São Benedito, patrono da raça negra
Mais de um século antes de ser canonizado, no Brasil ele já tinha
muitos devotos
Por Luiz Carlos Azevedo
Corre
o ano de 1589. Em uma pobre cela no convento franciscano de Santa Maria de
Jesus, a três quilômetros de Palermo, sul da Itália, o enfermeiro observa o
irmão leigo, iletrado, que faz alguns movimentos no leito de dores em que se
encontra há dois meses.
Seu rosto, alquebrado pela fadiga de 63 anos transcorridos em
meio a intensas atividades apostólicas, em dado momento ilumina-se. Sua boca se
abre e os olhos tornam-se fixos e extáticos. "É
o fim, o irmão está cruzando o limiar da eternidade" - pensou
o enfermeiro. E sai correndo a fim de chamar outros frades para as derradeiras
orações que se fazem pelos agonizantes.
O doente, entretanto, terminado o êxtase e após o retorno do
enfermeiro, diz-lhe: "Fique
tranqüilo. Eu o avisarei do dia e hora da minha morte. Vou falecer no dia 4
de abril". Ao
que o enfermeiro retruca: "Imagine,
Frei, como esta casa ficará cheia!" Pois ele bem conhecia a
extraordinária fama de santidade daquele frade, a qual foi tão grande por toda
parte, quando ainda vivo, que raramente se encontra algo semelhante na História
da Igreja.
- "Pode
ficar sossegado, não virá ninguém", garantiu-lhe o Santo. As
duas profecias cumpriram-se ao pé da letra.
Com efeito, no dia da morte e do sepultamento houve um grande
afluxo de gente para a festa do Divino, numa igreja do Espírito Santo, nos
arredores de Palermo, e por isso ninguém foi ao convento.
No dia aprazado, o Santo recebeu o consolo dos Sacramentos da
Igreja: confissão, comunhão, extrema-unção, inclusive a bênção papal.
O enfermo senta-se na cama e, olhando para o céu, reza e
contempla. Invoca seus santos padroeiros: São Francisco de Assis, São Miguel
Arcanjo, os Apóstolos São Pedro e São Paulo.
Em determinado momento das orações, e depois de uma visão de
Santa Úrsula, Benedito - é esse o nome do moribundo - pronuncia em alta voz: "Em vossas mãos, Senhor, entrego o
meu espírito". Em seguida, deita-se, fecha os olhos e dá o
último suspiro.
Naquele exato momento, não longe dali, Benedita Nastasi, de 10
anos de idade e sobrinha do Santo, observando uma pombinha que entrara dentro
de casa, ouviu a voz do tio:
-
"Benedita, queres alguma coisa de lá.
- "De lá,
onde, meu tio?" - indaga a menina.
- "Lá do
Céu, minha filha" - completa a conhecida voz. E a pombinha
desaparece ...
* * *
Nosso tão popular São Benedito, o Negro, chamava-se Benedito de
São Filadelfo, pois tal era o nome da localidade (hoje San Fratello) perto de
Messina (Sicília) onde ele nasceu, em 1526. Era filho de escravos etíopes,
comprados pela família Manasseri.
Sabe-se que o Santo foi pastor, tornando-se depois eremita. Para
obedecer a uma ordem do Papa, ingressou posteriormente como irmão leigo na
Ordem Franciscana, no convento de Santa Maria de Jesus, nas imediações de
Palermo. Ali notabilizou-se como cozinheiro milagroso, pois, com freqüência, os
Anjos do Céu desciam para ajudá-lo na preparação das refeições.
Apesar de iletrado e de ser apenas irmão leigo, eram tais os
dons e carismas com os quais a Divina Providência ornou sua alma, que foi
eleito Superior e Mestre de Noviços do convento.
A exemplo do Seráfico Pai São Francisco, seu Fundador, o sem
número de milagres e prodígios operados já em vida por São Benedito constituem
também verdadeiros fioretti. Impossível
referi-los todos. Resta-nos mencionar ao menos alguns.
Cura de cancerosa
Antes de fixar-se no convento de Santa Maria, Benedito levou
vida eremítica em Nazana, durante oito anos, e em Mancusa, na região de
Palermo.
Então, sua fama de santidade já ia alta. Certo dia em que
atravessava Mancusa, chamaram-no para ver uma doente num casebre. "Não posso fazer muita coisa por
ela, pois não sou sacerdote. Mas posso fazer-lhe uma visita e rezar por
ela", respondeu. "Me
acode, Frei", gritava a pobre mulher, roída por um câncer no
seio, que se alastrava terrivelmente. "Me
dá uma bênção, por amor de Deus!"
Condoído pelas dores da enferma e pela aflição de seus
familiares, o Santo aproximou-se do leito, rezou com todos os presentes, animou
a enferma a ter Fé em Deus, e depois, a pedido dela, traçou o sinal da cruz
sobre a chaga do seio. Instantaneamente foi curada, restando-lhe uma cicatriz
apenas! Logo em seguida, Benedito bateu em retirada, para fugir de qualquer
agradecimento ou louvor.
Ressurreição de mortos
Certa vez, quatro senhoras de Palermo - Eulália, Lucrécia,
Francesca e Eleonora, esta última com o filho de cinco meses nos braços vieram
visitar o Santo no convento de Santa Maria. De regresso à cidade, ainda perto
do convento, a carroça virou e prensou a criança, que teve morte instantânea. Os
frades vieram socorrê-las, e Benedito deparou-se com a patética cena da mãe
abraçada ao corpinho disforme.
Benedito aproximou-se e disse: "Pare de chorar. A criança não está morta; pode
dar-lhe de mamar". Os circunstantes pensavam que o Santo
delirava. Entretanto, mal a mãe lhe obedecera, a criança começou a sorrir,
deixando a todos atônitos.
Fato análogo sucedeu com o filho de João Jorge Russo. Quando
visitava o convento com sua esposa e alguns parentes, a carroça em que viajavam
caiu de uma ponte e a criança ficou esmagada.
"Tenham
muita confiança em Nossa Senhora. Vamos rezar". Esse recurso à
mediação da Santíssima Virgem, aliás, era uma constante em todas as
intervenções de São Benedito.
Todos se ajoelharam e começaram a rezar; ato contínuo, a criança
abriu os olhos, despertando do sono da morte.
Antes mesmo de fazer-se eremita - e talvez este tenha sido o
primeiro milagre operado por São Benedito -, trouxeram à sua presença uma
criancinha morta.
Condoído, o Santo tomou aquele corpo inanimado em seu braço
esquerdo, e com a mão direita fez o sinal da cruz sobre a pequena fronte
enregelada. Após os presentes rezarem o Pai Nosso e a Ave Maria, o milagre da
ressurreição se realizou!
Milagre das flores
São Benedito tinha o costume de recolher os restos de comida do
convento em seu avental de cozinha, para distribuí-los depois aos pobres.
Certa vez o Santo encontrou-se com o vice-rei da Sicília, Dom
Marcantonio Colonna, que, atraído pela fama de sua santidade, veio visitá-lo.
Curioso, o ilustre visitante perguntou a Benedito o que levava com tanto
cuidado. Ele simplesmente abriu o avental e mostrou ... flores, tão frescas e
aromáticas, que o vice-rei levou-as para o altar de sua capela particular.
Peixes que aparecem e pães que se multiplicam
Em certa ocasião acabaram as provisões do convento. Era inverno
e chovia torrencialmente. E os religiosos não tinham sequer condições de sair
para pedir esmolas.
Benedito pediu a um frade, que o auxiliava na cozinha, que
abrisse os Santos Evangelhos em qualquer lugar e lesse o que estava escrito. A
seguinte passagem foi lida: "Não
vos preocupeis com a vossa vida, quanto ao que haveis de comer, nem com o vosso
corpo, quanto ao que haveis de vestir. Olhai as aves do céu: não semeiam, nem
colhem, nem ajuntam em celeiros. E, no entanto, vosso Pai celeste as
alimenta" (Mt 6,25-26).
Iluminado por essas palavras e movido pela sua heróica confiança
na Providência, o Santo pôs-se a agir. Encheu com água todas as panelas, tachos
e latas grandes que havia no convento. Na manhã seguinte, estavam cheios de
peixes frescos, muitos deles vivos.
Em outra ocasião em que Benedito, então superior do convento,
deu ordem ao irmão porteiro, Vito da Girgenti, de distribuir pão aos pobres, o
religioso, vendo que a fila era enorme, reservou no fundo do cesto alguns pães
para os frades. O fato chegou ao conhecimento de Benedito, que intimou o
porteiro a chamar de volta todos os pobres que ficaram sem pão: "Dê aos pobres tudo o que estiver
na cesta mandou Benedito -, pois
a Providência nos socorrerá".
Ao obedecer, o irmão Vito notou maravilhado que o pão da cesta
não se acabava mais; quanto mais ele tirava, mais aparecia!
Os frades relapsos
Certa vez, três noviços resolvem fugir do convento e voltar para
casa. De madrugada galgam o muro, e na rua, quando cantam vitória pela
pseudo-façanha, divisam um vulto que vinha ao seu encontro. Era Frei Benedito,
que os interpela: "Que
jazem aqui a estas horas? Voltem já para o convento!" E os
aconselhou a rezar muito pela perseverança na vocação.
Meses depois, eles caem de novo na tentação de fugir, e tomam o
maior cuidado para que ninguém saiba de nada. Quando novamente ganham a rua,
dão de frente com Frei Benedito, que abre os braços, dizendo: "Alto lá, onde pensam que
vão?" Os três reconhecem um sinal de Deus a fim de
perseverarem, pedem perdão ao Santo, prometendo não mais reincidir na falta.
"O Santo, o Santo" ...
A cada milagre que acontecia, o povo acorria à portaria do
convento, aclamando e louvando o Santo. Sua popularidade e veneração se tornaram
tais que ele acabou, certa vez, transtornando uma procissão de "Corpus Christi". Nessa
ocasião, os frades tomaram parte na procissão da Catedral de Palermo. E São
Benedito foi designado para portar a cruz processional, à frente do cortejo. Ao
fixar os olhos no Crucificado, sentiu-se arrebatado pelo amor a Nosso Senhor e
entrou em êxtase. Seu corpo passou a deslizar suavemente, sem que ele movesse
os pés.
Ao ver aquilo, o povo irrompeu em gritos de admiração: "Olhem o Santo, o Santo!" As
filas da procissão se desorganizaram completamente. Os encarregados da ordem
gritavam para que as pessoas se enfileirassem. Mas não houve jeito, e a
procissão retomou logo para a Catedral...
O corpo incorrupto
Quando, após as comemorações do Divino Espírito Santo, o povo
ficou sabendo que Benedito havia falecido e já estava sepultado, todos se
dirigiram para Santa Maria de Jesus. O túmulo estava em local de difícil
acesso, e o grande afluxo de peregrinos perturbava a vida dos frades. E o seu
número crescia a cada dia, na proporção em que se difundia a notícia dos
milagres operados junto à sepultura.
Começaram a implorar relíquias do Santo. Suas vestes e as roupas
da cama onde faleceu foram transformadas em tiras. Até mesmo sua cama e colchão
foram reduzidos a pedacinhos, avidamente disputados pelos visitantes.
A 7 de maio de 1592, três anos após sua morte, seu corpo,
incorrupto e exalando suave perfume, foi colocado numa urna instalada em
cavidade aberta em parede da sacristia da igreja de Santa Maria de Jesus.
Entretanto, a sacristia logo transformou-se em capela, com o povo cantando,
rezando, pagando promessas. Isso durante dezenove anos a fio.
No dia 3 de outubro de 1611, com a presença do Cardeal Dória, o
corpo de São Benedito foi transladado novamente para magnífica urna de cristal
numa capela lateral da própria igreja de Santa Maria de Jesus, no antigo
convento franciscano, a três quilômetros de Palermo, cidade que, antes mesmo do
reconhecimento oficial da Igreja, tomou-o por Padroeiro, em 1652.
São Benedito foi declarado bem-aventurado em 1763, por Clemente
XIII, e canonizado pelo Papa Pio VII em 25 de maio de 1807.
Culto no Brasil
O Estado da Bahia foi o pioneiro na devoção a São Benedito em
terras brasileiras. Já antes mesmo de sua canonização havia lá uma irmandade em
sua honra. Simultaneamente, a devoção ao Santo deitou profundas raízes no
Maranhão. Sabe-se da existência de imagens de São Benedito pelo menos desde
1680, em Olinda, Recife, Igaraçu (PE), Belém do Pará e Rio de Janeiro.
O mesmo sucedia em São Paulo. Um século antes de ele ser
declarado santo pela Igreja, já era venerado como tal nas igrejas freqüentadas
pelos membros da Venerável Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos (1707). E hoje a devoção ao Santo já é um fenômeno nacional. Não faltam
pelo Brasil afora paróquias, capelas, ou ao menos um altar com a imagem do
Santo Negro.
OBRA DE REFERÊNCIA
Pe. Aloísio Teixeira de Souza, Vida de São Benedito, Editora
Santuário, Aparecida (SP), 1992.
FONTE: São
Benedito, patrono da raça negra | Catolicismo (wordpress.com)
Que dia será a resposta contra o Banzoli?
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