domingo, 16 de abril de 2023

VIDA DE SANTOS: SÃO SEBASTIÃO

 




São Sebastião, glorioso mártir romano

Um santo combativo, com profundas raízes na devoção popular brasileira

Luís Carlos Azevedo


"Não deixe de mencionar minha cidade", dizia-me um amigo da simpática localidade mineira de São Sebastião e Almas de Ponte Nova (MG), quando lhe manifestei minha intenção de escrever sobre o santo para a edição de janeiro de Catolicismo.

Com efeito, numerosas são as cidades brasileiras que, antes da onda laicista que assolou nossa Pátria, traziam São Sebastião em seu nome. Algumas delas ostentam ainda esse nome glorioso: lembro-me, de momento, de São Sebastião do Paraíso e São Sebastião da Bela Vista (MG), São Sebastião (AL, PR e SP), São Sebastião da Amoreira (PR), São Sebastião do Passe (BA), São Sebastião do Caí (RS).

Outras, contudo, parecem ter-se esquecido de seu patrono. Por exemplo, São Sebastião dos Correntes, atual Sabinópolis (MG), que leva seu nome em homenagem a Sabino Barroso, senador da República Velha. São Sebastião do Tijuco Preto, atual Piraju, no interior do Estado de São Paulo.

Para não falar do Rio de Janeiro, a primeira cidade brasileira que levou o nome do santo. E a História registra em que circunstâncias gloriosas!

De fato, Estácio de Sá, a mando da Rainha de Portugal, vinha apoiar seu tio, Mem de Sá, na conquista da Baía do Rio de Janeiro. A essa empresa se associaram dois filhos da Companhia de Jesus, luminares de nossa História, os Padres Manoel da Nóbrega e o Bem-aventurado José de Anchieta, Apóstolo do Brasil.

Os hereges calvinistas franceses, secundados pelos ferozes índios tamoios, constituíam forte obstáculo para a consecução do empreendimento. E foi recorrendo à intercessão do glorioso mártir romano que, repetidas vezes, de 1565 a 1567, precisamente no dia de sua festa (20 de janeiro), as tropas luso-brasileiras conseguiram brilhantes vitórias militares, até vergar a resistência desses inimigos temíveis e instalar-se definitivamente, a 1º de março de 1567, na cidade que então passou a chamar-se São Sebastião do Rio de Janeiro.

No Brasil-colônia, a devoção ao santo era tão popular quanto a de Santo Antonio, Santa Bárbara e São Jorge.

O Diretório Litúrgico da Igreja no Brasil no-lo apresenta como padroeiro principal das cidades do Rio de Janeiro, Bagé (RS), Leopoldina (MG), Pouso Alegre (MG), Presidente Prudente e Ribeirão Preto (SP), Ilhéus (BA), Jacarezinho e Paranavaí (PR), Valença (RJ). E padroeiro secundário de Uberaba (MG), Coari (AM), Xingu (RS) e Itapipoca (CE).

O ímpio Diocleciano persegue os cristãos

No século III da era cristã, à época em que o governo da Santa Igreja estava em mãos do Papa São Marcelino (296-304), governava o Império Romano, Diocleciano (284-305).

Pagão inveterado era ele, sem dúvida, um homem de grandes dotes de administrador. No ano de 286, concebeu um plano inteiramente novo para combater os inimigos que o acometiam, associando-se ao seu rude companheiro de armas Maximiano (286-305), designando-lhe a parte ocidental do Império, enquanto ele próprio governava todo o Oriente. Ambos esses regentes –– o oriental e o ocidental –– passariam a ser tratados pelo título de Augustos.

No ano de 293, Diocleciano empreendeu nova subdivisão do Império, designando dois “Césares” para auxiliar os dois “Augustos” no governo e suceder-lhes no trono, vinte anos depois, em virtude da renúncia automática de ambos. Galério Máximo, militar valente, mas grosseiro, inculto, fanático adorador dos ídolos e acérrimo inimigo dos cristãos, foi indicado por Diocleciano como César oriental. E Constâncio Cloro, pai do futuro imperador Constantino, general benévolo e competente, como César do Ocidente.

Sob a influência crescente de Galério, Diocleciano –– cuja esposa e filha eram cristãs –– reuniu em 303 seu conselho secreto, tendo decidido aniquilar o Cristianismo no Império.

Em um primeiro edito geral, ordenava para todo o Império a destruição das igrejas e dos livros sagrados; a privação, para os cristãos, de seus cargos, títulos e dignidades, não lhes reconhecendo qualquer direito diante dos tribunais civis.

Editos ulteriores agravavam este: ordem de prisão para todo eclesiástico, desde os Bispos até os clérigos exorcistas; liberdade e favor imperial para todos os cristãos encarcerados que sacrificassem aos deuses, e ordem de supliciar atrozmente, até à morte, os que perseverassem na Fé, sem distinção de classe, sexo ou idade.

Nessa perseguição sequer fora poupado o Papa São Marcelino, apesar de sua avançada idade e respeitabilidade. O insigne herói da Fé preferiu o martírio, permanecendo vacante a Sé de Pedro durante três anos.

São Sebastião: síntese biográfica

Em meio a tal conjuntura, e antes mesmo do Pontificado de São Marcelino, fora nomeado chefe da Primeira Companhia das Guardas Imperiais, São Sebastião. Tomou-se ele, desde logo, um dos favoritos de Diocleciano. Servindo-se do prestígio de sua posição, bem como de seus bens, assistia e encorajava os cristãos que aguardavam o martírio. E foi tão salutar sua influência em favor do Cristianismo, que o Papa São Caio (283-296) proclamou-o Defensor da Igreja.

São Sebastião nasceu em Narbona, nas Gálias, sendo educado em Milão, terra de sua família. O desejo de auxiliar seus irmãos nas perseguições levou-o a escolher a carreira das armas. Sabia que os soldados de Cristo, cobertos pelas armaduras dos soldados de César, podiam introduzir-se facilmente nas prisões para reanimar a coragem dos confessores da Fé.

Dotado de singular dom da palavra, de tal maneira inflamava seus ouvintes nas enxovias que chegou mesmo a converter o carcereiro da principal prisão romana, o primeiro escrivão do Tribunal Romano e sua esposa, e até o Governador da capital do Império, Cromácio, com toda sua família. Destes novos convertidos, vários sofreram o martírio e são cultuados como santos pela Igreja.

Depois de ter encaminhado para o Céu uma quantidade inumerável de mártires, denunciado por um cristão apóstata, o santo incorre na desgraça de Diocleciano. O Imperador chama-o e o repreende por observar tão mal suas obrigações. O santo responde que, considerando ser uma loucura pedir favores e socorros a pedras (os ídolos), havia adorado sem cessar a Nosso Senhor Jesus Cristo, tanto pela salvação do Príncipe como de todo o Império.

O martírio

Descontente, o Imperador entregou-o aos arqueiros da Mauritânia (África), os quais, por sua ordem, cravaram-no de flechas de todos os lados. Ele foi abandonado como morto no local do suplício. Mas Santa Irene, viúva do mártir São Castulo, e que tinha seus aposentos no próprio palácio imperial, vindo para enterrá-lo segundo os costumes cristãos, encontrou-o ainda vivo e o levou para sua casa, onde recobrou pouco a pouco a saúde perfeita.

Os cristãos exortaram-no a sair de Roma. Mas, depois de ter invocado a Deus, o herói colocou-se numa escadaria por onde deveria passar Diocleciano e invectivou-o. Pôs em realce, em termos veementes, toda a injustiça cometida pelos membros mais fanáticos do Senado e do sacerdócio pagão, bem como das demais forças da filosofia neoplatônica hostil ao Cristianismo. Mostrava ele que os cristãos, acusados de serem inimigos do Estado, eram na realidade os que rezavam continuamente pelo bem do Império.

 

Diocleciano ficou surpreso ao vê-lo, pois o acreditava morto, conforme suas ordens. O santo explicou-lhe que Jesus Cristo lhe havia devolvido a vida para que protestasse diante de todo o povo contra aquela injustiça extrema. O Imperador, em cólera, fê-lo conduzir imediatamente ao hipódromo do palácio, para que ali o espancassem até morrer.

Temendo que os cristãos o venerassem como mártir, mandou lançar o corpo na Cloaca Máxima (esgoto de Roma), onde ficou pendurado num gancho. Apareceu em sonho a Santa Lucina, viúva, matrona das mais estimadas na Cidade Eterna, indicando-lhe o local em que estava seu corpo, pedindo que o enterrasse nas catacumbas, à entrada da gruta dos Apóstolos.

A vidente executou religiosamente essa ordem, passando trinta dias junto de seu túmulo. Isto se deu no ano de 304.

Intercessor contra epidemias

Em atenção ao zelo de São Sebastião pelas almas dos fiéis, que ele tanto desejou preservar do contágio do paganismo, Deus lhe concedeu tomar-se intercessor do povo cristão contra o flagelo das epidemias. Este poder do mártir foi comprovado em Roma, no ano 680, sob o pontificado de Santo Agatão; em Milão, no ano de 1575; e em Lisboa, no ano de 1599. É neste seu poder que se baseia a escolha do Evangelho para o dia de sua festa e da antífona da Comunhão: “A turba dos doentes e dos que eram vexados de espíritos impuros vinham a Ele, porque d’ele saía uma virtude que os curava a todos”.

Representações artísticas lamentáveis

Quem considera a estatura moral desse herói da Fé, não pode senão estranhar as representações artísticas que dele nos foram legadas pelo Renascimento, o qual, inspirado no paganismo clássico, difundiu pela arte um estado de espírito impalpável mas contagioso, capaz de contradizer discretamente a verdadeira posição da Igreja sobre perfeição moral.

O quadro ao lado é obra do célebre Rafael Sanzio (1483-1520), quando ainda jovem pintor. São Sebastião, esse expoente do Renascimento no-lo representa como um moço bem feito de rosto e de corpo, gorducho até, muito seguro de sua boa aparência, encantado talvez de se exibir. A atitude do corpo é a de quem está, mole e sentimentalmente, gozando o sol e as brisas. A flecha que traz na mão, longe de evocar seu instrumento de suplício, mais parece um enfeite faceiro que ele sustenta elegantemente.

Nada, na sua figura, dá a impressão de que vai morrer. Menos ainda de que é um batalhador. A lembrança de Deus e da vida eterna, a súplica para alcançar a perseverança final, a prece pela Santa Igreja, a invectiva salutar, que ele tão bem sabia fazer, ou a palavra de perdão para os algozes, nada disto é expresso no quadro de Rafael, jovem.

Em última análise, trata-se de uma esplêndida representação artística de uma figura moral medíocre, preocupada exclusivamente consigo e com o mundo... na medida em que este lhe diz respeito. Melhor seria apagar o título “São Sebastião”, que leva o quadro , e chamá-lo: “Exibição de moço faceiro, tomando sol”...

Obras Consultadas:1– B. Llorca e outros, Historia de la Iglesia Calolica, BAC. Madri, 1955. tomo I.2-.Abbé Profillet, Les Saints Militaires, Retaux-Bray, Libraire-Éditeur, Paris, 1890, tomo I.3-.Abbé Rohrbacher. Vie des.Saints pour tous les jours de l'Année, Gaume Frères, Libraires-Éditeurs, Paris, 1853, tomo I.4-.Cardeal Wiseman. Fabiola ou l'Église des Catacombes, Ernest Flammarion, Éditeurs, Paris, 1854.5-.Louis Veuillot, Le Parfum de Rome, J.M.Dent et Fils, Paris, tomo I.6-.Elaine Sanceau, Capitães do Brasil, Livraria Civilização-Editora, Porto, 1975, 2ª edição.


Na catacumba de São Sebastião

Juan Miguel Montes, nosso correspondente

ROMA –– O bom tempo que caracteriza as semanas de outubro na Cidade Eterna –– as ottobrate––oferecem ocasião única a quem deseja peregrinar pela capital da Cristandade.

O céu azul das manhãs contrasta com a pátina áurea da atmosfera, que banha a vegetação –– sempre verde––, monumentos e edifícios. O dia é curto, e já pelas 16 horas o sol se apresta em deitar seus últimos raios. Tudo se doura, exceto os verdejantes pinheiros romanos, por cujas copas filtram graciosamente os raios crepusculares.

Completam o quadro os milhares de pássaros em migração, para fugir aos rigores do inverno que se aproxima.

Foi numa tarde dessas que visitei a catacumba de São Sebastião.

A poucos quilômetros de Roma, situa-se a Via Appia, construída há mais de dois mil anos, no tempo de Appius Claudius, estrada ao longo da qual os pagãos costumavam enterrar os seus mortos. Ligando Roma a Brindisi, no extremo sul da península, ela é ladeada por ruínas veneráveis. Aquela velha estrada, que evoca dois milênios de História, traz-nos à lembrança as legiões conquistadoras que deixavam a capital para manter e estender os domínios imperiais. Por ela passaram homens sem conta do mundo civilizado de então, desde os mais diversos estrangeiros atraídos pelo esplendor dos Césares, até mercadores em busca de lucro, além de escravos das mais variadas proveniências.

Palmilharam-na também os primeiros cristãos intrépidos à demanda da Metrópole, que estadeava a alegria desabrida dos prazeres terrenos, para ali levar as verdades eternas ensinadas por Nosso Senhor Jesus Cristo. E ao longo dela nossos maiores edificaram estes monumentos vivos, que são nossas igrejas, sobre os corpos dos santos.

"Monumentos vivos"! A expressão é exata, pois ali o incenso queima, a oração canta e os ornatos são de flores, mármores e ouro. Não são subterrâneos obscuros, são igrejas luminosas: claras pela luz da alegria católica e da vida sobrenatural da graça que por ali paira.

Naquela Via, na catacumba que leva seu nome, repousam sob o altar os restos do grande mártir romano, São Sebastião. E, por ocasião de seu suplício, ninguém jamais suspeitaria que, transcorridos quase dois milênios, povos da terra inteira para ali afluiriam a fim de venerar as suas relíquias sagradas e celebrar sua festa a 20 de janeiro!

FONTE: catolicismo.com.br/materia/materia.cfm/idmat/B113FE12-3048-313C-2E4439EF4F905A7A/mes/Janeiro1993

 


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