual se deve, em boa medida, a mais gloriosa e eficaz das Contra-Revoluções, que foi a Contra-Reforma Católica.
O autor do quadro –– o pintor Jacopino del Conte (nascido em Florença em 1510, e morto em Roma em 1598) ––foi o único artista que pintou o santo em vida.

Santo Inácio tornou-se famoso por seu espírito pugnaz, sua penetração política, sua psicologia finíssima e exímia capacidade que tinha de pregar seus famosos Exercícios Espirituais.

Podem-se notar vários traços dessa obra do santo retratados em sua fisionomia: homem capaz de guardar segredos; capaz de fazer no silêncio uma longa e complexa trama política; competente para pregar os Exercícios Espirituais de modo incomparável; homem com espírito dotado de autoridade invulgar, e que exercia sobre seus religiosos um mando total, transformando a Companhia de Jesus no próprio símbolo da obediência. 

Parece-me que ver esse quadro de Santo Inácio enriquece a idéia que se tem do santo. Mais: aprimora a própria idéia de santidade. E, mais a fundo, como é um santo da Igreja Católica Apostólica Romana. Enriquece a idéia da santidade da Igreja e da santidade do próprio Deus!

Paladino da Contra-Reforma Católica
 
O papel dos jesuítas na Contra-Reforma católica foi essencial. Na época, pareciam perdidas para o protestantismo não só a Alemanha, mas a Escandinávia, e ameaçados os Países Baixos, a Boêmia, a Polônia e a Áustria, havendo infiltrações da seita não só na França, mas até na Itália. 
Santo Inácio enviou seus discípulos a essas regiões infectadas, e estes foram reconduzindo para a Igreja ovelhas desgarradas até na própria Alemanha. Ali trabalharam Pedro Fabro, Cláudio Le Jay e Bobadilha. Mas o jesuíta que seria o grande apóstolo dos povos germânicos, obtendo inúmeras reconversões, foi São Pedro Canísio, hoje considerado, com razão, o segun do apóstolo da Alemanha, depois de São Bonifácio. 

O papel dos jesuítas foi também primordial no Concílio de Trento — onde brilharam os padres Laynes e Salmeron — bem como nas universidades e nos colégios, imunizando assim a juventude européia contra o erro. 
Recebendo informações dos grandes triunfos de seus discípulos, exclamava Santo Inácio: "Demos graças a Deus por sua inefável misericórdia e piedade, tão copiosamente derramada em nós por seu glorioso nome. Porque muitas vezes me comovo quando ouço e em parte vejo o que me dizem de vós e de outros chamados à nossa Companhia em Cristo Jesus"5
 
Obediência pronta, humildade exemplar
 
Santo Inácio de Loyola queria uma companhia de escol, para combater os erros da época, principalmente os de Lutero e Calvino, e por isso estipulou que, diferentemente das outras congregações ou ordens religiosas, o noviciado seria de mais de um ano. Dizia no fim da vida, quando sua Companhia estava já estendida por quase todos os continentes: "Se eu desejasse que a minha vida fosse prolongada, seria para redobrar de vigilância na escolha de nossos súditos"6

Quando um noviço se ajoelhava junto a ele para pedir perdão e penitência por alguma falta, depois de ter concedido uma e imposto a outra, Inácio dizia: "Levante-se". Se, por uma humildade mal compreendida o noviço não se levantasse imediatamente, ele o deixava ajoelhado e saía, dizendo: "A humildade não tem mérito quando é contrária à obediência"

Discernimento na seleção dos súditos
 
Um dia chamou um irmão coadjutor e o mandou sentar-se na presença de uma visita. O irmão não o fez, pensando faltar ao respeito ao Superior e à visita. Inácio ordenou-lhe então que pusesse o banco sobre a cabeça, e assim estivesse até a saída da visita. 

Quando o noviço não servia, Inácio não tinha contemplação nem mesmo pela sua posição social. Expulsou da Companhia o filho do Duque de Bragança e sobrinho do grande benfeitor da Companhia, D. Manuel, rei de Portugal, e ainda um primo do Duque de Bivona, parente do vice-rei da Sicília, que era também seu amigo e benfeitor. 

"A obstinação nas idéias era um dos principais motivos de exclusão ou de expulsão, para o santo fundador. Um espanhol de grande capacidade, duma ciência pouco comum e duma virtude reconhecida, entrou na Companhia e exercia o cargo de ministro na casa professa de Roma, com habilidade; mas quando se lhe metia uma idéia na cabeça, não lhe saía mais. Inácio tirou-lhe o cargo, julgando inapto para mandar aquele que não sabia obedecer. [...] Uma noite Inácio soube que ele acabava de dar uma nova prova da sua teimosia; no mesmo instante envia-lhe ordem de abandonar a casa sem esperar para o dia seguinte"7

Venerado como santo ainda em vida
 
Essa severidade era entretanto balanceada com tanta doçura, que ele era uma verdadeira mãe para os noviços. Tal equilíbrio fazia com que fosse venerado como santo mesmo em vida. 

Sua mais preciosa conquista, São Francisco Xavier, tinha-lhe tanta veneração, que muitas vezes lhe escrevia de joelhos. E nos perigos e tempestades invocava seu nome, trazendo ao pescoço, como proteção, junto a seus votos de profissão, a assinatura do Padre Inácio. Constantemente afirmava:

 "O Padre Inácio é um grande santo"

Laínez, outro dos primeiros discípulos de Inácio e seu sucessor no generalato da Companhia, também o venerava como santo, do mesmo modo que São Francisco de Borja, depois terceiro Superior Geral da Companhia8

Sua vida interior era profunda, e passava-se constantemente na presença de Deus. Conforme narra em sua autobiografia, toda vez que queria encontrar a Deus ele O encontrava, bastando um pouco de recolhimento. Tinha visões, repetidamente, sobretudo quando se tratava de acertar algum negócio importante da Companhia, ou quando redigia suas Constituições. Essas visões lhe eram constantes também quando celebrava a Missa9

"Sua roupa foi sempre pobre e sem enfeites, mas limpa e asseada, porque, se bem amasse a pobreza, nunca lhe agradou pouca limpeza"10.


Santo Inácio faleceu em Roma, no dia 31 de julho de 1556. 


1.Pedro de Ribadeneira, Vida de San Ignácio de Loyola, Espasa-Calpe Argentina S.A., Buenos Aires, 1946. 

2.Saint Ignace de Loyola, Autobiographie, Éditions du Seuil, 1962, p. 43. Esta autobiografia foi relatada ao Pe. Luís Gonçalves da Câmara pelo próprio Santo. Com uma memória prodigiosa, o jesuíta português, imediatamente depois de cada conversa, transcrevia-a para o papel. Santo Inácio ditou o texto na 3a. pessoa. 

3.Id., ib.
4.Saint Ignatius of Loyola, J. H. Pollen, Transcribed by Marie Jutras, The Catholic Encyclopedia, Volume VII, 1910, Robert Appleton Company. Online Edition Copyright © 1999 by Kevin Knight. 

5.R.Garcia-Villoslada, S.I., Ignácio de Loyola _ Um español al servicio del Pontificado, Hechos y Dichos, Saragoça, 1956, p. 221. 

6.J.M.S. Daurignac, Santo Inácio de Loiola _ Fundador da Companhia de Jesus, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1958, 4a. edição, p. 255.
7.Id., p. 257 e ss.
8.Pedro de Ribadeneira, op. cit., p. 258. 

9.Cfr. Autobiographie, p. 163. 

10.Id., pp. 260-261.




sábado, 20 de abril de 2013

CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA VETERUM SAPIENTIA-SOBRE O USO DO LATIM 


Papa João XXIII

1. A antiga sabedoria, contida nas obras literárias romanas e gregas, bem como os memoráveis ensinamentos dos antigos povos, devem ser entendidos como a aurora anunciadora do Evangelho, que o Filho de Deus, «juiz e mestre da graça e da ciência, luz e guia do gênero humano (1) anunciou nesta terra. De fato, os Padres e Doutores da Igreja reconheceram nestes antiqüíssimos e importantíssimos monumentos literários uma certa preparação dos ânimos para receber a celeste riqueza que Jesus Cristo «quando da plenitude dos tempos» (2), comunicou aos mortais; disto resulta claramente que, com o advento do Cristianismo, não se perdeu o quanto de verdade, de justo, de nobre e também de belo os séculos passados tinham produzido.

2. Por isso a Santa Igreja teve sempre em grande consideração os documentos daquela sabedoria e antes de tudo as línguas Latina e Grega, como vestimentas douradas da mesma sabedoria; aceitou ainda o uso de outras veneráveis línguas que floresceram nas regiões orientais, que muito contribuíram para o progresso do gênero humano e da civilização; as mesmas, usadas nas cerimônias religiosas ou na interpretação das Sagradas Escrituras, têm muito vigor ainda hoje em algumas regiões, como contínuas vozes de um uso antigo ainda vigoroso.


3. Na variedade destas línguas certamente se distingue aquela que, nascida no Lazio, depois auxiliou admiravelmente a difusão do Cristianismo nas regiões ocidentais. E ainda, não sem disposição da Divina Providência acontece que a língua, que por muitíssimos séculos havia unido tantos povos sob o Império Romano, tornou-se a própria língua da Sé Apostólica (3) e, guardada pela posteridade, uniu num mesmo vínculo, uns com outros, os povos cristãos da Europa.


De fato, pela sua própria natureza, a língua latina é capaz de promover, junto a qualquer povo, toda a forma de cultura; e como não suscita inveja e se apresenta imparcial para todos os povos, não é privilégio de ninguém, e, enfim, a todos aceita e reúne. Não se deve esquecer que a língua latina tem uma nobreza de estrutura e de gramática, permitindo a possibilidade de «um estilo conciso, rico, harmonioso, cheio de majestade e de dignidade» (4), que singularmente contribui à clareza e à seriedade.


4. Por estes motivos a Santa Sé cuidou carinhosamente da conservação e do desenvolvimento da língua latina e a considera digna de usar-la «como magnífica veste da doutrina celeste e das santíssimas leis» (5), no exercício do seu magistério, e quer que também seus ministros a usem. De fato, estes homens da Igreja, onde quer que se encontrem, usando a língua de Roma, podem mais rapidamente vir a saber o que se refere à Santa Sé e ter com ela e entre eles uma comunicação mais ágil.


«O conhecimento pleno e o uso dessa língua, tão ligada à vida da Igreja, não importa tanto à cultura e às letras quanto à Religião» (6), como o nosso predecessor de imortal memória Pio XI nos ensinou; ele, ocupando-se cientificamente do tema, indicou claramente os três dons dessa língua, de um modo admirável, conforme a natureza da Igreja: «De fato a Igreja, como mantém unidos no seu conjunto todos os povos e durará até a consumação dos séculos... exige, pela sua natureza, uma linguagem universal, imutável, não vulgar» (7)


5. E como é preciso, na verdade, que «cada Igreja se una à Igreja Romana» (8) e, do momento em que os Sumos Pontífices têm «autoridade episcopal, ordinária e imediata sobre todas as Igrejas e sobre cada Igreja em particular, sobre todos os pastores e sobre cada pastor e seus fiéis» (9) de qualquer rito, de qualquer nação, de qualquer língua que sejam, parece ser conseqüência natural que o meio de comunicação seja universal e o mesmo para todos, especialmente entre a Sé Apostólica e as Igrejas que seguem o mesmo rito latino. Assim, tanto os Pontífices Romanos, quando querem comunicar algum ensinamento aos povos católicos, como os Dicastérios da Cúria Romana, quando tratam de assuntos, quando emitem decretos dirigidos a todos os fiéis, usem sempre a língua latina, que é recebida por incontáveis pessoas, como voz da mãe comum.


6. E é necessário que a Igreja use uma língua não só universal, mas também imutável. Se, de fato, as verdades da Igreja Católica fossem confiadas a algumas ou a muitas línguas modernas que estão sujeitas a contínua mudança, e ainda, as quais nenhuma tem sobre as outras maior autoridade e prestígio, resultaria, sem dúvida alguma que, devido às suas variações, não seria manifestado a muitos com suficiente precisão e clareza o sentido de tais verdades, nem, de outro lado, poderíamos dispor de alguma língua comum e estável, com que confrontar o significado das outras. Pelo contrário, a língua latina, há tempo imune àquelas variações que o uso diário do povo costuma introduzir nas palavras, deve ser considerada estável e imóvel, visto que o significado de algumas novas palavras que o progresso, a interpretação e a defesa das verdades cristãs exigem, já foram há tempo definitivamente adquirido e precisado.


7. Finalmente, como a Igreja Católica, tendo sido fundada por Cristo Nosso Senhor, excede significativamente em dignidade a todas as sociedades humanas, é sumamente conveniente que ela use uma língua não popular, mas rica de majestade e de nobreza.

8. Além disso, a língua latina, que «com todo o direito podemos chamar católica » (10), pois é própria da Sé Apostólica, mãe e mestra de todas as Igrejas, e consagrada pelo uso perene, deve ser mantida como «tesouro de incomparável valor» (11) e como porta através da qual se abre a todos o acesso às mesmas verdades cristãs, transmitidas dos antigos tempos, para interpretar o testemunho da doutrina da Igreja (12) e, enfim, o mais idôneo vínculo, mediante o qual a época atual da Igreja se mantém unida aos tempos passados e ao futuro de modo admirável.


9. Na verdade, ninguém pode duvidar que a língua latina e a cultura humanística sejam providas daquela força intrínseca, e mais capacitada, a instruir e formar as tenras mentes dos jovens. Através dela, de fato, formam-se, amadurecem, se aperfeiçoam as melhores capacidades da alma; a finura da mente e a capacidade de juízo se aguçam; além disso, a inteligência da criança é mais convenientemente preparada para compreender e julgar no justo senso cada coisa; enfim, aprende-se a pensar e a falar com suma ordem.


10. Refletindo sobre todos estes méritos, compreende-se porque os Pontífices Romanos tão freqüente e sumamente louvaram não só a importância e a excelência da língua latina, mas também prescreveram seu estudo e sua prática aos ministros sagrados de todo o clero, sem omitir em denunciar os perigos derivantes do seu abandono.


Também Nós, impelidos por esses gravíssimos motivos, como os nossos Predecessores e Sínodos Provinciais (13), com a firme vontade queremos nos empenhar para que o estudo e o uso desta língua, restituída à sua dignidade, faça sempre maiores progressos. E como neste nosso tempo começou-se a contestar em muitos lugares o uso da língua Romana e muitíssimos pedem o parecer da Sé Apostólica sobre tal assunto, decidimos, com oportunas normas enunciadas neste documento, proceder de tal modo que o antigo e jamais interrupto costume da língua latina seja conservado e, se de alguma forma ele foi colocado em desuso, seja completamente restabelecido.

Além disso, como é o nosso pensamento sobre tal tema, acreditamos tê-lo suficiente e claramente declarado quando dirigimos estas palavras a ilustres estudiosos do Latim: «Infelizmente há muitos que, seduzidos exageradamente pelo extraordinário progresso das ciências, têm a presunção de repelir ou de limitar o estudo do Latim e de outras disciplinas do gênero... Justamente movidos por esta necessidade, Nós julgamos que se deva tomar o caminho oposto. E como a alma se nutre e compenetra de tudo aquilo que mais honra a natureza e a dignidade do homem, com maior ardor se deve assimilar aquilo que enriquece e embeleza o espírito, para que os míseros mortais não sejam frios, áridos e privados de amor, como as máquinas que fabricam» (14).


11. Após ter examinado e considerado atentamente estas coisas, com a segura consciência do Nosso serviço, e no exercício da Nossa autoridade, definimos e ordenamos o quanto segue:

§ 1. Que os Bispos e os Superiores das Ordens religiosas se empenhem eficazmente para que nos seus Seminários e nas suas Escolas, nas quais os jovens são preparados para o sacerdócio, todos se voltem com empenho à vontade da Sé Apostólica e obedeçam com a maior diligência a estas Nossas prescrições.


§ 2. Os mesmos Bispos e Superiores Gerais das Ordens religiosas, movidos de paterna solicitude, deverão vigiar para que nenhum dos seus subordinados, ansioso de novidades, escreva contra o uso da língua latina no ensino das sagradas disciplinas e nos sagrados ritos da Liturgia e, com opiniões preconceituosas, se permita de diminuir a vontade da Sé Apostólica na matéria e de interpretá-la erroneamente.


§ 3. Como está estabelecido nas disposições quer do Código do Direto Canônico quer pelos Nossos Predecessores, os aspirantes ao Sacerdócio, antes de iniciar os estudos eclesiásticos verdadeiros e específicos, sejam instruídos na língua latina com sumo cuidado e com método racional, por mestres extremamente capazes, por um conveniente período de tempo, «também para que, atingindo disciplinas que exigem maior empenho...não aconteça que, ignorando a língua, não possam alcançar a completa compreensão das doutrinas e nem mesmo exercitar-se nas discussões escolásticas, por meio das quais a mente dos jovens se afinam na defesa da verdade» (15). E queremos que esta norma seja estendida também àqueles que, chamados pela vontade divina a receber as sagradas ordens em idade avançada, se aplicaram pouco ou nada nos estudos humanísticos. Ninguém, na verdade, deve ser introduzido no estudo das disciplinas filosóficas ou teológicas se não tenha sido plena e perfeitamente instruído nesta língua e saiba bem usá-la.


§ 4. Se, ainda, em algum país, por ter adotado um programa de estudo próprio de escolas públicas do Estado, o estudo da língua latina tenha sofrido diminuições prejudiciais a um ensinamento sólido e eficiente, decretamos que, em tal caso, seja completamente restabelecida a ordem tradicional do ensino de tal língua para a formação dos sacerdotes: porque todos devem persuadir-se que, também neste campo, o método de instrução dos futuros sacerdotes deve ser escrupulosamente defendido, não só quanto ao número e gênero das matérias, mas também relativamente aos períodos de tempo necessários para ensiná-las. E se, por exigências circunstanciais de tempo e de lugar, se devem acrescentar, por necessidade, disciplinas comuns, nesse caso ou se prolongue o curso dos estudos ou se resuma a matéria, ou, enfim, se adie o estudo para um outro momento.


§ 5. As mais importantes disciplinas sagradas, como foi freqüentemente ordenado, devem ser ensinadas na língua latina, a qual, como o demonstra a experiência de muitos séculos,«é reconhecida como a mais apta para explicar a íntima e a profunda natureza das noções e das formas com absoluta clareza e lucidez» (16); com mais razão ainda porque ela se enriqueceu com palavras apropriadas e precisas, para defender inequivocamente a integridade da fé católica, e não sujeita a dubiedades de qualquer vazia verbosidade. Por isso, aqueles que na Universidade ou nos Seminários ensinam tais disciplinas são obrigados a falar em Latim e usar textos escritos em Latim. Se alguns, por ignorar a língua latina, não podem obedecer estas prescrições da Santa Sé, devem ser gradativamente substituídos por docentes especificamente preparados para tal. Se, ainda, alunos e professores apresentem dificuldades, é preciso que estas sejam vencidas pela firmeza dos Bispos e dos Superiores religiosos e pela boa disposição dos docentes.


§ 6. Como a língua latina é língua viva da Igreja, que deve ser continuamente adequada às crescentes necessidades da linguagem e enriquecida com novos apropriados e convenientes vocábulos, segundo uma regra constante, universal e conforme o espírito da antiga língua latina – regra já seguida pelos Santos Padres e pelos melhores escritores «escolásticos» -- confiamos a responsabilidade à Sagrada Congregação dos Seminários e das Universidades de Estudos de fundar uma Academia de Estudos latinos. Tal Academia, na qual é preciso que seja constituído um Colégio de Professores especializadíssimos em Latim e Grego, convocados de diversas partes do mundo, será sobretudo destinada a, não diferentemente do que acontece nas Academias nacionais constituídas para o incremento das línguas nacionais dos respectivos países, prover ao mesmo tempo um ordenado desenvolvimento do estudo da língua latina e acrescentar, se preciso, o léxico com palavras adequadas à sua natureza e ao seu caráter, e que tenha, paralelamente, cursos sobre o Latim para cada época, mas principalmente da época Cristã. Nessas escolas, todos os estudantes serão também instruídos para uma consciência mais profunda do latim, ao seu uso, a um modo de escrever apropriado e elegante, ou a ensiná-lo nos Seminários e nos Colégios eclesiásticos, ou a redigir decretos ou sentenças, ou a melhorar a correspondência das Congregações da Santa Sé, nas Cúrias, nas Dioceses, nos escritórios das Ordens religiosas.


§ 7. Como a língua latina está estreitamente ligada à grega, e pelo conjunto da sua estrutura e importância dos seus textos transmitidos de geração em geração, é necessário que também nesta sejam instruídos os futuros ministros das artes das escolas inferiores e médias, como muitas vezes os Nossos Predecessores ordenaram, para que, quando se aplicarem às disciplinas superiores, em especial os cursos acadêmicos sobre as Sagradas Escrituras e a Sagrada Teologia, eles tenham as condições necessárias para se aproximar e interpretar exatamente não só as fontes gregas da filosofia «escolástica», mas também os textos originais das Sagradas Escrituras, da Liturgia e dos Padres gregos.


§ 8. Ordenamos ainda à mesma Sagrada Congregação de preparar um programa de estudos da língua latina, que todos devem observar com extremo cuidado, de modo que, todos que o seguirem adquiram o respectivo conhecimento e prática daquela língua. Se for necessário, as Comissões dos Ordinários poderão regular diversamente o programa, mas nunca alterar ou diminuir sua natureza e o seu fim. Entretanto, os Bispos não devem atuar conforme suas decisões sem a devida análise e aprovação da Sagrada Congregação.

12. Finalmente, em virtude da Nossa Autoridade Apostólica queremos e ordenamos que quanto estabelecemos, decretamos, ordenamos nesta Nossa Constituição seja definitivamente fixado e sancionado, não obstante quaisquer prescrições em contrário, embora digna de especial menção.


Dado em Roma, junto a S. Pedro, no dia 22 de fevereiro, Festa da Cátedra de S. Pedro Apóstolo, no ano de 1962, quarto do Nosso Pontificado. João Papa XXIII.






OBS: OS DESTAQUES SÃO MEUS.(EDGAR)