O Místico Casamento de Santa Catarina - Barna da Siena (1340) - Museu de Belas Artes, Boston (EUA) |
Santa Catarina de Siena
Missão Providencial
Deus
suscitou no século XIV uma santa com zelo ardente pela Igreja, e que idealizava
uma cruzada contra os infiéis
Por Plinio Maria Solimeo
No ano da graça de 1347, Lapa Benincasa deu
à luz duas gêmeas em seu vigésimo quarto parto. Uma delas não sobreviveu após o
batismo. A outra, Catarina, tornar-se-ia a glória de sua família, de sua
pátria, da Igreja e do gênero humano.
Giacomo di Benincasa, seu pai, era um
tintureiro bem estabelecido, "homem simples, leal, temeroso de Deus, e
cuja alma não estava contaminada por nenhum vício"1;
piedoso e trabalhador, criava sua enorme família (teve 25 filhos de um só
casamento!) no amor e no temor de Deus.
Catarina, a penúltima da família e caçula
das filhas, teve a predileção de todos e cresceu num ambiente moral puro e
religioso.
Como a Providência divina tinha desígnios
especiais sobre ela, desde cedo Catarina foi cumulada de favores celestes,
privando com Anjos e Santos. Aos sete anos, fez voto de virgindade; aos 16,
cortou sua longa cabeleira para evitar um casamento; e aos 18, recebeu o hábito
das Irmãs da Penitência de São Domingos. Vivia, já aos 20 anos, só de pão e
água. Foi agraciada com favores sobrenaturais, como o "casamento místico";
recebeu estigmas semelhantes aos de Nosso Senhor e teve uma "morte
mística", durante a qual foi levada em espírito ao Inferno, ao
Purgatório e ao Paraíso; teve também uma "troca mística de
coração" com Nosso Senhor.
Analfabeta, aprendeu milagrosamente a ler e
escrever, para poder cumprir a missão pública que Deus lhe destinava.
Dirigia um número enorme de discípulos, os caterinati,
entre os quais se encontrava gente do clero, da nobreza e do povo mais miúdo.
Um deles, o bem-aventurado Raimundo de Cápua, seu confessor, foi também seu
primeiro biógrafo. É dele que sabemos pormenores dessa impressionante vida.
"Todos os seus contemporâneos dão
testemunho de seu extraordinário charme, que prevalecia ainda em meio da
contínua perseguição à qual ela foi sujeita, mesmo da parte dos frades de sua
própria Ordem e de suas irmãs em religião"
Como é impossível relatar num limitado
artigo os muitos milagres, favores místicos, penitências, preces e atividades
dessa Santa ímpar na História da Igreja, limitamo-nos a ressaltar o aspecto
público e providencial de sua missão.
Lições com S. João e o
Doutor Angélico
Catarina amava apaixonadamente a Igreja
Católica e sofria vendo seus males. Suas obras externas consistiam, numa fase
inicial de sua atividade apostólica, até então em assistir os pobres e doentes
e dirigir seus discípulos. Mas era chegada a hora de ela também, a exemplo do
Divino Mestre, começar sua vida pública. Para isso, recebeu ordem formal de
Nosso Senhor, que lhe prometeu sustentá-la com sua graça. Que ela nada temesse.
Ora, a Itália, no fim da Idade Média —
quando a gloriosa Civilização Cristã já decaía a olhos vistos — era um
aglomerado de pequenos reinos e repúblicas que muitas vezes viviam em guerra
entre si, ou, em uma mesma cidade, guerra entre facções contrárias. Catarina
foi várias vezes chamada a ser o árbitro entre elas ou seu anjo pacificador.
Assim, viajou ela de Siena para Florença, Luca, Pisa e Roma como pacificadora.
"Sem nenhuma experiência política,
coloca-se em face dos mais altos poderes de seu tempo. E não roga; exige,
manda: `Desejo e quero que façais desta maneira [...] Minha alma deseja que
sejais assim [...] É a vontade de Deus e meu desejo [...] Fazei a vontade de
Deus e a minha [...] Quero'. Assim falava à rainha de Nápoles, ao rei da
França, ao tirano de Milão, aos bispos e ao Pontífice [...] Em seu semblante há
algo que intimida e seduz ao mesmo tempo"
Não é de admirar. Pois, como ela mesma
escreveu em uma de suas cartas, "tomei lições, como em sonhos, com o
glorioso evangelista São João e com Santo Tomás de Aquino"
Florença revoltara-se contra a Santa Sé; e
mais de 60 cidades dos Estados Pontifícios juntaram-se a ela. O Papa lançou um
interdito sobre essas localidades. Revoltas se seguiram.
Catarina entra como mediadora entre o Papa
e os conjurados. Começou assim uma correspondência incessante com o Papa
Gregório XI, cheia de piedade e amor filial, cada vez mais premente, em favor
dos súditos dos Estados Pontifícios que se tinham rebelado contra ele:
"Santíssimo e dulcíssimo Pai em Nosso Senhor Jesus Cristo [...] Ó
governador nosso, eu vos digo que há muito tempo desejo ver-vos um homem viril
e sem temor algum. [...] Não olheis para a nossa miséria, ingratidão e
ignorância, nem para a perseguição de vossos filhos rebeldes. Ai! que a vossa
benignidade e paciência vençam a malícia e a soberba deles. Tende misericórdia
de tantas almas e corpos que morrem"5.
Ansiava ela pela pacificação da Cristandade
para que, unidos, os cristãos se dispusessem a seguir em uma cruzada para
libertar os Santos Lugares.
"Dois grandes pensamentos agitavam a
alma de Catarina: a pacificação da Igreja, sua mãe querida, pela qual ela se
sentia devorada de zelo e amor; depois, esse
pensamento tão fecundo na Idade Média — a guerra santa das Cruzadas [...] Ela
via essa cruzada, objeto de seus votos, recuar para bem longe ainda pelas
discórdias que separavam os povos cristãos. Foi talvez essa dor que consumiu
sua vida"
"Ela implorou ao Papa Gregório XI que
deixasse Avignon e reformasse o clero e a administração dos Estados
Pontifícios; e empenhou-se ardentemente em seu grande desígnio de uma cruzada,
na esperança de unir as forças da Cristandade contra os infiéis e restaurar a
paz na Itália, livrando-a de companhias [armadas] de mercenários que a
assolavam"
Ao Rei de França, censurou por guerrear
contra cristãos e não empenhar-se na cruzada: "Eu peço-vos que sejais mais
diligente para impedir tanto mal e para ativar tanto bem, como é a recuperação
da Terra Santa e daquelas almas infelizes que não participam do Sangue do Filho
de Deus. Desta coisa vos deveríeis envergonhar, vós e os outros senhores
cristãos; porque é uma grande confusão diante dos homens, e abominação diante
de Deus, fazer a guerra contra os irmãos e deixar os inimigos; e querer tirar o
que é dos outros e não reconquistar o que é seu. Eu vos digo, da parte de Jesus
Crucificado, que não demoreis mais a fazer esta paz. Fazei a paz e fazei toda a
guerra contra os infiéis"8.
Fim do "exílio
de Avignon"
Mais sucesso teve ela com relação ao fim do
"exílio de Avignon". Desde 1309, com Clemente V, o Papado
havia sido transferido para aquela cidade francesa, de onde era dirigida toda a
Cristandade. Já Santa Brígida, Rainha da Suécia, tentara em vão trazer o Papa
de volta a Roma.
Em Avignon, diante dos cardeais, a intrépida
Catarina ousou proclamar os vícios da corte pontifícia e pedir, em nome de
Cristo Jesus, a reforma dos abusos9. Gregório XI a chamava para dar
sua opinião em pleno Consistório dos Cardeais. Ela o convenceu a voltar a Roma.
Em 17 de janeiro de 1377, Gregório XI deixa Avignon, apesar da oposição do Rei
francês e de quase todo o Sacro Colégio. Ele ainda hesita no caminho, e ela o
conjura a ir até o fim.
Mas a paz na Igreja não seria longa. Outra
vez a república de Florença revoltou-se contra o Papa, que apelou para
Catarina. Rejeitada por aquela cidade, a santa quase foi martirizada. Gregório
XI, gasto, envelhecido, sofrido, não resiste e entrega sua alma a Deus.
Para ocupar o trono de São Pedro, os
cardeais elegem o Arcebispo de Bari, o qual toma o nome de Urbano VI.
Conhecendo já Catarina, e vendo nela o espírito de Deus, o novo Pontífice a
chama a Roma para estar a seu lado. E era muito necessário, pois alguns
cardeais franceses, desgostosos da rigidez do novo Papa, voltam para Avignon,
anulam a eleição de Urbano e elegem o antipapa Clemente VII. Inicia-se assim o
chamado Grande Cisma do Ocidente.
Catarina entrou em ação procurando ganhar,
para o verdadeiro Papa, reis e governantes da Europa, por meio de cartas cheias
de amor à Igreja e animadas do enérgico sentimento do dever. Tentou inutilmente
trazer de volta ao verdadeiro redil os três cardeais, que eram autores
principais do cisma. A cardeais, bispos e prelados, Catarina escreveu 150
cartas; e a reis, príncipes e governantes.
Angústia pelo futuro da
Igreja
"As angústias que lhe causavam as
revelações sobre o futuro da Igreja foram para essa Santa [Catarina de Siena]
como uma paixão dolorosa. Ela clamava ao Senhor e pedia graça para essa Igreja,
Esposa de seu Divino Filho: `Tomai, ó meu Criador, este corpo que eu recebi de
vossas mãos. Não perdoeis nem a carne nem o sangue; rompei-o, lançai-o nas
brasas ardentes; quebrai meus ossos, contanto que vos praza de me ouvir em
favor de vosso Vigário'"11.
Entre o que Deus lhe revelava, havia coisas
sublimes e outras terríveis. Ela pediu aos seus secretários que, assim que a
vissem entrar em êxtase, anotassem suas palavras. Daí nasceu o livro do diálogo
entre uma alma (a dela) e Deus, conhecido hoje em dia pelo nome de Diálogo.
Santa Catarina faleceu no dia 29 de abril,
aos 33 anos. É Padroeira da Itália. Sua festa comemora-se no dia 29 de abril.
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