CARTA ENCÍCLICA
FIDES ET RATIO
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II
AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA
SOBRE AS RELAÇÕES
ENTRE FÉ E RAZÃO
Venerados
Irmãos no Episcopado,
saúde e Bênção Apostólica!
A fé e a
razão (fides et ratio) constituem
como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a
contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo
de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que,
conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio
(cf. Ex 33, 18; Sal 2726, 8-9; 6362,
2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2).
INTRODUÇÃO
«CONHECE-TE A TI MESMO »
1. Tanto no
Oriente como no Ocidente, é possível entrever um caminho que, ao longo dos
séculos, levou a humanidade a encontrar-se progressivamente com a verdade e a
confrontar-se com ela. É um caminho que se realizou — nem podia ser de outro
modo — no âmbito da autoconsciência pessoal: quanto mais o homem conhece a
realidade e o mundo, tanto mais se conhece a si mesmo na sua unicidade, ao mesmo
tempo que nele se torna cada vez mais premente a questão do sentido das coisas
e da sua própria existência. O que chega a ser objecto do nosso conhecimento,
torna-se por isso mesmo parte da nossa vida. A recomendação conhece-te
a ti mesmo estava esculpida no dintel do templo de Delfos, para
testemunhar uma verdade basilar que deve ser assumida como regra mínima de todo
o homem que deseje distinguir-se, no meio da criação inteira, pela sua
qualificação de « homem », ou seja, enquanto «conhecedor de si mesmo ».
Aliás,
basta um simples olhar pela história antiga para ver com toda a clareza como
surgiram simultaneamente, em diversas partes da terra animadas por culturas
diferentes, as questões fundamentais que caracterizam o percurso da existência
humana: Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal?
O que é que existirá depois desta vida? Estas perguntas encontram-se
nos escritos sagrados de Israel, mas aparecem também nos Vedas e no Avestá;
achamo-las tanto nos escritos de Confúcio e Lao-Tze, como na pregação de
Tirtankara e de Buda; e assomam ainda quer nos poemas de Homero e nas tragédias
de Eurípides e Sófocles, quer nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles.
São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de sentido que, desde
sempre, urge no coração do homem: da resposta a tais perguntas depende
efectivamente a orientação que se imprime à existência.
2. A Igreja
não é alheia, nem pode sê-lo, a este caminho de pesquisa. Desde que recebeu, no
Mistério Pascal, o dom da verdade última sobre a vida do homem, ela fez-se
peregrina pelas estradas do mundo, para anunciar que Jesus Cristo é « o
caminho, a verdade e a vida » (Jo 14, 6). De entre os vários
serviços que ela deve oferecer à humanidade, há um cuja responsabilidade lhe
cabe de modo absolutamente peculiar: é a diaconia da verdade. [ 1] Por
um lado, esta missão torna a comunidade crente participante do esforço comum
que a humanidade realiza para alcançar a verdade, [ 2] e,
por outro, obriga-a a empenhar-se no anúncio das certezas adquiridas, ciente
todavia de que cada verdade alcançada é apenas mais uma etapa rumo àquela
verdade plena que se há-de manifestar na última revelação de Deus: « Hoje vemos
como por um espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Hoje
conheço de maneira imperfeita, então conhecerei exactamente » (1 Cor 13,
12).
3. Variados
são os recursos que o homem possui para progredir no conhecimento da verdade,
tornando assim cada vez mais humana a sua existência. De entre eles sobressai
a filosofia, cujo contributo específico é colocar a questão do
sentido da vida e esboçar a resposta: constitui, pois, uma das tarefas mais
nobres da humanidade. O termo filosofia
significa, segundo a etimologia grega, « amor à sabedoria ». Efectivamente
a filosofia nasceu e começou a desenvolver-se quando o homem principiou a
interrogar-se sobre o porquê das coisas e o seu fim. Ela demonstra, de
diferentes modos e formas, que o desejo da verdade pertence à própria natureza
do homem. Interrogar-se sobre o porquê das coisas é uma propriedade natural da
sua razão, embora as respostas, que esta aos poucos vai dando, se integrem num
horizonte que evidencia a complementaridade das diferentes culturas onde o
homem vive.
A grande
incidência que a filosofia teve na formação e desenvolvimento das culturas do
Ocidente não deve fazer-nos esquecer a influência que a mesma exerceu também
nos modos de conceber a existência presentes no Oriente. Na realidade, cada
povo possui a sua própria sabedoria natural, que tende, como autêntica riqueza
das culturas, a exprimir-se e a maturar em formas propriamente filosóficas.
Prova da verdade de tudo isto é a existência duma forma basilar de conhecimento
filosófico, que perdura até aos nossos dias e que se pode constatar nos próprios
postulados em que as várias legislações nacionais e internacionais se inspiram
para regular a vida social.
4. Deve-se
assinalar, porém, que, por detrás dum único termo, se escondem significados
diferentes. Por isso, é necessária uma explicitação preliminar. Impelido pelo
desejo de descobrir a verdade última da existência, o homem procura adquirir
aqueles conhecimentos universais que lhe permitam uma melhor compreensão de si
mesmo e progredir na sua realização. Os conhecimentos fundamentais nascem da maravilha que
nele suscita a contemplação da criação: o ser humano enche-se de encanto ao
descobrir-se incluído no mundo e relacionado com outros seres semelhantes, com
quem partilha o destino. Parte daqui o caminho que o levará, depois, à
descoberta de horizontes de conhecimentos sempre novos. Sem tal assombro, o
homem tornar-se-ia repetitivo e, pouco a pouco, incapaz de uma existência
verdadeiramente pessoal.
A
capacidade reflexiva própria do intelecto humano permite elaborar, através da
actividade filosófica, uma forma de pensamento rigoroso, e assim construir, com
coerência lógica entre as afirmações e coesão orgânica dos conteúdos, um
conhecimento sistemático. Graças a tal processo, alcançaram-se, em contextos
culturais diversos e em diferentes épocas históricas, resultados que levaram à
elaboração de verdadeiros sistemas de pensamento. Historicamente isto gerou
muitas vezes a tentação de identificar uma única corrente com o pensamento
filosófico inteiro. Mas, nestes casos, é claro que entra em jogo uma certa
«soberba filosófica », que pretende arvorar em leitura universal a própria
perspectiva e visão imperfeita. Na realidade, cada sistema filosófico,
sempre no respeito da sua integridade e livre de qualquer instrumentalização,
deve reconhecer a prioridade do pensar filosófico de que teve
origem e ao qual deve coerentemente servir.
Neste
sentido, é possível, não obstante a mudança dos tempos e os progressos do
saber, reconhecer um núcleo de conhecimentos filosóficos, cuja presença é
constante na história do pensamento. Pense-se, só como exemplo, nos princípios
de não-contradição, finalidade, causalidade, e ainda na concepção da pessoa
como sujeito livre e inteligente, e na sua capacidade de conhecer Deus, a
verdade, o bem; pense-se, além disso, em algumas normas morais fundamentais que
geralmente são aceites por todos. Estes e outros temas indicam que, para além
das correntes de pensamento, existe um conjunto de conhecimentos, nos quais é
possível ver uma espécie de património espiritual da humanidade. É como se nos
encontrássemos perante uma filosofia implícita, em virtude da qual
cada um sente que possui estes princípios, embora de forma genérica e não
reflectida. Estes conhecimentos, precisamente porque partilhados em certa
medida por todos, deveriam constituir uma espécie de ponto de referência para
as diversas escolas filosóficas. Quando a razão consegue intuir e formular os
princípios primeiros e universais do ser, e deles deduzir correcta e
coerentemente conclusões de ordem lógica e deontológica, então pode-se
considerar uma razão recta, ou, como era chamada pelos antigos, orthòs
logos, recta ratio.
5. A
Igreja, por sua vez, não pode deixar de apreciar o esforço da razão na
consecução de objectivos que tornem cada vez mais digna a existência pessoal.
Na verdade, ela vê, na filosofia, o caminho para conhecer verdades fundamentais
relativas à existência do homem. Ao mesmo tempo, considera a filosofia uma
ajuda indispensável para aprofundar a compreensão da fé e comunicar a verdade
do Evangelho a quantos não a conhecem ainda.
Na
sequência de iniciativas análogas dos meus Predecessores, desejo também eu
debruçar-me sobre esta actividade peculiar da razão. Faço-o movido pela
constatação, sobretudo em nossos dias, de que a busca da verdade última aparece
muitas vezes ofuscada. A filosofia moderna possui, sem dúvida, o grande mérito
de ter concentrado a sua atenção sobre o homem. Partindo daí, uma razão cheia
de interrogativos levou por diante o seu desejo de conhecer sempre mais ampla e
profundamente. Desta forma, foram construídos sistemas de pensamento complexos,
que deram os seus frutos nos diversos âmbitos do conhecimento, favorecendo o
progresso da cultura e da história. A antropologia, a lógica, as ciências da
natureza, a história, a linguística, de algum modo todo o universo do saber foi
abarcado. Todavia, os resultados positivos alcançados não devem levar a
transcurar o facto de que essa mesma razão, porque ocupada a investigar de
maneira unilateral o homem como objecto, parece ter-se esquecido de que este é sempre
chamado a voltar-se também para uma realidade que o transcende. Sem referência
a esta, cada um fica ao sabor do livre arbítrio, e a sua condição de pessoa
acaba por ser avaliada com critérios pragmáticos baseados essencialmente sobre
o dado experimental, na errada convicção de que tudo deve ser dominado pela
técnica. Foi assim que a razão, sob o peso de tanto saber, em vez de exprimir
melhor a tensão para a verdade, curvou-se sobre si mesma, tornando-se incapaz,
com o passar do tempo, de levantar o olhar para o alto e de ousar atingir a
verdade do ser. A filosofia moderna,
esquecendo-se de orientar a sua pesquisa para o ser, concentrou a própria
investigação sobre o conhecimento humano. Em vez de se apoiar sobre a capacidade que o homem tem de conhecer a
verdade, preferiu sublinhar as suas limitações e condicionalismos.
Daí provieram várias formas de
agnosticismo e relativismo, que levaram a investigação
filosófica a perder-se nas areias movediças dum cepticismo geral. E, mais
recentemente, ganharam relevo diversas doutrinas que tendem a desvalorizar até
mesmo aquelas verdades que o homem estava certo de ter alcançado. A legítima
pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido, fundado no
pressuposto de que todas as posições são equivalentes: trata-se de um dos
sintomas mais difusos, no contexto actual, de desconfiança na verdade. E esta
ressalva vale também para certas concepções de vida originárias do Oriente: é
que negam à verdade o seu carácter exclusivo, ao partirem do pressuposto de que
ela se manifesta de modo igual em doutrinas diversas ou mesmo contraditórias
entre si. Neste horizonte, tudo fica reduzido a mera opinião. Dá a impressão de
um movimento ondulatório: enquanto, por um lado, a razão filosófica conseguiu
avançar pela estrada que a torna cada vez mais atenta à existência humana e às
suas formas de expressão, por outro tende a desenvolver considerações
existenciais, hermenêuticas ou linguísticas, que prescindem da questão radical
relativa à verdade da vida pessoal, do ser e de Deus. Como consequência,
despontaram, não só em alguns filósofos mas no homem contemporâneo em geral,
atitudes de desconfiança generalizada quanto aos grandes recursos cognoscitivos
do ser humano. Com falsa modéstia, contentam-se de verdades parciais e
provisórias, deixando de tentar pôr as perguntas radicais sobre o sentido e o
fundamento último da vida humana, pessoal e social. Em suma, esmoreceu a
esperança de se poder receber da filosofia respostas definitivas a tais
questões.
6.
Credenciada pelo facto de ser depositária da revelação de Jesus Cristo, a
Igreja deseja reafirmar a necessidade da reflexão sobre a verdade. Foi por este
motivo que decidi dirigir-me a vós, venerados Irmãos no Episcopado, com quem partilho a missão de anunciar «
abertamente a verdade » (2 Cor 4, 2), e dirigir-me também aos
teólogos e filósofos a quem compete o dever de investigar os diversos aspectos
da verdade, e ainda a quantos andam à procura duma resposta, para comunicar
algumas reflexões sobre o caminho que conduz à verdadeira sabedoria, a fim de
que todo aquele que tiver no coração o amor por ela possa tomar a estrada certa
para a alcançar, e nela encontrar repouso para a sua fadiga e também satisfação
espiritual.
Tomo esta
iniciativa impelido, antes de mais, pela
certeza de que os Bispos, como assinala o Concílio Vaticano II, são «
testemunhas da verdade divina e católica » [3]. Por
isso, testemunhar a verdade é um encargo que nos foi confiado a nós, os Bispos;
não podemos renunciar a ele, sem faltar ao ministério que recebemos.
Reafirmando a verdade da fé, podemos restituir ao homem de hoje uma genuína
confiança nas suas capacidades cognoscitivas e oferecer à filosofia um estímulo
para poder recuperar e promover a sua plena dignidade.
Há um
segundo motivo que me induz a escrever estas reflexões Na carta encíclica Veritatis splendor, chamei a atenção para «
algumas verdades fundamentais da doutrina católica que, no contexto actual,
correm o risco de serem deformadas ou negadas ». [ 4] Com
este novo documento, desejo continuar aquela reflexão, concentrando a atenção
precisamente sobre o tema da verdade e sobre o seu fundamento em
relação com a fé. De facto, não se pode negar que este período, de
mudanças rápidas e complexas, deixa sobretudo os jovens, a quem pertence e de
quem depende o futuro, na sensação de estarem privados de pontos de referência
autênticos. A necessidade de um alicerce sobre o qual construir a existência
pessoal e social faz-se sentir de maneira premente, principalmente quando se é
obrigado a constatar o carácter fragmentário de propostas que elevam o efémero
ao nível de valor, iludindo assim a possibilidade de se alcançar o verdadeiro
sentido da existência. Deste modo, muitos arrastam a sua vida quase até à borda
do precipício, sem saber o que os espera. Isto depende também do facto de, às
vezes, quem era chamado por vocação a exprimir em formas culturais o fruto da
sua reflexão, ter desviado o olhar da verdade, preferindo o sucesso imediato ao
esforço duma paciente investigação sobre aquilo que merece ser vivido. A
filosofia, que tem a grande responsabilidade de formar o pensamento e a cultura
através do apelo perene à busca da verdade, deve recuperar vigorosamente a sua
vocação originária. É por isso que senti a necessidade e o dever de intervir
sobre este tema, para que, no limiar do terceiro milénio da era cristã, a
humanidade tome consciência mais clara dos grandes recursos que lhe foram
concedidos, e se empenhe com renovada coragem no cumprimento do plano de
salvação, no qual está inserida a sua história.
CAPÍTULO I
A REVELAÇÃO DA SABEDORIA DE DEUS
1. Jesus, revelador do Pai
7. Na base
de toda a reflexão feita pela Igreja, está a consciência de ser depositária
duma mensagem, que tem a sua origem no próprio Deus (cf. 2 Cor 4,
1-2). O conhecimento que ela propõe ao homem, não provém de uma reflexão sua,
nem sequer da mais alta, mas de ter acolhido na fé a palavra de Deus (cf. 1
Tes 2, 13). Na origem do nosso ser crentes existe um encontro, único
no seu género, que assinala a abertura de um mistério escondido durante tantos
séculos (cf. 1 Cor 2, 7; Rom 16, 25-26), mas
agora revelado: « Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si
mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cf. Ef 1,
9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso
ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina ». [5]
Trata-se de uma iniciativa completamente gratuita, que parte de Deus e vem ao
encontro da humanidade para a salvar. Enquanto fonte de amor, Deus deseja
dar-Se a conhecer, e o conhecimento que o homem adquire d'Ele leva à plenitude
qualquer outro conhecimento verdadeiro que a sua mente seja capaz de alcançar
sobre o sentido da própria existência.
8.
Retomando quase literalmente a doutrina presente na constituição Dei
Filius do Concílio Vaticano I e tendo em conta os princípios propostos
pelo Concílio de Trento, a constituição Dei Verbum do Vaticano II continuou aquele caminho
plurissecular de compreensão da fé, reflectindo sobre a Revelação à
luz da doutrina bíblica e de toda a tradição patrística. No primeiro Concílio
do Vaticano, os Padres tinham sublinhado o carácter sobrenatural da revelação
de Deus. A crítica racionalista que então se fazia sentir contra a fé, baseada
em teses erradas mas muito difusas, insistia sobre a negação de qualquer
conhecimento que não fosse fruto das capacidades naturais da razão. Isto obrigara o Concílio a reafirmar
vigorosamente que, além do conhecimento da razão humana, por sua natureza,
capaz de chegar ao Criador, existe um conhecimento que é peculiar da fé.
Este conhecimento exprime uma verdade que se funda precisamente no facto de
Deus que Se revela, e é uma verdade certíssima porque Deus não Se engana nem quer enganar. [6]
9. Por
isso, o Concílio Vaticano I ensina que a verdade alcançada pela via da reflexão
filosófica e a verdade da Revelação não se confundem, nem uma torna a outra
supérflua: « Existem duas ordens de conhecimento, diversas não apenas pelo seu
princípio, mas também pelo objecto. Pelo seu princípio, porque, se num
conhecemos pela razão natural, no outro fazêmo-lo por meio da fé divina; pelo
objecto, porque, além das verdades que a razão natural pode compreender, é-nos
proposto ver os mistérios escondidos em Deus, que só podem ser conhecidos se
nos forem revelados do Alto ». [ 7] A fé,
que se fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da
graça, pertence efectivamente a uma ordem de conhecimento diversa da do
conhecimento filosófico. De facto, este assenta sobre a percepção dos sentidos,
sobre a experiência, e move-se apenas com a luz do intelecto. A filosofia e as
ciências situam-se na ordem da razão natural, enquanto a fé, iluminada e guiada
pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a « plenitude de graça e de
verdade » (cf. Jo 1, 14) que Deus quis revelar na história, de
maneira definitiva, por meio do seu Filho Jesus Cristo (cf. 1 Jo 5,
9; Jo 5, 31-32).
10. No
Concílio Vaticano II, os Padres, fixando a atenção sobre Jesus revelador,
ilustraram o carácter salvífico da revelação de Deus na história e exprimiram a
sua natureza do seguinte modo: « Em virtude desta revelação, Deus invisível
(cf. Col 1, 15; 1 Tim 1, 17), na riqueza do
seu amor, fala aos homens como amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15,
14-15) e convive com eles (cf. Bar 3, 38), para os convidar e
admitir à comunhão com Ele. Esta economia da Revelação realiza-se por meio de
acções e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as
obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a
doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua
vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. Porém, a verdade
profunda tanto a respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens
manifesta-se-nos, por esta Revelação, em Cristo, que é simultaneamente o
mediador e a plenitude de toda a revelação ». [ 8]
11. Assim,
a revelação de Deus entrou no tempo e na história. Mais, a encarnação de Jesus
Cristo realiza-se na « plenitude dos tempos » (Gal 4, 4). À
distância de dois mil anos deste acontecimento, sinto o dever de reafirmar
intensamente que, « no cristianismo, o tempo tem uma importância fundamental ».
[ 9] Com
efeito, é nele que tem lugar toda a obra da criação e da salvação, e sobretudo
merece destaque o facto de que, com a encarnação do Filho de Deus, vivemos e
antecipamos desde já aquilo que se seguirá ao fim dos tempos (cf. Heb 1,
2).
A verdade
que Deus confiou ao homem a respeito de Si mesmo e da sua vida insere-se,
portanto, no tempo e na história. Sem dúvida, aquela foi pronunciada uma vez
por todas no mistério de Jesus de Nazaré. Afirma-o, com palavras muito
expressivas, a constituição Dei Verbum: « Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas,
falou-nos Deus nestes nossos dias, que são os últimos, através de seu Filho (Heb 1,
1-2). Com efeito, enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos
os homens, para habitar entre os homens e manifestar-lhes a vida íntima de Deus
(cf. Jo 1, 1-18). Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado
como homem para os homens, "fala, portanto, as palavras de Deus" (Jo 3,
34) e consuma a obra de salvação que o Pai Lhe mandou realizar (cf. Jo 5,
36; 17, 4). Por isso, Ele — vê-l'O a Ele é ver o Pai (cf. Jo 14,
9) —, com toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e
obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição,
e enfim, com o envio do Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com
o testemunho divino a Revelação ». [ 10]
Assim, a
história constitui um caminho que o Povo de Deus há-de percorrer inteiramente,
de tal modo que a verdade revelada possa exprimir em plenitude os seus
conteúdos, graças à acção incessante do Espírito Santo (cf. Jo 16,
13). Ensina-o também a constituição Dei Verbum, quando afirma que « a Igreja, no decurso dos séculos, tende
continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as
palavras de Deus ». [ 11]
12. A
história torna-se, assim, o lugar onde podemos constatar a acção de Deus em
favor da humanidade. Ele vem ter connosco, servindo-Se daquilo que nos é mais
familiar e mais fácil de verificar, ou seja, o nosso contexto quotidiano, fora
do qual não conseguiríamos entender-nos.
A
encarnação do Filho de Deus permite ver realizada uma síntese definitiva que a
mente humana, por si mesma, nem sequer poderia imaginar: o Eterno entra no
tempo, o Tudo esconde-se no fragmento, Deus assume o rosto do homem. Deste
modo, a verdade expressa na revelação de Cristo deixou de estar circunscrita a
um restrito âmbito territorial e cultural, abrindo-se a todo o homem e mulher
que a queira acolher como palavra definitivamente válida para dar sentido à
existência. Agora todos têm acesso ao Pai, em Cristo; de facto, com a sua morte
e ressurreição, Ele concedeu-nos a vida divina que o primeiro Adão tinha
rejeitado (cf. Rom 5, 12-15). Com esta Revelação, é
oferecida ao homem a verdade última a respeito da própria vida e do destino da
história: « Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado
se esclarece verdadeiramente », afirma a constituição Gaudium et spes. [12] Fora
desta perspectiva, o mistério da existência pessoal permanece um enigma
insolúvel. Onde poderia o homem procurar
resposta para questões tão dramáticas como a dor, o sofrimento do inocente e a
morte, a não ser na luz que dimana do mistério da paixão, morte e ressurreição
de Cristo?
2. A razão perante o mistério
13.
Entretanto, não se pode esquecer que a Revelação permanece envolvida no
mistério. Jesus, com toda a sua vida, revela seguramente o rosto do Pai, porque
Ele veio para manifestar os segredos de Deus; [ 13] e
contudo, o conhecimento que possuímos daquele rosto, está marcado sempre pelo
carácter parcial e limitado da nossa compreensão. Somente a fé permite entrar
dentro do mistério, proporcionando uma sua compreensão coerente.
O Concílio
ensina que, « a Deus que revela, é devida a obediência da fé ». [ 14] Com
esta breve mas densa afirmação, é indicada uma verdade fundamental do
cristianismo. Diz-se, em primeiro lugar, que a fé é uma resposta de obediência
a Deus. Isto implica que Ele seja reconhecido na sua divindade, transcendência
e liberdade suprema. Deus que Se dá a conhecer na autoridade da sua
transcendência absoluta, traz consigo também a credibilidade dos conteúdos que
revela. Pela fé, o homem presta assentimento a esse testemunho
divino. Isto significa que reconhece plena e integralmente a verdade de tudo o
que foi revelado, porque é o próprio Deus que o garante. Esta verdade,
oferecida ao homem sem que ele a possa exigir, insere-se no horizonte da
comunicação interpessoal e impele a razão a abrir-se a esta e a acolher o seu
sentido profundo. É por isso que o acto pelo qual nos entregamos a Deus, sempre
foi considerado pela Igreja como um momento de opção fundamental, que envolve a
pessoa inteira. Inteligência e vontade põem em acção o melhor da sua natureza
espiritual, para consentir que o sujeito realize um acto no pleno exercício da
sua liberdade pessoal. [ 15] Na
fé, portanto, não basta a liberdade estar presente, exige-se que entre em
acção. Mais, é a fé que permite a cada um exprimir, do melhor modo, a sua
própria liberdade. Por outras palavras, a liberdade não se realiza nas opções
contra Deus. Na verdade, como poderia ser considerado um uso autêntico da
liberdade, a recusa de se abrir àquilo que permite a realização de si mesmo? No
acreditar é que a pessoa realiza o acto mais significativo da sua existência; de
facto, nele a liberdade alcança a certeza da verdade e decide viver nela.
Em auxílio
da razão, que procura a compreensão do mistério, vêm também os sinais presentes
na Revelação. Estes servem para conduzir mais longe a busca da verdade e
permitir que a mente possa autonomamente investigar inclusive dentro do
mistério. De qualquer modo, se, por um lado, esses sinais dão maior força à
razão, porque lhe permitem pesquisar dentro do mistério com os seus próprios
meios, de que ela justamente se sente ciosa, por outro lado, impelem-na a
transcender a sua realidade de sinais para apreender o significado ulterior de
que eles são portadores. Portanto, já há neles uma verdade escondida, para a
qual encaminham a mente e da qual esta não pode prescindir sem destruir o
próprio sinal que lhe foi proposto.
Chega-se,
assim, ao horizonte sacramental da Revelação e de forma
particular ao sinal eucarístico, onde a união indivisível entre a realidade e o
respectivo significado permite identificar a profundidade do mistério. Na Eucaristia, Cristo está
verdadeiramente presente e vivo, actua pelo seu Espírito, mas,
como justamente diz S. Tomás, « nada vês nem compreendes, mas t'o afirma a fé
mais viva, para além das leis da Terra. Sob espécies diferentes, que não passam
de sinais, é que está o dom de Deus ». [ 16] Temos
um eco disto mesmo nas seguintes palavras do filósofo Pascal: « Como Jesus Cristo
passou despercebido no meio dos homens, assim a sua verdade permanece, entre as
opiniões comuns, sem diferença exterior. O mesmo se dá com a Eucaristia
relativamente ao pão comum ».[17]
Em resumo,
o conhecimento da fé não anula o mistério; torna-o apenas mais evidente e
apresenta-o como um facto essencial para a vida do homem: Cristo Senhor, « na
própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e
descobre-lhe a sua vocação sublime », [ 18] que é
participar no mistério da vida trinitária de Deus. [ 19]
14. A
doutrina do primeiro e segundo Concílio do Vaticano abre um horizonte verdadeiramente
novo também ao saber filosófico. A Revelação coloca dentro da história um ponto
de referência de que o homem não pode prescindir, se quiser chegar a
compreender o mistério da sua existência; mas, por outro lado, este
conhecimento apela constantemente para o mistério de Deus que a mente não
consegue abarcar, mas apenas receber e acolher na fé. Entre estes dois
momentos, a razão possui o seu espaço peculiar que lhe permite investigar e
compreender, sem ser limitada por nada mais que a sua finitude ante o mistério
infinito de Deus.
A Revelação
introduz, portanto, na nossa história uma verdade universal e última que leva a
mente do homem a nunca mais se deter; antes, impele-a a ampliar continuamente
os espaços do próprio conhecimento até sentir que realizou tudo o que estava ao
seu alcance, sem nada descurar. Ajuda-nos, nesta reflexão, uma das
inteligências mais fecundas e significativas da história da humanidade, à qual
obrigatoriamente fazem referência a filosofia e a teologia: Santo Anselmo. Na sua
obra, Proslogion, o Arcebispo de Cantuária exprime-se assim: «
Detendo-me com frequência e atenção a pensar neste problema, sucedia umas vezes
que me parecia estar para agarrar o que buscava, outras vezes, pelo contrário,
furtava-se completamente ao meu pensamento; até que finalmente, desesperado de
o poder achar, decidi deixar de procurar algo que me era impossível encontrar.
Mas, quando quis afastar de mim tal pensamento para que a sua ocupação da minha
mente não me alheasse de outros problemas de que podia tirar algum proveito,
foi então que começou a apresentar-se cada vez mais teimoso. (...) Mas, pobre
de mim, um dos pobres filhos de Eva, longe de Deus, o que é que comecei a fazer
e o que é que consegui? O que é que visava e a que ponto cheguei? A que é que
aspirava e por que é que suspiro? (...) Ó Senhor, Vós não sois apenas algo
acerca do qual não se pode pensar nada de maior (non solum es quo maius
cogitari nequit), mas sois maior de tudo o que se possa pensar (quiddam
maius quam cogitari possit) (...). Se não fôsseis o que sois, poder-se-ia
pensar algo maior do que Vós, mas isso é impossível ». [ 20]
15. A
verdade da revelação cristã, que se encontra em Jesus de Nazaré, permite a
quemquer que seja perceber o « mistério » da própria vida. Enquanto verdade
suprema, ao mesmo tempo que respeita a autonomia da criatura e a sua liberdade,
obriga-a a abrir-se à transcendência. Aqui, a relação entre liberdade e verdade
atinge o seu máximo grau, podendo-se compreender plenamente esta palavra do
Senhor: « Conhecereis a verdade e a
verdade libertar-vos-á » (Jo 8, 32).
A revelação
cristã é a verdadeira estrela de orientação para o homem, que avança por entre
os condicionalismos da mentalidade imanentista e os reducionismos duma lógica
tecnocrática; é a última possibilidade oferecida por Deus, para reencontrar em
plenitude aquele projecto primordial de amor que teve início com a criação. Ao
homem ansioso de conhecer a verdade — se ainda é capaz de ver para além de si
mesmo e levantar os olhos acima dos seus próprios projectos — é-lhe concedida a
possibilidade de recuperar a genuína relação com a sua vida, seguindo a estrada
da verdade. Podem-se aplicar a esta situação as seguintes palavras do
Deuteronómio: « A lei que hoje te imponho não está acima das tuas forças nem
fora do teu alcance. Não está no céu, para que digas: "Quem subirá por nós
ao céu e no-la irá buscar?" Não está tão pouco do outro lado do mar, para
que digas: "Quem atravessará o mar para no-la buscar e no-la fazer ouvir
para que a observemos?" Não, ela está muito perto de ti: está na tua boca
e no teu coração; e tu podes cumpri-la » (30, 11-14). Temos um eco deste texto
no famoso pensamento do filósofo e teólogo Santo Agostinho: « Noli
foras ire, in te ipsum redi. In interiore homine habitat veritas ». [ 21]
À luz
destas considerações, impõe-se uma primeira conclusão: a verdade que a
Revelação nos dá a conhecer não é o fruto maduro ou o ponto culminante dum
pensamento elaborado pela razão. Pelo contrário, aquela apresenta-se com a característica
da gratuidade, obriga a pensá-la, e pede para ser acolhida, como expressão de
amor. Esta verdade revelada é a presença antecipada na nossa história daquela
visão última e definitiva de Deus, que está reservada para quantos acreditam
n'Ele ou O procuram de coração sincero. Assim, o fim último da existência
pessoal é objecto de estudo quer da filosofia, quer da teologia. Embora com
meios e conteúdos diversos, ambas apontam para aquele « caminho da vida » (Sal 1615,
11) que, segundo nos diz a fé, tem o seu termo último de chegada na alegria
plena e duradoura da contemplação de Deus Uno e Trino.
CAPÍTULO II
CREDO UT INTELLEGAM
1. « A sabedoria sabe e compreende todas as coisas» (Sab9, 11)
16. Quão
profunda seja a ligação entre o conhecimento da fé e o da razão, já a Sagrada
Escritura no-lo indica com elementos de uma clareza surpreendente. Comprovam-no
sobretudo os Livros Sapienciais. O que impressiona na leitura,
feita sem preconceitos, dessas páginas da Sagrada Escritura é o facto de estes
textos conterem não apenas a fé de Israel, mas também o tesouro de civilizações
e culturas já desaparecidas. Como se de um desígnio particular se tratasse, o
Egipto e a Mesopotâmia fazem ouvir novamente a sua voz, e alguns traços comuns
das culturas do Antigo Oriente ressurgem nestas páginas ricas de intuições
singularmente profundas.
Não é por
acaso que o autor sagrado, ao querer descrever o homem sábio, o apresenta como
aquele que ama e busca a verdade: « Feliz o homem que é constante na sabedoria,
e que discorre com a sua inteligência; que repassa no seu coração os caminhos
da sabedoria, e que penetra no conhecimento dos seus segredos; vai atrás dela
como quem lhe segue o rasto, e permanece nos seus caminhos; olha pelas suas
janelas, e escuta às suas portas; repousa junto da sua morada, e fixa um pilar
nas suas paredes; levanta a sua tenda junto dela, e estabelece ali agradável
morada; coloca os seus filhos debaixo da sua protecção, e ele mesmo morará
debaixo dos seus ramos; à sua sombra estará defendido do calor, e repousará na
sua glória » (Sir 14, 20-27).
Para o
autor inspirado, como se vê, o desejo de conhecer é uma característica comum a
todos os homens. Graças à inteligência, é dada a todos, crentes e descrentes, a
possibilidade de « saciarem-se nas águas profundas » do conhecimento (cf. Prov 20,
5). Seguramente, no Antigo Israel, o conhecimento d o mundo e dos seus
fenómenos não se realizava pela via da abstracção, como já o fazia o filósofo
jónico ou o sábio egípcio. E menos ainda podia o bom israelita conceber o
conhecimento nos parâmetros próprios da época moderna, mais propensa à
subdivisão do saber. Apesar disso, o mundo bíblico fez confluir, para o grande
mar da teoria do conhecimento, o seu contributo original.
Qual? O carácter peculiar do texto bíblico reside
na convicção de que existe uma unidade profunda e indivisível entre o
conhecimento da razão e o da fé. O mundo e o que nele acontece, assim como
a história e as diversas vicissitudes da nação são realidades observadas,
analisadas e julgadas com os meios próprios da razão, mas sem deixar a fé
alheia a este processo. Esta não intervém para humilhar a autonomia da razão,
nem para reduzir o seu espaço de acção, mas apenas para fazer compreender ao
homem que, em tais acontecimentos, Se torna visível e actua o Deus de Israel.
Assim, não é possível conhecer profundamente o mundo e os factos da história,
sem ao mesmo tempo professar a fé em Deus que neles actua. A fé aperfeiçoa o
olhar interior, abrindo a mente para descobrir, no curso dos acontecimentos, a
presença operante da Providência. A tal propósito, é significativa uma
expressão do livro dos Provérbios: « A mente do homem dispõe o seu caminho, mas
é o Senhor quem dirige os seus passos » (16, 9). É como se dissesse que o
homem, pela luz da razão, pode reconhecer a sua estrada, mas percorrê-la de
maneira decidida, sem obstáculos e até ao fim, ele só o consegue se, de ânimo
recto, integrar a sua pesquisa no horizonte da fé. Por isso, a razão e a fé não
podem ser separadas, sem fazer com que o homem perca a possibilidade de
conhecer de modo adequado a si mesmo, o mundo e Deus.
17. Não há
motivo para existir concorrência entre a razão e a fé: uma implica a outra, e
cada qual tem o seu espaço próprio de realização. Aponta nesta direcção o livro
dos Provérbios, quando exclama: « A
glória de Deus é encobrir as coisas, e a glória dos reis é investigá-las » (25,
2). Deus e o homem estão colocados, em seu respectivo mundo, numa relação
única. Em Deus reside a origem de tudo, n'Ele se encerra a plenitude do mistério,
e isto constitui a sua glória; ao homem, pelo contrário, compete o dever de
investigar a verdade com a razão, e nisto está a sua nobreza. Um novo ladrilho
é colocado neste mosaico pelo Salmista, quando diz: « Quão insondáveis para
mim, ó Deus, vossos pensamentos! Quão imenso o seu número! Quisera contá-los,
são mais que as areias; se pudesse chegar ao fim, estaria ainda convosco »
(139/ 138, 17-18). O desejo de conhecer é tão grande e comporta tal dinamismo
que o coração do homem, ao tocar o limite intransponível, suspira pela riqueza
infinita que se encontra para além deste, por intuir que nela está contida a
resposta cabal para toda a questão ainda sem resposta.
18.
Podemos, pois, dizer que Israel, com a sua reflexão, soube abrir à razão o
caminho para o mistério. Na revelação de Deus, pôde sondar em profundidade
aquilo que a razão estava procurando alcançar sem o conseguir. A partir desta
forma mais profunda de conhecimento, o Povo Eleito compreendeu que a razão deve
respeitar algumas regras fundamentais, para manifestar do melhor modo possível
a própria natureza. A primeira regra é ter em conta que o conhecimento do homem
é um caminho que não permite descanso; a segunda nasce da consciência de que
não se pode percorrer tal caminho com o orgulho de quem pensa que tudo seja
fruto de conquista pessoal; a terceira regra funda-se no « temor de Deus », de
quem a razão deve reconhecer tanto a transcendência soberana como o amor
solícito no governo do mundo.
Quando o
homem se afasta destas regras, corre o risco de falimento e acaba por
encontrar-se na condição do « insensato ». Segundo a Bíblia, nesta insensatez
encerra-se uma ameaça à vida. É que o insensato ilude-se pensando que conhece
muitas coisas, mas, de facto, não é capaz de fixar o olhar nas realidades essenciais.
E isto impede-lhe de pôr ordem na sua mente (cf. Prov 1, 7) e
de assumir uma atitude correcta para consigo mesmo e o ambiente circundante.
Quando, depois, chega a afirmar que « Deus não existe » (cf. Sal 1413,
1), isso revela, com absoluta clareza, quanto seja deficiente o seu
conhecimento e quão distante esteja ele da verdade plena a respeito das coisas,
da sua origem e do seu destino.
19.
Encontramos, no livro da Sabedoria, alguns textos importantes, que iluminam
ainda melhor este assunto. Lá, o autor sagrado fala de Deus que Se dá a
conhecer também através da natureza. Para os antigos, o estudo das ciências
naturais coincidia, em grande parte, com o saber filosófico. Depois de ter
afirmado que o homem, com a sua inteligência, é capaz de « conhecer a
constituição do universo e a força dos elementos (...), o ciclo dos anos e a
posição dos astros, a natureza dos animais mansos e os instintos dos animais
ferozes » (Sab 7, 17.19-20), por outras palavras, que o homem é
capaz de filosofar, o texto sagrado dá um passo em frente muito significativo.
Retomando o pensamento da filosofia grega, à qual parece referir-se neste
contexto, o autor afirma que, raciocinando precisamente sobre a natureza,
pode-se chegar ao Criador: « Pela grandeza e beleza das criaturas, pode-se, por
analogia, chegar ao conhecimento do seu Autor » (Sab 13, 5).
Reconhece-se, assim, um primeiro nível da revelação divina, constituído pelo
maravilhoso « livro da natureza »; lendo-o com os meios próprios da razão
humana, pode-se chegar ao conhecimento do Criador. Se o homem, com a sua
inteligência, não chega a reconhecer Deus como criador de tudo, isso fica-se a
dever não tanto à falta de um meio adequado, como sobretudo ao obstáculo
interposto pela sua vontade livre e pelo seu pecado.
20. Nesta
perspectiva, a razão é valorizada, mas não superexaltada. O que ela alcança
pode ser verdade, mas só adquire pleno significado se o seu conteúdo for
situado num horizonte mais amplo, o da fé: « O Senhor é quem dirige os passos
do homem; como poderá o homem compreender o seu próprio destino? » (Prov 20,
24). A fé, segundo o Antigo Testamento, liberta a razão, na medida em que lhe
permite alcançar coerentemente o seu objecto de conhecimento e situá-lo naquela
ordem suprema onde tudo adquire sentido. Em resumo, pela razão o homem alcança
a verdade, porque, iluminado pela fé, descobre o sentido profundo de tudo e,
particularmente, da própria existência. Justamente, pois, o autor sagrado
coloca o início do verdadeiro conhecimento no temor de Deus: « O temor do
Senhor é o princípio da sabedoria » (Prov 1, 7; cf. Sir 1,
14).
2. « Adquire a sabedoria, adquire a inteligência » (Prov 4,
5)
21. Segundo
o Antigo Testamento, o conhecimento não se baseia apenas numa atenta observação
do homem, do mundo e da história, mas supõe como indispensável também uma
relação com a fé e os conteúdos da Revelação. Aqui se concentram os desafios
que o Povo Eleito teve de enfrentar e a que deu resposta. Ao reflectir sobre
esta sua condição, o homem bíblico descobriu que não se podia compreender senão
como « ser em relação »: relação consigo mesmo, com o povo, com o mundo e com
Deus. Esta abertura ao mistério, que provinha da Revelação, acabou por ser,
para ele, a fonte dum verdadeiro conhecimento, que permitiu à sua razão
aventurar-se em espaços infinitos, recebendo inesperadas possibilidades de
compreensão.
Segundo o
autor sagrado, o esforço da investigação não estava isento da fadiga causada
pelo embate nas limitações da razão. Sente-se isso mesmo, por exemplo, nas
palavras com que o livro dos Provérbios denuncia o cansaço provado ao tentar
compreender os misteriosos desígnios de Deus (cf. 30, 1-6). Todavia, apesar da
fadiga, o crente não desiste. E a força para continuar o seu caminho rumo à
verdade provém da certeza de que Deus o criou como um « explorador » (cf. Coel 1,
13), cuja missão é não deixar nada sem tentar, não obstante a contínua
chantagem da dúvida. Apoiando-se em Deus, o crente permanece, em todo o lado e
sempre, inclinado para o que é belo, bom e verdadeiro.
22. S. Paulo,
no primeiro capítulo da carta aos Romanos, ajuda-nos a avaliar melhor quanto
seja incisiva a reflexão dos Livros Sapienciais. Desenvolvendo com linguagem
popular uma argumentação filosófica, o Apóstolo exprime uma verdade profunda:
através da criação, os « olhos da mente » podem chegar ao conhecimento de Deus.
Efectivamente, através das criaturas, Ele faz intuir à razão o seu « poder » e
a sua « divindade » (cf. Rom 1, 20). Deste modo, é atribuída à
razão humana uma capacidade tal que parece quase superar os seus próprios
limites naturais: não só ultrapassa o âmbito do conhecimento sensorial, visto
que lhe é possível reflectir criticamente sobre o mesmo, mas, raciocinando a
partir dos dados dos sentidos, pode chegar também à causa que está na origem de
toda a realidade sensível. Em terminologia filosófica, podemos dizer que, neste
significativo texto paulino, está afirmada a capacidade metafísica do homem.
Segundo o
Apóstolo, no projecto originário da criação estava prevista a capacidade de a
razão ultrapassar comodamente o dado sensível para alcançar a origem mesma de
tudo: o Criador. Como resultado da desobediência com que o homem escolheu
colocar-se em plena e absoluta autonomia relativamente Àquele que o tinha
criado, perdeu tal facilidade de acesso a Deus criador.
O livro do
Génesis descreve de maneira figurada esta condição do homem, quando narra que
Deus o colocou no jardim do Éden, tendo no centro « a árvore da ciência do bem
e do mal » (2, 17). O símbolo é claro: o homem não era capaz de discernir e
decidir, por si só, aquilo que era bem e o que era mal, mas devia apelar-se a
um princípio superior. A cegueira do
orgulho iludiu os nossos primeiros pais de que eram soberanos e autónomos, podendo
prescindir do conhecimento vindo de Deus. Nesta desobediência original, eles
implicaram todo o homem e mulher, causando à razão traumas sérios que haveriam
de dificultar-lhe, daí em diante, o caminho para a verdade plena. Agora a
capacidade humana de conhecer a verdade aparece ofuscada pela aversão contra Aquele
que é fonte e origem da verdade. O próprio apóstolo S. Paulo nos revela como,
por causa do pecado, os pensamentos dos homens se tornaram « vãos » e os seus
arrazoados tortuosos e falsos (cf. Rom 1, 21-22). Os olhos da
mente deixaram de ser capazes de ver claramente: a razão foi progressivamente
ficando prisioneira de si mesma. A vinda
de Cristo foi o acontecimento de salvação que redimiu a razão da sua fraqueza,
libertando-a dos grilhões onde ela mesma se tinha algemado.
23. Deste
modo, a relação do cristão com a filosofia requer um discernimento radical. No
Novo Testamento, especialmente nas cartas de S. Paulo, aparece claramente este
dado: a contraposição entre « a sabedoria deste mundo » e a sabedoria de Deus
revelada em Jesus Cristo. A profundidade da sabedoria revelada rompe o círculo
dos nossos esquemas de reflexão habituais, que não são minimamente capazes de
exprimi-la de forma adequada.
O início da
primeira carta aos Coríntios apresenta radicalmente este dilema. O Filho de
Deus crucificado é o acontecimento histórico contra o qual se desfaz toda a
tentativa da mente para construir, sobre razões puramente humanas, uma
justificação suficiente do sentido da existência. O verdadeiro ponto nodal, que
desafia qualquer filosofia, é a morte de Jesus Cristo na cruz. Aqui, de facto,
qualquer tentativa de reduzir o plano salvífico do Pai a mera lógica humana
está destinada à falência. « Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está
o investigador deste século? Porventura, Deus não considerou louca a sabedoria
deste mundo? » (1 Cor 1, 20) — interroga-se enfaticamente o
Apóstolo. Para aquilo que Deus quer realizar, não basta a simples sabedoria do
homem sábio, requer-se um passo decisivo que leve ao acolhimento duma novidade
radical: « O que é louco segundo o mundo é que Deus escolheu para confundir os
sábios (...). O que é vil e desprezível no mundo, é que Deus escolheu, como
também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são » (1 Cor 1,
27-28). A sabedoria do homem recusa ver na própria fragilidade o pressuposto da
sua força; mas S. Paulo não hesita em afirmar: « Quando me sinto fraco, então é
que sou forte » (2 Cor 12, 10). O homem não consegue compreender
como possa a morte ser fonte de vida e de amor, mas Deus, para revelar o
mistério do seu desígnio salvador, escolheu precisamente o que a razão
considera « loucura » e « escândalo ». Usando a linguagem dos filósofos do seu
tempo, Paulo chega ao clímax da sua doutrina e do paradoxo que quer exprimir: «
Deus escolheu, no mundo, aquelas coisas que nada são, para destruir as que são
» (cf. 1 Cor 1, 28). Para exprimir o carácter gratuito do amor
revelado na cruz de Cristo, o Apóstolo não tem medo de usar a linguagem mais
radical que os filósofos empregavam nas suas reflexões a respeito de Deus. A
razão não pode esgotar o mistério de amor que a Cruz representa, mas a Cruz
pode dar à razão a resposta última que esta procura. S. Paulo coloca, não a
sabedoria das palavras, mas a Palavra da Sabedoria como critério,
simultaneamente, de verdade e de salvação.
Por
conseguinte, a sabedoria da Cruz supera qualquer limite cultural que se lhe
queira impor, obrigando a abrir-se à universalidade da verdade de que é
portadora. Como é grande o desafio lançado à nossa razão e como são enormes as
vantagens que terá, se ela se render! A
filosofia, que por si mesma já é capaz de reconhecer a necessidade do homem se
transcender continuamente na busca da verdade, pode, ajudada pela fé,
abrir-se para, na « loucura » da Cruz, acolher como genuína a crítica a quantos
se iludem de possuir a verdade, encalhando-a nas sirtes dum sistema próprio. A
relação entre a fé e a filosofia encontra, na pregação de Cristo crucificado e
ressuscitado, o escolho contra o qual pode naufragar, mas também para além do
qual pode desembocar no oceano ilimitado da verdade. Aqui é evidente a
fronteira entre a razão e a fé, mas torna-se claro também o espaço onde as duas
se podem encontrar.
CAPÍTULO III
INTELLEGO UT CREDAM
1. Caminhar à procura da verdade
24. Nos
Actos dos Apóstolos, o evangelista Lucas narra a chegada de Paulo a Atenas,
numa das suas viagens missionárias. A cidade dos filósofos estava cheia de
estátuas, que representavam vários ídolos; e chamou-lhe a atenção um altar, que
Paulo prontamente aproveitou como motivo e base comum para iniciar o anúncio do
querigma: « Atenienses — disse ele —, vejo que sois, em tudo, os mais
religiosos dos homens. Percorrendo a vossa cidade e examinando os vossos
monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: "Ao Deus
desconhecido". Pois bem! O que venerais sem conhecer, é que eu vos anuncio
» (Act 17, 22-23). Partindo daqui, S. Paulo fala-lhes de Deus
enquanto criador, como Aquele que tudo transcende e a tudo dá vida. Depois
continua o seu discurso, dizendo: « Fez a partir de um só homem, todo o género
humano, para habitar em toda a face da Terra; e fixou a sequência dos tempos e
os limites para a sua habitação, a fim de que os homens procurem a Deus e se
esforcem por encontrá-Lo, mesmo tacteando, embora não Se encontre longe de cada
um de nós » (Act 17, 26-27).
O Apóstolo
põe em destaque uma verdade que a Igreja sempre guardou no seu tesouro: no mais
fundo do coração do homem, foi semeado o desejo e a nostalgia de Deus.
Recorda-o a liturgia de Sexta-feira Santa, quando, convidando a rezar pelos que
não crêem, diz: « Deus eterno e omnipotente, criastes os homens para que Vos
procurem, de modo que só em Vós descansa o seu coração ». [ 22]
Existe, portanto, um caminho que o homem, se quiser, pode percorrer; o seu
ponto de partida está na capacidade de a razão superar o contingente para se
estender até ao infinito.
De vários
modos e em tempos diversos, o homem demonstrou que conseguia dar voz a este seu
desejo íntimo. A literatura, a música, a pintura, a escultura, a arquitectura e
outras realizações da sua inteligência criadora tornaram-se canais de que ele
se serviu para exprimir esta sua ansiosa procura. Mas foi sobretudo a filosofia
que, de modo peculiar, recolheu este movimento, exprimindo, com os meios e
segundo as modalidades científicas que lhe são próprias, este desejo universal
do homem.
25. « Todos
os homens desejam saber », [ 23] e o
objecto próprio deste desejo é a verdade. A própria vida quotidiana demonstra o
interesse que tem cada um em descobrir, para além do que ouve, a realidade das
coisas. Em toda a criação visível, o homem é o único ser que é capaz não só de
saber, mas também de saber que sabe, e por isso se interessa pela verdade real
daquilo que vê. Ninguém pode sinceramente ficar indiferente quanto à verdade do
seu saber. Se descobre que é falso, rejeita-o; se, pelo contrário, consegue
certificar-se da sua verdade, sente-se satisfeito. É a lição que nos dá Santo
Agostinho, quando escreve: « Encontrei muitos com desejos de enganar outros,
mas não encontrei ninguém que quisesse ser enganado ». [24]
Considera-se, justamente, que uma pessoa alcançou a idade adulta, quando
consegue discernir, por seus próprios meios, entre aquilo que é verdadeiro e o
que é falso, formando um juízo pessoal sobre a realidade objectiva das coisas.
Está aqui o motivo de muitas pesquisas, particularmente no campo das ciências,
que levaram, nos últimos séculos, a resultados tão significativos, favorecendo
realmente o progresso da humanidade inteira.
E a
pesquisa é tão importante no campo teórico, como no âmbito prático: ao
referir-me a este, desejo aludir à procura da verdade a respeito do bem que se
deve realizar. Com efeito, graças precisamente ao agir ético, a pessoa, se
actuar segundo a sua livre e recta vontade, entra pela estrada da felicidade e
encaminha-se para a perfeição. Também neste caso, está em questão a verdade.
Reafirmei esta convicção na carta encíclica Veritatis splendor: « Não há moral sem liberdade (...). Se existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da
verdade, há ainda antes a obrigação moral grave para cada um de procurar a
verdade e de aderir a ela, uma vez conhecida ». [ 25]
Por isso, é
necessário que os valores escolhidos e procurados na vida sejam verdadeiros,
porque só estes é que podem aperfeiçoar a pessoa, realizando a sua natureza.
Não é fechando-se em si mesmo que o homem encontra esta verdade dos valores,
mas abrindo-se para a receber mesmo de dimensões que o transcendem. Esta é uma
condição necessária para que cada um se torne ele mesmo e cresça como pessoa
adulta e madura.
26. Ao
princípio, a verdade apresenta-se ao homem sob forma interrogativa: A
vida tem um sentido? Para onde se dirige? À primeira vista, a
existência pessoal poderia aparecer radicalmente sem sentido. Não é preciso
recorrer aos filósofos do absurdo, nem às perguntas provocatórias que se
encontram no livro de Job para duvidar do sentido da vida. A experiência
quotidiana do sofrimento, pessoal e alheio, e a observação de muitos factos,
que à luz da razão se revelam inexplicáveis, bastam para tornar iniludível um
problema tão dramático como é a questão do sentido da vida. [ 26] A isto se deve acrescentar que a primeira
verdade absolutamente certa da nossa existência, para além do facto de
existirmos, é a inevitabilidade da morte. Perante um dado tão
desconcertante como este, impõe-se a busca de uma resposta exaustiva. Cada um
quer, e deve, conhecer a verdade sobre o seu fim. Quer saber se a morte será o
termo definitivo da sua existência, ou se algo permanece para além da morte; se
pode esperar uma vida posterior, ou não. É significativo que o pensamento
filosófico tenha recebido, da morte de Sócrates, uma orientação decisiva que o
marcou durante mais de dois milénios. Certamente não é por acaso que os filósofos,
perante a realidade da morte, sempre voltam a pôr-se este problema, associado à
questão do sentido da vida e da imortalidade.
27. A tais
questões, não pode esquivar-se ninguém — nem o filósofo, nem o homem comum. E,
da resposta que se lhes der, deriva uma orientação decisiva da investigação: a
possibilidade, ou não, de alcançar uma verdade universal. Por si mesma qualquer
verdade, mesmo parcial, se realmente é verdade, apresenta-se como universal e
absoluta. Aquilo que é verdadeiro deve ser verdadeiro sempre e para todos.
Contudo, para além desta universalidade, o homem procura um absoluto que seja
capaz de dar resposta e sentido a toda a sua pesquisa: algo de definitivo, que
sirva de fundamento a tudo o mais. Por outras palavras, procura uma explicação definitiva,
um valor supremo, para além do qual não existam, nem possam existir, ulteriores
perguntas ou apelos. As hipóteses podem seduzir, mas não saciam. Para todos,
chega o momento em que, admitam-no ou não, há necessidade de ancorar a
existência a uma verdade reconhecida como definitiva, que forneça uma certeza
livre de qualquer dúvida.
Os
filósofos procuraram, ao longo dos séculos, descobrir e exprimir tal verdade,
criando um sistema ou uma escola de pensamento. Mas, para além dos sistemas
filosóficos, existem outras expressões nas quais o homem procura formular a sua
« filosofia »: trata-se de convicções ou experiências pessoais, tradições
familiares e culturais, ou itinerários existenciais vividos sob a autoridade de
um mestre. A cada uma destas manifestações, subjaz sempre vivo o desejo de
alcançar a certeza da verdade e do seu valor absoluto.
2. Os diferentes rostos da verdade do homem
28. Há que
reconhecer que a busca da verdade nem sempre se desenrola com a referida
transparência e coerência de raciocínio. Muitas vezes, as limitações naturais
da razão e a inconstância do coração ofuscam e desviam a pesquisa pessoal.
Outros interesses de vária ordem podem sobrepor-se à verdade. Acontece também
que o próprio homem a evite, quando começa a entrevê-la, porque teme as suas
exigências. Apesar disto, mesmo quando a evita, é sempre a verdade que preside
à sua existência. Com efeito, nunca poderia fundar a sua vida sobre a dúvida, a
incerteza ou a mentira; tal existência estaria constantemente ameaçada pelo medo
e a angústia. Assim, pode-se definir o
homem como aquele que procura a verdade.
29. É
impensável que uma busca, tão profundamente radicada na natureza humana, possa
ser completamente inútil e vã. A própria capacidade de procurar a verdade e
fazer perguntas implica já uma primeira resposta. O homem não começaria a
procurar uma coisa que ignorasse totalmente ou considerasse absolutamente
inatingível. Só a previsão de poder chegar a uma resposta é que consegue
induzi-lo a dar o primeiro passo. De facto, assim sucede normalmente na
pesquisa científica. Quando o cientista, depois de ter uma intuição, se lança à
procura da explicação lógica e empírica dum certo fenómeno, fá-lo porque tem a
esperança, desde o início, de encontrar uma resposta, e não se dá por vencido
com os insucessos. Nem considera inútil a intuição inicial, só porque não
alcançou o seu objectivo; dirá antes, e justamente, que não encontrou ainda a
resposta adequada.
O mesmo
deve valer também para a busca da verdade no âmbito das questões últimas. A
sede de verdade está tão radicada no coração do homem que, se tivesse de
prescindir dela, a sua existência ficaria comprometida. Basta observar a vida
de todos os dias para constatar como dentro de cada um de nós se sente o
tormento de algumas questões essenciais e, ao mesmo tempo, se guarda na alma,
pelo menos, o esboço das respectivas respostas. São respostas de cuja verdade
estamos convencidos, até porque notamos que não diferem substancialmente das
respostas a que muitos outros chegaram. Por certo, nem toda a verdade adquirida
possui o mesmo valor; todavia, o conjunto dos resultados alcançados confirma a
capacidade que o ser humano, em princípio, tem de chegar à verdade.
30. Convém,
agora, fazer uma rápida menção das diversas formas de verdade. As mais
numerosas são as verdades que assentam em evidências imediatas ou recebem
confirmação da experiência: esta é a ordem própria da vida quotidiana e da
pesquisa científica. Nível diverso ocupam as verdades de carácter filosófico,
que o homem alcança através da capacidade especulativa do seu intelecto. Por
último, existem as verdades religiosas,
que de algum modo têm as suas raízes também na filosofia; estão contidas
nas respostas que as diversas religiões oferecem, nas suas tradições, às
questões últimas. [ 27]
Quanto às verdades filosóficas, é
necessário especificar que não se limitam só às doutrinas, por vezes efémeras,
dos filósofos profissionais. Como já
disse, todo o homem é, de certa forma, um filósofo e possui as suas próprias
concepções filosóficas, pelas quais orienta a sua vida. De diversos modos,
consegue formar uma visão global e uma resposta sobre o sentido da própria
existência: e, à luz disso, interpreta a própria vida pessoal e regula o seu
comportamento. É aqui que deveria colocar-se a questão da relação entre as
verdades filosófico-religiosas e a verdade revelada em Jesus Cristo. Antes de
responder a tal questão, é preciso ter em conta outro dado da filosofia.
31. O homem não foi criado para viver sozinho.
Nasce e cresce numa família, para depois se inserir, pelo seu trabalho, na
sociedade. Assim a pessoa aparece integrada, desde o seu nascimento, em
várias tradições; delas recebe não apenas a linguagem e a formação cultural,
mas também muitas verdades nas quais acredita quase instintivamente.
Entretanto, o crescimento e a maturação pessoal implicam que tais verdades
possam ser postas em dúvida e avaliadas através da actividade crítica própria
do pensamento. Isto não impede que, uma vez passada esta fase, aquelas mesmas
verdades sejam « recuperadas » com base na experiência feita ou em virtude de
sucessiva ponderação. Apesar disso, na vida duma pessoa, são muito mais
numerosas as verdades simplesmente acreditadas que aquelas adquiridas por
verificação pessoal. Na realidade, quem seria capaz de avaliar criticamente os
inumeráveis resultados das ciências, sobre os quais se fundamenta a vida
moderna? Quem poderia, por conta própria, controlar o fluxo de informações,
recebidas diariamente de todas as partes do mundo e que, por princípio, são
aceites como verdadeiras? Enfim, quem poderia percorrer novamente todos os
caminhos de experiência e pensamento, pelos quais se foram acumulando os
tesouros de sabedoria e religiosidade da humanidade? Portanto, o homem, ser que busca a verdade, é também aquele que
vive de crenças.
32. Cada
um, quando crê, confia nos conhecimentos adquiridos por outras pessoas. Neste
acto, pode-se individuar uma significativa tensão: por um lado, o conhecimento
por crença apresenta-se como uma forma imperfeita de conhecimento, que precisa
de se aperfeiçoar progressivamente por meio da evidência alcançada pela própria
pessoa; por outro lado, a crença é muitas vezes mais rica, humanamente, do que
a simples evidência, porque inclui a relação interpessoal, pondo em jogo não
apenas as capacidades cognoscitivas do próprio sujeito, mas também a sua
capacidade mais radical de confiar noutras pessoas, iniciando com elas um
relacionamento mais estável e íntimo.
Importa
sublinhar que as verdades procuradas nesta relação interpessoal não são
primariamente de ordem empírica ou de ordem filosófica. O que se busca é
sobretudo a verdade da própria pessoa: aquilo que ela é e o que manifesta do
seu próprio íntimo. De facto, a perfeição do homem não se reduz apenas à
aquisição do conhecimento abstracto da verdade, mas consiste também numa
relação viva de doação e fidelidade ao outro. Nesta fidelidade que leva à doação,
o homem encontra plena certeza e segurança. Ao mesmo tempo, porém, o
conhecimento por crença, que se fundamenta na confiança interpessoal, tem a ver
também com a verdade: de facto, acreditando, o homem confia na verdade que o
outro lhe manifesta.´
Quantos
exemplos se poderiam aduzir para ilustrar este dado! O primeiro que me vem ao
pensamento é o testemunho dos mártires. Com efeito, o mártir é a testemunha
mais genuína da verdade da existência. Ele sabe que, no seu encontro com Jesus
Cristo, alcançou a verdade a respeito da sua vida, e nada nem ninguém poderá
jamais arrancar-lhe esta certeza. Nem o sofrimento, nem a morte violenta
poderão fazê-lo retroceder da adesão à verdade que descobriu no encontro com
Cristo. Por isso mesmo é que, até agora, o testemunho dos mártires atrai, gera
consenso, é escutado e seguido. Esta é a razão pela qual se tem confiança na
sua palavra: descobre-se neles a evidência dum amor que não precisa de longas
demonstrações para ser convincente, porque fala daquilo que cada um, no mais
fundo de si mesmo, já sente como verdadeiro e que há tanto tempo procurava. Em
resumo, o mártir provoca em nós uma profunda confiança, porque diz aquilo que
já sentimos e torna evidente aquilo que nós mesmos queríamos ter a força de
dizer.
33. Deste modo,
foi possível completar progressivamente os dados do problema. O homem, por sua natureza, procura a
verdade. Esta busca não se destina apenas à conquista de verdades parciais,
físicas ou científicas; não busca só o verdadeiro bem em cada um das suas decisões.
Mas a sua pesquisa aponta para uma verdade superior, que seja capaz de explicar
o sentido da vida; trata-se, por conseguinte, de algo que não pode desembocar
senão no absoluto. [ 28]
Graças às capacidades de que está dotado o seu pensamento, o homem pode
encontrar e reconhecer uma tal verdade. Sendo esta vital e essencial para a sua
existência, chega-se a ela não só por via racional, mas também através de um
abandono fiducial a outras pessoas que possam garantir a certeza e
autenticidade da verdade. A capacidade e a decisão de confiar o próprio ser e
existência a outra pessoa constituem, sem dúvida, um dos actos antropologicamente
mais significativos e expressivos.
É bom não
esquecer que também a razão, na sua busca, tem necessidade de ser apoiada por
um diálogo confiante e uma amizade sincera. O clima de suspeita e desconfiança,
que por vezes envolve a pesquisa especulativa, ignora o ensinamento dos
filósofos antigos, que punham a amizade como um dos contextos mais adequados
para o recto filosofar.
Do que
ficou dito conclui-se que o homem se encontra num caminho de busca, humanamente
infindável: busca da verdade e busca duma pessoa em quem poder confiar. A fé
cristã vem em sua ajuda, dando-lhe a possibilidade concreta de ver realizado o
objectivo dessa busca. De facto, superando o nível da simples crença, ela
introduz o homem naquela ordem da graça que lhe consente participar no mistério
de Cristo, onde lhe é oferecido o conhecimento verdadeiro e coerente de Deus
Uno e Trino. Deste modo, em Jesus Cristo, que é a Verdade, a fé reconhece o
apelo último dirigido à humanidade, para que possa tornar realidade o que
experimenta como desejo e nostalgia.
34. Esta
verdade, que Deus nos revela em Jesus Cristo, não está em contraste com as
verdades que se alcançam filosofando. Pelo contrário, as duas ordens de
conhecimento conduzem à verdade na sua plenitude. A unidade da verdade já é um
postulado fundamental da razão humana, expresso no princípio de
não-contradição. A Revelação dá a certeza desta unidade, ao mostrar que Deus
criador é também o Deus da história da salvação. Deus que fundamenta e garante
o carácter inteligível e racional da ordem natural das coisas, sobre o qual os
cientistas se apoiam confiadamente, [ 29] é o
mesmo que Se revela como Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Esta unidade da
verdade, natural e revelada, encontra a sua identificação viva e pessoal em
Cristo, como recorda o apóstolo Paulo: « A verdade que existe em Jesus » (Ef 4,
21; cf. Col 1, 15-20). Ele é a Palavra eterna, na
qual tudo foi criado, e ao mesmo tempo é a Palavra encarnada que,
com toda a sua pessoa,[30]
revela o Pai (cf. Jo 1, 14.18). Aquilo que a razão humana
procura « sem o conhecer » (cf. Act 17, 23), só pode ser
encontrado por meio de Cristo: de facto, o que n'Ele se revela é a « verdade
plena » (cf. Jo 1, 14-16) de todo o ser que, n'Ele e por Ele,
foi criado e, por isso mesmo, n'Ele encontra a sua realização (cf. Col 1,
17).
35. Tendo
estas considerações gerais como pano de fundo, é necessário agora examinar, de
maneira mais directa, a relação entre a verdade revelada e a filosofia. Tal
relação requer uma dupla consideração, visto que a verdade que nos vem da
Revelação tem de ser, simultaneamente, compreendida pela luz da razão. Só nesta
dupla acepção é que será possível especificar a justa relação da verdade
revelada com o saber filosófico. Por isso, vamos considerar, em primeiro lugar,
as relações entre a fé e a filosofia ao longo da história, donde será possível
individuar alguns princípios, que constituem os pontos de referência aos quais
recorrer para estabelecer a correcta relação entre as duas ordens de
conhecimento.
CAPÍTULO IV
A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO
1. As etapas significativas do encontro entre a fé e a razão
36. Os
Actos dos Apóstolos testemunham que o anúncio cristão se encontrou, desde os
seus primórdios, com as correntes filosóficas do tempo. Lá se refere a
discussão que S. Paulo teve com « alguns filósofos epicuristas e estóicos »
(17, 18). A análise exegética do discurso no Areópago evidenciou repetidas
alusões a ideias populares, predominantemente de origem estóica. Certamente
isso não se deu por acaso; os primeiros cristãos, para se fazerem compreender
pelos pagãos, não podiam citar apenas « Moisés e os profetas » nos seus
discursos, mas tinham de servir-se também do conhecimento natural de Deus e da
voz da consciência moral de cada homem (cf. Rom 1, 19-21; 2, 14-15; Act 14,
16-17). Como, porém, na religião pagã, esse conhecimento natural tinha
degenerado em idolatria (cf. Rom 1, 21-32), o Apóstolo
considerou mais prudente ligar o seu discurso ao pensamento dos filósofos, que
desde o início tinham contraposto, aos mitos e cultos mistéricos, conceitos
mais respeitosos da transcendência divina.
De facto,
um dos cuidados que mais a peito tiveram os filósofos do pensamento clássico,
foi purificar de formas mitológicas a concepção que os homens tinham de Deus. Bem
sabemos que a religião grega, como grande parte das religiões cósmicas, era
politeísta, chegando a divinizar até coisas e fenómenos da natureza. As
tentativas do homem para compreender a origem dos deuses e, nestes, a do
universo tiveram a sua primeira expressão na poesia. As teogonias permanecem,
até hoje, o primeiro testemunho desta investigação do homem. Os pais da
filosofia tiveram por missão mostrar a ligação entre a razão e a religião.
Estendendo o olhar para os princípios universais, deixaram de contentar-se com
os mitos antigos e procuraram dar fundamento racional à sua crença na
divindade. Embocou-se assim uma estrada que, saindo das antigas tradições
particulares, levava a um desenvolvimento que correspondia às exigências da
razão universal. O fim que tal desenvolvimento tinha em vista era a verificação
crítica daquilo em que se acreditava. A primeira a ganhar com esse caminho
feito foi a concepção da divindade. As superstições acabaram por ser
reconhecidas como tais, e a religião, pelo menos em parte, foi purificada pela
análise racional. Foi nesta base que os Padres da Igreja instituíram um diálogo
fecundo com os filósofos antigos, abrindo a estrada ao anúncio e à compreensão
do Deus de Jesus Cristo.
37. Quando
se menciona este movimento de aproximação dos cristãos à filosofia, é
obrigatório recordar também a cautela com que eles olhavam outros elementos do
mundo cultural pagão, como, por exemplo, a gnose. A filosofia, enquanto
sabedoria prática e escola de vida, podia facilmente ser confundida com um
conhecimento de tipo superior, esotérico, reservado a poucos iluminados. É, sem
dúvida, a especulações esotéricas deste género que pensa S. Paulo, quando
adverte os Colossenses: « Vede que ninguém vos engane com falsas e vãs
filosofias, fundadas nas tradições humanas, nos elementos do mundo, e não em
Cristo » (2, 8). Como são actuais estas palavras do Apóstolo, quando as
referimos às diversas formas de esoterismo que hoje se difundem mesmo entre
alguns crentes, privados do necessário sentido crítico! Seguindo as pegadas de
S. Paulo, outros escritores dos primeiros séculos, particularmente Santo Ireneu
e Tertuliano, puseram reservas a uma orientação cultural que pretendia
subordinar a verdade da Revelação à interpretação dos filósofos.
38. Como
vemos, o encontro do cristianismo com a filosofia não foi fácil nem imediato. A
exercitação desta e a frequência das respectivas escolas foi vista mais vezes
pelos primeiros cristãos como transtorno, do que como uma oportunidade. Para
eles, a primeira e mais urgente missão era o anúncio de Cristo ressuscitado,
que havia de ser proposto num encontro pessoal, capaz de levar o interlocutor à
conversão do coração e ao pedido do Baptismo. De qualquer modo, isso não
significa que ignorassem a obrigação de aprofundar a compreensão da fé e suas
motivações; antes pelo contrário. É injusta e pretextuosa a crítica de Celso,
quando acusa os cristãos de serem gente « iletrada e rude ». [ 31] A
explicação deste seu desinteresse inicial tem de ser procurada noutro lado. Na
realidade, o encontro com o Evangelho oferecia uma resposta tão satisfatória à
questão do sentido da vida, até então insolúvel, que frequentar os filósofos
parecia-lhes uma coisa sem interesse e, em certos aspectos, superada.
Isto é,
hoje, ainda mais claro, se se pensa ao contributo dado pelo cristianismo,
quando defende o acesso à verdade como um direito universal. Derrubadas as barreiras
raciais, sociais e sexuais, o cristianismo tinha anunciado, desde as suas
origens, a igualdade de todos os homens diante de Deus. A primeira consequência
deste conceito registou-se no tema da verdade, ficando decididamente superado o
carácter elitista que a sua busca tinha no pensamento dos antigos: se o acesso
à verdade é um bem que permite chegar a Deus, todos devem estar em condições de
poder percorrer esta estrada. As vias
para chegar à verdade continuam a ser muitas; mas, dado que a verdade cristã
tem valor salvífico, cada uma delas só pode ser percorrida se conduzir à meta
final, ou seja, à revelação de Jesus Cristo.
Como
pioneiro dum encontro positivo com o pensamento filosófico, sempre marcado por
um prudente discernimento, há que recordar S. Justino. Apesar da grande estima
que continuava a ter pela filosofia grega depois da sua conversão, afirmava
decidida e claramente que tinha encontrado, no cristianismo, « a única
filosofia segura e vantajosa ». [ 32] De
forma semelhante, Clemente de Alexandria chamava ao Evangelho « a verdadeira
filosofia », [ 33] e, em
analogia com a lei mosaica, via a filosofia como uma instrução propedêutica à
fé cristã [ 34] e uma
preparação ao Evangelho. [ 35] Uma
vez que « a filosofia anela por aquela sabedoria que consiste na rectidão da
alma e da palavra e na pureza da vida, está aberta à sabedoria e tudo faz para
a alcançar. No nosso meio, designam-se por filósofos os que amam a sabedoria
que é criadora e mestra de tudo, isto é, o conhecimento do Filho de Deus ».[36]
Segundo este pensador alexandrino, a filosofia grega não tem como primeiro
objectivo completar ou corroborar a verdade cristã; a sua função é, sobretudo,
a defesa da fé: « A doutrina do Salvador é perfeita em si mesma e não precisa
de apoio, porque é a força e a sabedoria de Deus. A filosofia grega não torna
mais forte a verdade com o seu contributo, mas, porque torna impotente o ataque
da sofística e desarma os assaltos traiçoeiros contra a verdade, foi justamente
chamada sebe e muro de vedação da vinha ».[37]
39.
Entretanto, na história deste desenvolvimento, é possível constatar a assunção
crítica do pensamento filosófico por parte dos pensadores cristãos. No meio dos
primeiros exemplos encontrados, sobressai, sem dúvida, Orígenes. Contra os
ataques lançados pelo filósofo Celso, ele recorre à filosofia platónica para
argumentar e responder-lhe. Citando vários elementos do pensamento platónico,
começa a elaborar uma primeira forma de teologia cristã. Naquele tempo, a
designação mesma de teologia e a sua concepção como discurso racional sobre
Deus ainda estavam ligadas à sua origem grega. Na filosofia aristotélica, por
exemplo, o termo designava a parte mais nobre e o verdadeiro apogeu do discurso
filosófico. Mas, à luz da revelação cristã, o que anteriormente indicava uma
doutrina genérica sobre a divindade, passou a assumir um significado totalmente
novo, ou seja, a reflexão que o crente realiza para exprimir a verdadeira
doutrina acerca de Deus. Este pensamento cristão novo, que estava a
desenvolver-se, servia-se da filosofia, mas ao mesmo tempo tendia a
distinguir-se nitidamente dela. A história revela que o próprio pensamento
platónico, quando foi assumido pela teologia, sofreu profundas transformações,
especialmente em conceitos como a imortalidade da alma, a divinização do homem
e a origem do mal.
40. Nesta
obra de cristianização do pensamento platónico e neoplatónico, merecem menção
particular os Padres Capadócios, Dionísio chamado o Areopagita e sobretudo
Santo Agostinho. O grande Doutor ocidental contactara diversas escolas
filosóficas, mas todas o tinham desiludido. Quando se lhe deparou a verdade da
fé cristã, então teve a força de realizar aquela conversão radical a que os
filósofos anteriormente contactados não tinham conseguido induzi-lo. Ele mesmo
refere o motivo: « Preferindo a doutrina católica, já sentia, então, que era
mais razoável e menos enganoso sermos obrigados a crer o que não demonstrava,
quer houvesse prova, mesmo que esta não estivesse ao alcance de qualquer
pessoa, quer a não houvesse. Seria isto mais sensato do que zombarem da crença
os maniqueístas, apoiados em temerária promessa de ciência, para depois nos
mandarem acreditar em inúmeras fábulas tão absurdas que as não podiam provar ».
[38]
Quanto aos platónicos, que ocupavam lugar privilegiado nos pontos de
referimento de Agostinho, este censurava-os porque, embora conhecessem o fim
para onde se devia tender, tinham, porém, ignorado o caminho que lá conduzia: o
Verbo encarnado. [ 39] O
Bispo de Hipona conseguiu elaborar a primeira grande síntese do pensamento
filosófico e teológico, nela confluindo correntes do pensamento grego e latino.
Também nele a grande unidade do saber, que tinha o seu fundamento no pensamento
bíblico, acabou por ser confirmada e sustentada pela profundidade do pensamento
especulativo. A síntese feita por Santo Agostinho permanecerá como a forma mais
elevada de reflexão filosófica e teológica que o Ocidente, durante séculos,
conheceu. Com uma história pessoal intensa e ajudado por uma admirável
santidade de vida, ele foi capaz de introduzir, nas suas obras, muitos dados
que, apelando-se à experiência, antecipavam já futuros desenvolvimentos de
algumas correntes filosóficas.
41. De
diversas formas, pois, os Padres do Oriente e do Ocidente entraram em relação
com as escolas filosóficas. Isto não significa que tenham identificado o
conteúdo da sua mensagem com os sistemas a que faziam referência. A pergunta de
Tertuliano: « Que têm em comum Atenas e Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja?
», [ 40] é
um sintoma claro da consciência crítica com que os pensadores cristãos
encararam, desde as origens, o problema da relação entre a fé e a filosofia,
vendo-o globalmente, tanto nos seus aspectos positivos como nas suas
limitações. Não eram pensadores ingénuos. Precisamente porque viviam de forma
intensa o conteúdo da fé, eles conseguiam chegar às formas mais profundas da
reflexão. Por isso, é injusto e redutivo limitar o seu trabalho a mera
transposição das verdades de fé para categorias filosóficas. Eles fizeram muito
mais; conseguiram explicitar plenamente aquilo que resultava ainda implícito e
preliminar no pensamento dos grandes filósofos antigos. [ 41]
Estes, conforme já disse, tiveram a função de mostrar o modo como a razão,
livre dos vínculos externos, podia escapar do beco sem saída dos mitos, para
melhor se abrir à transcendência. Uma razão purificada e recta era capaz de se
elevar aos níveis mais elevados da reflexão, dando fundamento sólido à
percepção do ser, do transcendente e do absoluto.
Aqui mesmo
se insere a novidade operada pelos Padres. Acolheram a razão na sua plena
abertura ao absoluto e, nela, enxertaram a riqueza vinda da Revelação. O
encontro não foi apenas questão de culturas, uma das quais talvez seduzida pelo
fascínio da outra; mas verificou-se no íntimo da alma, e foi um encontro entre
a criatura e o seu Criador. Ultrapassando o fim mesmo para o qual
inconscientemente tendia por força da sua natureza, a razão pôde alcançar o
sumo bem e a suma verdade na pessoa do Verbo encarnado. Ao encararem as
filosofias, os Padres não tiveram medo de reconhecer tanto os elementos comuns
como as diferenças que aquelas apresentavam relativamente à Revelação. A
percepção das convergências não ofuscava neles o reconhecimento das diferenças.
42. Na
teologia escolástica, o papel da razão educada filosoficamente torna-se ainda
mais notável sob o impulso da interpretação anselmiana do intelectus
fidei. Segundo o santo Arcebispo de
Cantuária, a prioridade da fé não faz concorrência à investigação própria da
razão. De facto, esta não é chamada a exprimir um juízo sobre os conteúdos
da fé; seria incapaz disso, porque não é idónea. A sua tarefa é, antes, saber
encontrar um sentido, descobrir razões que a todos permitam alcançar algum
entendimento dos conteúdos da fé. Santo Anselmo sublinha o facto de que o
intelecto deve pôr-se à procura daquilo que ama: quanto mais ama, mais deseja
conhecer. Quem vive para a verdade, tende para uma forma de conhecimento que se
inflama num amor sempre maior por aquilo que conhece, embora admita que ainda
não fizera tudo aquilo que estaria no seu desejo: « Ad te videndum
factus sum; et nondum feci propter quod factus sum ». [42]
Assim, o desejo da verdade impele a razão a ir sempre mais além; esta fica como
que embevecida pela constatação de que a sua capacidade é sempre maior do que
aquilo que alcança. Chegada aqui, porém, a razão é capaz de descobrir onde está
o termo do seu caminho: « Penso efectivamente que, quem investiga uma coisa
incompreensível, se deve contentar de chegar, pela razão, a reconhecer com a
máxima certeza a sua existência real, embora não seja capaz de penetrar, pela
inteligência, o seu modo de ser (...). Aliás, que há de tão incompreensível e
inefável como aquilo que está acima de tudo? Portanto, se aquilo de cuja
essência suprema discutimos até agora, ficou estabelecido sobre razões
necessárias, ainda que a inteligência não o possa penetrar de forma a conseguir
traduzi-lo em palavras claras, nem por isso vacila minimamente o fundamento da
sua certeza. Com efeito, se uma reflexão anterior compreendeu de maneira
racional que é incompreensível (rationabiliter comprehendit
incomprehensibile esse) o modo como a sabedoria suprema sabe aquilo que fez
(...) , quem explicará como ela mesma se conhece e exprime, dado que sobre ela
o homem nada ou quase nada pode saber? ». [ 43]
Confirma-se
assim, uma vez mais, a harmonia fundamental entre o conhecimento filosófico e o
conhecimento da fé: a fé requer que o
seu objecto seja compreendido com a ajuda da razão; por sua vez a razão, no
apogeu da sua indagação, admite como necessário aquilo que a fé apresenta.
2. A novidade perene do pensamento de S. Tomás de Aquino
43. Neste
longo caminho, ocupa um lugar absolutamente especial S. Tomás, não só pelo
conteúdo da sua doutrina, mas também pelo diálogo que soube instaurar com o
pensamento árabe e hebreu do seu tempo. Numa época em que os pensadores
cristãos voltavam a descobrir os tesouros da filosofia antiga, e mais
directamente da filosofia aristotélica, ele teve o grande mérito de colocar em
primeiro lugar a harmonia que existe entre a razão e a fé. A luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus: argumentava ele; por
isso, não se podem contradizer entre si. [ 44]
Indo mais
longe, S. Tomás reconhece que a natureza, objecto próprio da filosofia, pode
contribuir para a compreensão da revelação divina. Deste modo, a fé não teme a
razão, mas solicita-a e confia nela. Como a graça supõe a natureza e leva-a à
perfeição, [ 45]
assim também a fé supõe e aperfeiçoa a razão. Esta, iluminada pela fé, fica
liberta das fraquezas e limitações causadas pela desobediência do pecado, e
recebe a força necessária para elevar-se até ao conhecimento do mistério de
Deus Uno e Trino. Embora sublinhando o carácter sobrenatural da fé, o Doutor
Angélico não esqueceu o valor da racionabilidade da mesma; antes, conseguiu
penetrar profundamente e especificar o sentido de tal racionabilidade.
Efectivamente, a fé é de algum modo « exercitação do pensamento »; a razão do
homem não é anulada nem humilhada, quando presta assentimento aos conteúdos de
fé; é que estes são alcançados por decisão livre e consciente. [ 46]
Precisamente
por este motivo é que S. Tomás foi sempre proposto pela Igreja como mestre de
pensamento e modelo quanto ao recto modo de fazer teologia. Neste contexto,
apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI,
por ocasião do sétimo centenário da morte do Doutor Angélico: « Sem dúvida, S.
Tomás possuiu, no máximo grau, a coragem da verdade, a liberdade de espírito
quando enfrentava os novos problemas, a honestidade intelectual de quem não
admite a contaminação do cristianismo pela filosofia profana, mas tão pouco
defende a rejeição apriorística desta. Por isso, passou à história do
pensamento cristão como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura
universal. O ponto central e como que a essência da solução que ele deu ao
problema novamente posto da contraposição entre razão e fé, com a genialidade
do seu intuito profético, foi o da conciliação entre a secularidade do mundo e
a radicalidade do Evangelho, evitando, por um lado, aquela tendência
anti-natural que nega o mundo e seus valores, mas, por outro, sem faltar às
exigências supremas e inabaláveis da ordem sobrenatural ». [ 47]
44. Entre
as grandes intuições de S. Tomás, conta-se a de atribuir ao Espírito Santo o
papel de fazer amadurecer, como sapiência, a ciência humana. Desde as primeiras
páginas da Summa theologiæ, [ 48] o
Aquinate quis mostrar o primado daquela sapiência que é dom do Espírito Santo e
que introduz no conhecimento das realidades divinas. A sua teologia permite
compreender a peculiaridade da sapiência na sua ligação íntima com a fé e o
conhecimento de Deus: conhece por conaturalidade, pressupõe a fé e chega a
formular rectamente o seu juízo a partir da verdade da própria fé: « A
sapiência elencada entre os dons do Espírito Santo é distinta da mencionada
entre as virtudes intelectuais. De facto, esta segunda adquire-se pelo estudo;
aquela, pelo contrário, "provém do alto", como diz S. Tiago. Mas é
também distinta da fé, porque esta aceita a verdade divina tal como é, enquanto
é próprio do dom da sapiência julgar segundo a verdade divina ». [ 49]
Mas, ao
reconhecer a prioridade desta sapiência, o Doutor Angélico não esquece a
existência de mais duas formas complementares de sabedoria: a filosófica,
que se baseia sobre a capacidade que tem o intelecto, dentro dos próprios
limites naturais, de investigar a realidade; e a sabedoria teológica,
que se fundamenta na Revelação e examina os conteúdos da fé, alcançando o
próprio mistério de Deus.
Intimamente
convencido de que « omne verum a quocumque dicatur a Spiritu Sancto est »,
[ 50] S.
Tomás amou desinteressadamente a verdade. Procurou-a por todo o lado onde
pudesse manifestar-se, colocando em relevo a sua universalidade. Nele, o
Magistério da Igreja viu e apreciou a paixão pela verdade; o seu pensamento,
precisamente porque se mantém sempre no horizonte da verdade universal,
objectiva e transcendente, atingiu « alturas que a inteligência humana jamais
poderia ter pensado ».[51] É, pois, com razão que S. Tomás pode ser
definido « apóstolo da verdade ».[52]
Porque se consagrou sem reservas à verdade, no seu realismo soube reconhecer a
sua objectividade. A sua filosofia é verdadeiramente uma filosofia do ser, e
não do simples aparecer.
3. O drama da separação da fé e da razão
45. Quando
surgiram as primeiras universidades, a teologia começou a relacionar-se mais
directamente com outras formas da pesquisa e do saber científico. Santo Alberto
Magno e S. Tomás, embora admitindo uma ligação orgânica entre a filosofia e a
teologia, foram os primeiros a reconhecer à filosofia e às ciências a autonomia
de que precisavam para se debruçar eficazmente sobre os respectivos campos de
investigação. Todavia, a partir da baixa Idade Média, essa distinção legítima
entre os dois conhecimentos transformou-se progressivamente em nefasta
separação. Devido ao espírito excessivamente racionalista de alguns pensadores,
radicalizaram-se as posições, chegando-se, de facto, a uma filosofia separada e
absolutamente autónoma dos conteúdos da fé. Entre as várias consequências de
tal separação, sobressai a difidência cada vez mais forte contra a própria
razão. Alguns começaram a professar uma desconfiança geral, céptica ou
agnóstica, quer para reservar mais espaço à fé, quer para desacreditar qualquer
possível referência racional à mesma.
Em resumo,
tudo o que o pensamento patrístico e medieval tinha concebido e actuado como
uma unidade profunda, geradora dum conhecimento capaz de chegar às formas mais
altas da especulação, foi realmente destruído pelos sistemas que abraçaram a
causa de um conhecimento racional, separado e alternativo da fé.
46. As
radicalizações mais influentes são bem conhecidas e visíveis, sobretudo na
história do Ocidente. Não é exagerado afirmar que boa parte do pensamento
filosófico moderno se desenvolveu num progressivo afastamento da revelação
cristã até chegar explicitamente à contraposição. No século passado, este
movimento tocou o seu apogeu. Alguns representantes do idealismo procuraram, de
diversos modos, transformar a fé e os seus conteúdos, inclusive o mistério da
morte e ressurreição de Jesus Cristo, em estruturas dialécticas racionalmente
compreensíveis. Mas a esta concepção, opuseram-se diversas formas de humanismo
ateu, elaboradas filosoficamente, que apontaram a fé como prejudicial e
alienante para o desenvolvimento pleno do uso da razão. Não tiveram medo de se
apresentar como novas religiões, dando base a projectos que desembocaram, no
plano político e social, em sistemas totalitários traumáticos para a
humanidade.
No âmbito
da investigação científica, foi-se impondo uma mentalidade positivista, que não
apenas se afastou de toda a referência à visão cristã do mundo, mas sobretudo
deixou cair qualquer alusão à visão metafísica e moral. Por causa disso, certos
cientistas, privados de qualquer referimento ético, correm o risco de não
manterem, ao centro do seu interesse, a pessoa e a globalidade da sua vida.
Mais, alguns deles, cientes das potencialidades contidas no progresso
tecnológico, parecem ceder à lógica do mercado e ainda à tentação dum poder
demiúrgico sobre a natureza e o próprio ser humano.
Como
consequência da crise do racionalismo, apareceu o niilismo. Enquanto filosofia
do nada, consegue exercer um certo fascínio sobre os nossos contemporâneos. Os
seus seguidores defendem a pesquisa como fim em si mesma, sem esperança nem
possibilidade alguma de alcançar a meta da verdade. Na interpretação niilista,
a existência é somente uma oportunidade para sensações e experiências onde o
efémero detém o primado. O niilismo está na origem duma mentalidade difusa,
segundo a qual não se deve assumir qualquer compromisso definitivo, porque tudo
é fugaz e provisório.
47. Por
outro lado, é preciso não esquecer que, na cultura moderna, foi alterada a
própria função da filosofia. De sabedoria e saber universal que era, foi-se
progressivamente reduzindo a uma das muitas áreas do saber humano; mais, sob
alguns dos seus aspectos, ficou reduzida a um papel completamente marginal.
Entretanto, foram-se consolidando sempre mais outras formas de racionalidade,
pondo assim em evidência o carácter marginal do saber filosófico. Em vez de
apontarem para a contemplação da verdade e a busca do fim último e do sentido
da vida, essas formas de racionalidade são orientadas, ou pelo menos
orientáveis, como « razão instrumental » ao serviço de fins utilitaristas, de
prazer ou de poder.
Quanto seja
perigoso absolutizar esta estrada, fi-lo notar já na minha primeira carta
encíclica, ao escrever: « O homem de hoje parece estar sempre ameaçado por
aquilo mesmo que produz, ou seja, pelo resultado do trabalho das suas mãos e,
ainda mais, pelo resultado do trabalho da sua inteligência e das tendências da
sua vontade. Os frutos desta multiforme actividade do homem, com grande rapidez
e de modo muitas vezes imprevisível, passam a ser não tanto objecto de
"alienação", no sentido de que são simplesmente tirados àqueles que
os produzem, como sobretudo, pelo menos parcialmente, num círculo consequente e
indirecto dos seus efeitos, tais frutos voltam-se contra o próprio homem. Eles
são de facto dirigidos, ou podem sê-lo, contra o homem. Nisto parece consistir
o acto principal do drama da existência humana contemporânea, na sua dimensão
mais ampla e universal. Assim, o homem vive mergulhado cada vez mais no medo.
Teme que os seus produtos, naturalmente não todos nem a maior parte, mas alguns
e precisamente aqueles que encerram uma especial porção da sua genialidade e da
sua iniciativa, possam ser voltados de maneira radical contra si mesmo ». [53]
Na
sequência destas transformações culturais, alguns filósofos, abandonando a
busca da verdade por si mesma, assumiram como único objectivo a obtenção da
certeza subjectiva ou da utilidade prática. Em consequência, deu-se o
obscurecimento da verdadeira dignidade da razão, impossibilitada de conhecer a
verdade e de procurar o absoluto.
48. Assim,
o dado saliente desta última parte da história da filosofia é a constatação
duma progressiva separação entre a fé e a razão filosófica. É verdade que,
observando bem, mesmo na reflexão filosófica daqueles que contribuíram para
ampliar a distância entre fé e razão, se manifestam às vezes gérmenes preciosos
de pensamento que, se aprofundados e desenvolvidos com mente e coração recto,
podem fazer descobrir o caminho da verdade. Estes gérmenes de pensamento podem-se
encontrar, por exemplo, nas profundas análises sobre a percepção e a
experiência, a imaginação e o inconsciente, sobre a personalidade e a
intersubjectividade, a liberdade e os valores, o tempo e a história. Inclusive
o tema da morte pode tornar-se, para todo o pensador, um severo apelo a
procurar dentro de si mesmo o sentido autêntico da própria existência. Todavia
isto não pode fazer esquecer a necessidade que a actual relação entre fé e
razão tem de um cuidadoso esforço de discernimento, porque tanto a razão como a
fé ficaram reciprocamente mais pobres e débeis. A razão, privada do contributo
da Revelação, percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua
meta final. A fé, privada da razão, pôs em maior evidência o sentimento e a
experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal. É
ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior
incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou
superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé
adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser.
À luz
disto, creio justificado o meu apelo veemente e incisivo para que a fé e a
filosofia recuperem aquela unidade profunda que as torna capazes de serem
coerentes com a sua natureza, no respeito da recíproca autonomia. Ao
desassombro (parresia) da fé deve corresponder a audácia da razão.
CAPÍTULO V
INTERVENÇÕES DO MAGISTÉRIO EM MATÉRIA FILOSÓFICA
1. O discernimento do Magistério como diaconia da verdade
49. A
Igreja não propõe uma filosofia própria, nem canoniza uma das correntes
filosóficas em detrimento de outras. [ 54] A
razão profunda desta reserva está no facto de que a filosofia, mesmo quando
entra em relação com a teologia, deve proceder segundo os seus métodos e
regras; caso contrário, não haveria garantia de permanecer orientada para a
verdade, tendendo para a mesma através dum processo racionalmente controlável.
Pouca ajuda daria uma filosofia que não agisse à luz da razão, segundo
princípios próprios e específicas metodologias. Fundamentalmente, a raiz da
autonomia de que goza a filosofia, há que individuá-la no facto de a razão
estar orientada, por sua natureza, para a verdade e dotada em si mesma dos
meios necessários para a alcançar. Uma filosofia, ciente deste seu « estatuto
constitutivo », não pode deixar de respeitar as exigências e evidências
próprias da verdade revelada.
E, todavia,
vimos, na história, os extravios e erros em que várias vezes incorreu o
pensamento filosófico, sobretudo moderno. Não é função nem competência do
Magistério intervir para colmar as lacunas dum discurso filosófico carente.
Mas, já é sua obrigação reagir, de forma clara e vigorosa, quando teses
filosóficas discutíveis ameaçam a recta compreensão do dado revelado e quando
se difundem teorias falsas e sectárias que semeiam erros graves, perturbando a
simplicidade e a pureza da fé do povo de Deus.
50. Por
conseguinte, o Magistério eclesiástico pode, e deve, exercer com autoridade, à
luz da fé, o discernimento crítico sobre filosofias e afirmações que
contradigam a doutrina cristã. [ 55] Ao
Magistério compete, antes de mais, indicar os pressupostos e as conclusões
filosóficas que são incompatíveis com a verdade revelada, formulando assim as
exigências que, do ponto de vista da fé, se impõem à filosofia. Além disso, no
desenvolvimento do saber filosófico, surgiram diversas escolas de pensamento;
ora, este pluralismo impõe ao Magistério a responsabilidade de exprimir o seu
juízo sobre a compatibilidade ou incompatibilidade das concepções de base,
defendidas por essas escolas, com as exigências próprias da palavra de Deus e
da reflexão teológica.
A Igreja tem o dever de indicar aquilo
que pode existir, num sistema filosófico, de incompatível com a sua fé. Na verdade, muitos conteúdos filosóficos — relativos, por exemplo, a
Deus, ao homem, à sua liberdade e ao seu comportamento ético —, têm a ver
directamente com a Igreja, porque tocam na verdade revelada que ela guarda.
Quando nós, Bispos, realizamos o referido discernimento, temos a obrigação de
ser « testemunhas da verdade », no cumprimento dum serviço humilde, mas firme,
que todo o filósofo devia prezar, em benefício da recta ratio, ou seja, da
razão que reflecte correctamente sobre a verdade.
51. Em todo
o caso, tal discernimento não deve ser visto primariamente de forma negativa,
como se a intenção do Magistério fosse eliminar ou reduzir qualquer
possibilidade de mediação; ao contrário, as suas intervenções visam em primeiro
lugar suscitar, promover e encorajar o pensamento filosófico. Os filósofos são,
aliás, os primeiros a compreender a exigência de autocrítica, de correcção de
eventuais erros, e a necessidade de ultrapassar os limites demasiado estreitos
em que a sua reflexão foi concebida. De modo particular, deve-se considerar que
a verdade é uma só, embora as suas expressões acusem os vestígios da história e
sejam, além disso, obra duma razão humana ferida e enfraquecida pelo pecado.
Daqui se conclui que nenhuma forma histórica da filosofia pode, legitimamente,
ter a pretensão de abraçar a totalidade da verdade ou de possuir a explicação
cabal do ser humano, do mundo e da relação do homem com Deus.
E hoje, com
esta multiplicação de sistemas, métodos, conceitos e argumentos filosóficos, muitas
vezes extremamente fragmentários, impõe-se ainda com maior urgência um
discernimento crítico à luz da fé. Este discernimento não é fácil, porque, se
já é custoso reconhecer as capacidades naturais e inalienáveis da razão com as
suas limitações constitutivas e históricas, mais problemático ainda se pode
tornar às vezes o discernimento de cada uma das propostas filosóficas para
verificar, do ponto de vista da fé, o que apresentam de válido e fecundo e o
que existe nelas de errado ou perigoso. De qualquer modo, a Igreja sabe que os
« tesouros da sabedoria e da ciência » estão escondidos em Cristo (Col 2,
3); por isso, ela intervém, estimulando a reflexão filosófica, para que não se
obstrua a estrada que leva ao conhecimento do mistério.
52. Não foi
só recentemente que o Magistério da Igreja interveio para manifestar o seu
pensamento a respeito de determinadas doutrinas filosóficas. A título de
exemplo, basta recordar, no decurso dos séculos, as tomadas de posição acerca
das teorias que defendiam a preexistência das almas, [ 56] e ainda sobre as diversas formas de idolatria
e esoterismo supersticioso, contidas em teses astrológicas; [ 57] sem
esquecer os textos mais sistemáticos contra algumas teses do averroísmo latino,
incompatíveis com a fé cristã. [ 58]
Se a
palavra do Magistério se fez ouvir mais frequentemente a partir da segunda
metade do século passado, foi porque, naquele período, numerosos católicos
sentiram o dever de contrapor uma filosofia própria às várias correntes do
pensamento moderno. Daqui resultou, para o Magistério da Igreja, a obrigação de
vigiar a fim de que tais filosofias não degenerassem, por sua vez, em formas
erróneas e negativas. Acabaram assim censurados os dois extremos: dum lado,
o fideísmo [ 59] e
o tradicionalismo radical,[60]
pela sua falta de confiança nas capacidades naturais da razão; e, do outro,
o racionalismo [ 61] e
o ontologismo, [ 62]
porque atribuíam à razão natural aquilo que apenas se pode conhecer pela luz da
fé. Os conteúdos positivos deste debate foram formalizados na constituição
dogmática Dei Filius, por meio da qual um concílio ecuménico — o
Vaticano I — intervinha, pela primeira vez e de forma solene, sobre as relações
entre razão e fé. A doutrina contida neste texto marcou, intensa e
positivamente, a investigação filosófica de muitos crentes e constitui ainda
hoje um ponto normativo de referência para uma correcta e coerente reflexão
cristã neste âmbito particular.
53. Mais do
que teses filosóficas isoladas, as tomadas de posição do Magistério ocuparam-se
da necessidade do conhecimento racional — e por conseguinte, em última análise,
do conhecimento filosófico — para a compreensão da fé. O Concílio Vaticano I,
sintetizando e confirmando solenemente os ensinamentos que o Magistério
pontifício tinha proposto aos fiéis de maneira ordinária e constante, pôs em
evidência como são inseparáveis e ao mesmo tempo irredutíveis entre si o
conhecimento natural de Deus e a Revelação, a razão e a fé. O Concílio partia
da exigência fundamental — pressuposta também pela Revelação — da
cognoscibilidade natural da existência de Deus, princípio e fim de todas as
coisas, [ 63]
para concluir com a solene afirmação já citada: « Existem duas ordens de
conhecimento, distintas não apenas pelo seu princípio, mas também pelo seu
objecto ». [ 64] É
que era preciso afirmar, contra qualquer forma de racionalismo, a distinção
entre os mistérios da fé e as conclusões filosóficas, e ainda a transcendência
e precedência daqueles sobre estas; por outro lado, contra as tentações
fideístas, tornava-se necessário corroborar a unidade da verdade e também o
contributo positivo que o conhecimento racional pode, e deve, dar para o
conhecimento da fé: « Mas, embora a fé esteja acima da razão, não poderá
existir nunca uma verdadeira divergência entre fé e razão, porque o mesmo Deus
que revela os mistérios e comunica a fé, foi quem colocou também, no espírito
humano, a luz da razão. E Deus não poderia negar-Se a Si mesmo, pondo a verdade
em contradição com a verdade ».[65]
54. Neste
século, o Magistério voltou várias vezes ao mesmo assunto, alertando contra a
tentação racionalista. É neste horizonte que se devem colocar as intervenções
do Papa S. Pio X, pondo em relevo como, na base do modernismo, havia posições
filosóficas de linha fenomenista, agnóstica e imanentista.[66] E não se pode esquecer a importância que
teve a rejeição católica da filosofia marxista e do comunismo ateu.[67]
Sucessivamente,
o Papa Pio XII fez ouvir a sua voz quando, na carta encíclica Humani generis, preveniu contra interpretações
erróneas que andavam ligadas com as teses do evolucionismo, do existencialismo
e do historicismo. Explicava ele que estas teses não
foram elaboradas nem eram propostas por teólogos, mas tinham a sua origem «
fora do redil de Cristo »; [ 68]
acrescentava, porém, que tais extravios não deviam ser liminarmente rejeitados,
mas examinados criticamente: « Ora, estas tendências, que se afastam em medida
desigual da recta via, não podem ser ignoradas ou transcuradas pelos filósofos
e teólogos católicos, que têm o grave dever de defender a verdade divina e
humana, e de fazê-la penetrar na mente dos homens. Pelo contrário, devem
conhecer bem estas opiniões, quer porque as doenças não podem ser curadas, se
primeiro não são bem conhecidas, quer porque algumas vezes mesmo nas afirmações
falsas se esconde um pouco de verdade, quer finalmente porque os próprios erros
forçam a nossa mente a investigar e a perscrutar, com maior diligência, certas
verdades filosóficas e teológicas ».[69]
Por último,
também a Congregação da Doutrina da Fé, no cumprimento do seu múnus específico
ao serviço do magistério universal do Romano Pontífice, [ 70] teve de intervir para sublinhar o perigo
que comportava a assunção acrítica, feita por alguns teólogos da libertação, de
teses e metodologias provenientes do marxismo. [ 71]
Vemos assim
que, no passado, o Magistério exerceu reiteradamente e sob diversas modalidades
o discernimento em matéria filosófica. Aquilo que os meus Venerados
Predecessores enunciaram, constitui um contributo precioso que não pode ser
esquecido.
55. Se
observarmos a situação actual, constatamos que os problemas retornam, mas com
peculiaridades novas. Já não se trata de questões que interessam apenas a
indivíduos ou grupos, mas de convicções tão generalizadas no ambiente que se
tornam, em certa medida, mentalidade comum. Tal é, por exemplo, a desconfiança
radical na razão, que evidenciam as conclusões mais recentes de muitos estudos
filosóficos. De várias partes ouviu-se falar, a este respeito, de « fim da
metafísica »: querem que a filosofia se contente com tarefas mais modestas,
tais como a mera interpretação dos factos ou apenas a investigação sobre
determinados campos do saber humano ou das suas estruturas.
Também, na
teologia, voltam a assomar as tentações de outrora. Por exemplo, em algumas
teologias contemporâneas comparece novamente um certo racionalismo,
principalmente quando asserções, consideradas filosoficamente fundadas, são
tomadas como normativas para a investigação teológica. Isto sucede sobretudo
quando o teólogo, por falta de competência filosófica, se deixa condicionar de
modo acrítico por afirmações que já entraram na linguagem e cultura corrente,
mas carecem de suficiente base racional. [ 72]
Não faltam
também perigosas recaídas no fideísmo, que não reconhece a
importância do conhecimento racional e do discurso filosófico para a
compreensão da fé, melhor, para a própria possibilidade de acreditar em Deus. Uma expressão, hoje generalizada, desta
tendência fideísta é o « biblicismo », que tende a fazer da leitura da Sagrada
Escritura, ou da sua exegese, o único referencial da verdade. Assim,
acaba-se por identificar a palavra de Deus só com a Sagrada Escritura, anulando
deste modo a doutrina da Igreja que o Concílio Ecuménico Vaticano II
expressamente reafirmou. Com efeito, a
constituição Dei Verbum, depois de recordar que a
palavra de Deus está presente tanto nos textos sagrados como na Tradição, [ 73] afirma sem rodeios: « A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura
constituem um só depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja;
aderindo a este, todo o Povo santo persevera unido aos seus Pastores na doutrina
dos Apóstolos ».[74] Portanto, a Sagrada Escritura não
constitui, para a Igreja, a sua única referência; a « regra suprema da sua fé » [ 75]
provém efectivamente da unidade que o Espírito estabeleceu entre a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da
Igreja, numa reciprocidade tal que os três não podem subsistir de maneira
independente.[76]
Além disso,
não se deve subestimar o perigo que existe quando se quer individuar a verdade
da Sagrada Escritura com a aplicação de uma única metodologia, esquecendo a
necessidade de uma exegese mais ampla que permita o acesso, em união com toda a
Igreja, ao sentido pleno dos textos. Os que se dedicam ao estudo da Sagrada
Escritura nunca devem esquecer que as diversas metodologias hermenêuticas têm
também na sua base uma concepção filosófica: é preciso examiná-las com grande
discernimento, antes de as aplicar aos textos sagrados.
Outras
formas de fideísmo latente podem-se identificar na pouca consideração que é
reservada à teologia especulativa, e ainda no desprezo pela filosofia clássica,
de cujas noções provieram os termos para exprimir tanto a compreensão da fé
como as próprias formulações dogmáticas. O Papa Pio XII, de veneranda memória,
alertou contra este esquecimento da tradição filosófica e abandono das
terminologias tradicionais. [ 77]
56.
Constata-se, enfim, uma generalizada desconfiança relativamente a asserções
globais e absolutas sobretudo da parte de quem pensa que a verdade resulte do
consenso, e não da conformidade do intelecto com a realidade objectiva.
Compreende-se que, num mundo subdividido em tantos campos de especializações,
se torne difícil reconhecer aquele sentido total e último da vida que
tradicionalmente a filosofia procurava. Mas nem por isso posso, à luz da fé que
reconhece em Jesus Cristo tal sentido último, deixar de encorajar os filósofos,
cristãos ou não, a terem confiança nas capacidades da razão humana e a não
prefixarem metas demasiado modestas à sua investigação filosófica. A lição da
história deste milénio, quase a terminar, testemunha que a estrada a seguir é
esta: não perder a paixão pela verdade última, nem o anseio de pesquisa, unidos
à audácia de descobrir novos percursos. É a fé que incita a razão a sair de
qualquer isolamento e a abraçar de bom grado qualquer risco por tudo o que é
belo, bom e verdadeiro. Deste modo, a fé torna-se advogada convicta e
convincente da razão.
2. Solicitude da Igreja pela filosofia
57. O
Magistério, porém, não se limitou a pôr em destaque os erros e desvios das
doutrinas filosóficas. Mas, com igual cuidado, quis confirmar os princípios
fundamentais para uma genuína renovação do pensamento filosófico, indicando
mesmo percursos concretos a seguir. Nesta linha, o Papa Leão XIII, com a carta
encíclica Æterni Patris, realizou um passo de alcance verdadeiramente histórico na vida da
Igreja. Efectivamente aquela constitui, até ao dia de hoje, o único documento
pontifício dedicado, a esse nível, inteiramente à filosofia. O grande Pontífice
retomou e desenvolveu a doutrina do Concílio Vaticano I sobre a relação entre
fé e razão, mostrando como o pensamento filosófico é um contributo fundamental para
a fé e para a ciência teológica. [ 78]
Passado mais de um século, muitas indicações, lá contidas, nada perderam do seu
interesse tanto do ponto de vista prático como pedagógico; a primeira de todas
é a que diz respeito ao valor incomparável da filosofia de S. Tomás. A
reposição do pensamento do Doutor Angélico era vista pelo Papa Leão XIII como a
melhor estrada para se recuperar um uso da filosofia conforme às exigências da
fé. S. Tomás, escrevia ele, « ao mesmo tempo que, como é devido, distingue
perfeitamente a fé da razão, une-as a ambas com laços de amizade recíproca:
conserva os direitos próprios de cada uma e salvaguarda a sua dignidade ».[79]
58. São
conhecidas as felizes consequências que teve este convite pontifício. Os
estudos sobre o pensamento de S. Tomás e doutros autores escolásticos receberam
novo incentivo. Foi dado um forte impulso aos estudos históricos, de que
resultou uma nova descoberta das riquezas do pensamento medieval, até então
amplamente desconhecidas, e constituíram-se novas escolas tomistas. Com a
aplicação da metodologia histórica, fizeram-se grandes progressos no
conhecimento da obra de S. Tomás, e muitos foram os estudiosos que
corajosamente introduziram a tradição tomista nas discussões dos problemas filosóficos
e teológicos daquele tempo. Os teólogos católicos mais influentes deste século,
a cuja reflexão e pesquisa muito deve o Concílio Vaticano II, são filhos de tal
renovação da filosofia tomista. E assim a Igreja pôde, no decurso do século XX,
dispor dum vigoroso grupo de pensadores, formados na escola do Doutor Angélico.
59.
Contudo, a renovação tomista e neotomista não foi o único sinal de retoma do
pensamento filosófico na cultura de inspiração cristã. Já antes, e
contemporâneamente ao convite do Papa Leão XIII, tinham surgido vários
filósofos católicos que, valendo-se de correntes de pensamento mais recentes e
com uma metodologia própria, geraram obras filosóficas de grande influência e
valor duradouro. Houve quem tivesse organizado sínteses de nível tão alto que
nada tinham a invejar aos grandes sistemas do idealismo, e quem pusesse as
bases epistemológicas para uma nova exposição da fé, à luz de uma renovada
compreensão da consciência moral; houve quem tivesse elaborado uma filosofia
que, partindo da análise da imanência, abria o caminho para o transcendente, e
quem tentasse traduzir as exigências da fé no horizonte da metodologia
fenomenológica. Em suma, partindo de diversas perspectivas, continuou-se a
elaborar formas de reflexão filosófica, que visavam manter viva a grande
tradição do pensamento cristão na unidade de fé e razão.
60. O
Concílio Ecuménico Vaticano II, por sua vez, apresenta uma doutrina muito rica
e fecunda a propósito da filosofia. Não posso esquecer, sobretudo no contexto
desta carta encíclica, que um capítulo inteiro da constituição Gaudium et spes constitui uma espécie de compêndio de
antropologia bíblica, fonte de inspiração também para a filosofia. Naquelas
páginas, trata-se do valor da pessoa humana criada à imagem de Deus, indicam-se
os motivos da sua dignidade e superioridade relativamente ao resto da criação,
e mostra-se a capacidade transcendente da sua razão. [ 80] Na
referida Constituição conciliar, considera-se também o problema do ateísmo e
denunciam-se, juntamente com suas causas, os erros desta visão filosófica,
sobretudo no que diz respeito à dignidade inalienável da pessoa e da sua
liberdade. [ 81] E
um profundo significado filosófico reveste também o ponto culminante daquelas
páginas, que transcrevia já na minha primeira carta encíclica, a Redemptor hominis, e mantive como um dos pontos de referência constante no meu
magistério: « Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo
encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era
efectivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na
própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e
descobre-lhe a sua vocação sublime ». [ 82]
O Concílio
ocupou-se também do estudo da filosofia, ao qual se devem dedicar os candidatos
ao sacerdócio; são recomendações que se podem generalizar a todo o ensino
cristão. Afirma-se num dos documentos conciliares: « As disciplinas filosóficas
sejam ensinadas de forma que os alunos possam adquirir, antes de mais, um
conhecimento sólido e coerente do homem, do mundo e de Deus, apoiados num
património filosófico perenemente válido, tendo em conta as investigações
filosóficas dos tempos actuais »[83]
Estas
directrizes foram depois retomadas e especificadas noutros documentos do
Magistério, com o intuito de garantir uma sólida formação filosófica sobretudo
àqueles que se preparam para os estudos teológicos. Também eu sublinhei, em
várias ocasiões, a importância desta formação filosófica para todos os que, um
dia, terão de enfrentar, na vida pastoral, as questões do mundo actual e
individuar as causas de determinados comportamentos, a fim de lhes dar pronta
resposta. [ 84]
61. Se foi
necessário intervir, em diversas circunstâncias, sobre este tema, reiterando o
valor das intuições do Doutor Angélico e insistindo a favor da aquisição do seu
pensamento, isso ficou a dever-se também ao facto de não terem sido sempre
observadas as directrizes do Magistério, com a solicitude desejada. De facto,
nos anos posteriores ao Concílio Vaticano II, pôde observar-se, em muitas
escolas católicas, um certo declínio nesta matéria, devido à menor estima
sentida não apenas pela filosofia escolástica, mas pelo estudo da filosofia em
geral. Com surpresa e mágoa, tenho de constatar que vários teólogos
compartilham este desinteresse pelo estudo da filosofia.
Na base
desta indiferença, há diversas razões. Em primeiro lugar, aquela falta de
confiança na razão que se manifesta em grande parte da filosofia contemporânea,
abandonando em larga escala a investigação metafísica das questões últimas do
homem para concentrar a sua atenção sobre problemas particulares e regionais,
às vezes puramente formais. Depois, há que acrescentar o equívoco que se gerou
sobretudo a respeito das « ciências humanas ». O Concílio Vaticano II afirmou,
várias vezes, o valor positivo da pesquisa científica para um conhecimento mais
profundo do mistério do homem. [ 85]
Mas, o convite dirigido aos teólogos para conhecerem estas ciências e, se vier
a propósito, aplicá-las correctamente nos seus estudos, não deve ser
interpretado como uma implícita autorização para marginalizar a filosofia,
pondo-a de parte na formação pastoral e na præparatio fidei. E,
finalmente, não se pode esquecer o interesse novamente sentido pela
inculturação da fé. Em particular, a vida das jovens Igrejas permitiu
descobrir, ao lado de formas elevadas de pensamento, a presença de múltiplas
expressões de sabedoria popular. Isto constitui um autêntico património de
cultura e de tradições. Todavia, o estudo dos costumes tradicionais deve ser
acompanhado simultaneamente pela pesquisa filosófica. Será esta que
possibilitará fazer sobressair os traços positivos da sabedoria popular,
criando a necessária ligação com o anúncio do Evangelho.[86]
62. Desejo
insistir novamente que o estudo da filosofia reveste um carácter fundamental e
indispensável na estrutura dos estudos teológicos e na formação dos candidatos
ao sacerdócio. Não é por acaso que o currículo dos estudos teológicos é
antecedido por um período de tempo especialmente consagrado ao estudo da
filosofia. Esta decisão, confirmada pelo Concílio Ecuménico Lateranense V, [ 87] tem
as suas raízes na experiência maturada durante a Idade Média, quando foi posta
em relevo a importância de uma harmonia construtiva entre o saber filosófico e
o teológico. Esta organização dos estudos influenciou, facilitou e promoveu,
embora de forma indirecta, uma boa parte do progresso da filosofia moderna.
Temos um exemplo significativo na influência exercida pelas Disputationes
metaphysicæ de Francisco Suárez, que eram seguidas até mesmo nas
universidades luteranas da Alemanha. Pelo contrário, o abandono desta
metodologia foi causa de graves carências, tanto na formação sacerdotal como na
investigação teológica. Basta considerar, por exemplo, como a sua negligência
no âmbito do pensamento e da cultura moderna levou ao encerramento de toda a
forma de diálogo ou à recepção indiscriminada de qualquer filosofia.
Nutro profunda
esperança de que estas dificuldades serão superadas mercê de uma sábia formação
filosófica e teológica, que nunca deve faltar na Igreja.
63. Em
virtude das razões aduzidas, senti a urgência de confirmar, por meio desta
carta encíclica, o grande interesse que a Igreja tem pela filosofia; ou melhor,
a ligação íntima do trabalho teológico com a investigação filosófica da
verdade. Daqui nasce o dever que o Magistério tem de discernir e estimular um
pensamento filosófico que não esteja em dissonância com a fé. A minha missão é
propor alguns princípios e pontos de referência, que considero necessários para
se poder instaurar uma relação harmoniosa e eficaz entre a teologia e a
filosofia. À luz deles, será possível discernir com maior clareza se e como
deve a teologia relacionar-se com os diversos sistemas ou asserções filosóficas
que o mundo actual apresenta.
CAPÍTULO VI
INTERACÇÃO DA TEOLOGIA COM A FILOSOFIA
1. A ciência da fé e as exigências da razão filosófica
64. A
palavra de Deus destina-se a todo o homem, de qualquer época e lugar da terra;
e o homem, por natureza, é filósofo. Por sua vez, a teologia, enquanto
elaboração reflexiva e científica da compreensão da palavra divina à luz da fé,
não pode deixar de recorrer às filosofias que vão surgindo ao longo da
história, tanto para algumas das suas formas de proceder como para realizar
funções mais específicas. Sem pretender indicar aos teólogos metodologias
particulares — porque tal não compete ao Magistério —, desejo, porém, lembrar
algumas funções próprias da teologia, onde, por causa da própria natureza da
Palavra revelada, se exige o recurso ao pensamento filosófico.
65. A
teologia está organizada, enquanto ciência da fé, à luz dum duplo princípio
metodológico: auditus fidei e intellectus fidei. Com o primeiro,
recolhe os conteúdos da Revelação tal como se foram explicitando
progressivamente na Sagrada Tradição, na Sagrada Escritura e no Magistério vivo
da Igreja. [ 88]
Pelo segundo, a teologia quer responder às exigências próprias do pensamento,
através da reflexão especulativa.
Quanto à
preparação para um correcto auditus fidei, a filosofia proporciona
à teologia a sua ajuda peculiar, quando examina a estrutura do conhecimento e
da comunicação pessoal, e sobretudo as várias formas e funções da linguagem.
Igualmente importante é a contribuição da filosofia para uma compreensão mais
coerente da Tradição eclesial, das intervenções do Magistério e das sentenças
dos grandes mestres da teologia: estes, de facto, exprimem-se frequentemente
por conceitos e formas de pensamento conotados com determinada tradição
filosófica. Neste caso, pede-se ao teólogo não só que exponha conceitos e
termos através dos quais a Igreja possa reflectir e elaborar a sua doutrina,
mas que conheça profundamente também os sistemas filosóficos que tenham,
porventura, influenciado as noções e a terminologia, a fim de se chegar a
interpretações correctas e coerentes.
66.
Relativamente ao intellectus fidei, importa considerar, antes de
mais, que a Verdade divina, « que nos é proposta nas Sagradas Escrituras,
interpretadas correctamente pela doutrina da Igreja », [89]
goza de uma inteligibilidade própria, logicamente tão coerente que se deve
propor como um autêntico saber. O intellectus fidei explicita
esta verdade, não só quando investiga as estruturas lógicas e conceptuais das
proposições em que se articula a doutrina da Igreja, mas também e sobretudo
quando põe em realce o significado salvífico de tais proposições para o
indivíduo e para a humanidade. É pelo conjunto destas proposições que o crente
chega a conhecer a história da salvação, que culmina na pessoa de Jesus Cristo
e no seu mistério pascal; ele participa deste mistério, com a sua adesão de fé.
A teologia
dogmática deve ser capaz de articular o sentido universal do mistério
de Deus, Uno e Trino, e da economia da salvação, quer de modo narrativo, quer
sobretudo de forma argumentativa. Por outras palavras, deve fazê-lo mediante
expressões conceptuais, formuladas de modo crítico e universalmente acessível.
De facto, sem o contributo da filosofia não seria possível ilustrar certos
conteúdos teológicos como, por exemplo, a linguagem sobre Deus, as relações
pessoais no seio da Santíssima Trindade, a acção criadora de Deus no mundo, a
relação entre Deus e o homem, a identidade de Cristo que é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem. E o mesmo se diga de diversos temas da teologia moral, onde é
preciso recorrer, de imediato, a conceitos como lei moral, consciência,
liberdade, responsabilidade pessoal, culpa, etc., cuja definição provém da
ética filosófica.
Por isso, é
necessário que a razão do crente tenha um conhecimento natural, verdadeiro e
coerente das coisas criadas, do mundo e do homem, que são também objecto da
revelação divina; mais ainda, ela deve ser capaz de articular este conhecimento
de maneira conceptual e argumentativa. Assim, a teologia dogmática especulativa
pressupõe e implica uma filosofia do homem, do mundo e, mais radicalmente, do
próprio ser, fundada sobre a verdade objectiva.
67. A teologia
fundamental, pelo seu próprio carácter de disciplina que tem por função dar
razão da fé (cf. 1 Ped 3, 15), deverá procurar justificar e
explicitar a relação entre a fé e a reflexão filosófica. Já o Concílio Vaticano
I, reafirmando o ensinamento paulino (cf. Rom 1, 19-20), chamara
a atenção para o facto de existirem verdades que se podem conhecer de modo
natural e, consequentemente, filosófico. O seu conhecimento constitui um
pressuposto necessário para acolher a revelação de Deus. Quando a teologia
fundamental estuda a Revelação e a sua credibilidade com o relativo acto de fé,
deverá mostrar como emergem, à luz do conhecimento pela fé, algumas verdades
que a razão, autonomamente, já encontra ao longo do seu caminho de pesquisa. A
essas verdades, a Revelação confere-lhes plenitude de sentido, orientando-as
para a riqueza do mistério revelado, onde encontram o seu fim último. Basta
pensar, por exemplo, ao conhecimento natural de Deus, à possibilidade de
distinguir a revelação divina de outros fenómenos, ou ao conhecimento da sua
credibilidade, à capacidade que tem a linguagem humana de falar, de modo
significativo e verdadeiro, mesmo do que ultrapassa a experiência humana. Por
todas estas verdades, a mente é levada a reconhecer a existência duma via
realmente propedêutica à fé, que pode desembocar no acolhimento da Revelação,
sem faltar minimamente aos seus próprios princípios e autonomia. [ 90]
Da mesma
forma, a teologia fundamental deverá manifestar a compatibilidade intrínseca
entre a fé e a sua exigência essencial de se explicitar através de uma razão
capaz de dar com plena liberdade o seu consentimento. Assim, a fé saberá «
mostrar plenamente o caminho a uma razão em busca sincera da verdade. Deste
modo a fé, dom de Deus, apesar de não se basear na razão, decerto não pode
existir sem ela; ao mesmo tempo, surge a necessidade de que a razão se
fortifique na fé, para descobrir os horizontes aos quais, sozinha, não poderia
chegar ». [91]
68. A teologia
moral tem, possivelmente, uma necessidade ainda maior do contributo
filosófico. Na Nova Aliança, a vida humana está efectivamente muito menos
regulada por prescrições do que na Antiga. A vida no Espírito conduz os crentes
a uma liberdade e responsabilidade que ultrapassam a própria Lei. No entanto, o
Evangelho e os escritos apostólicos não deixam de propor ora princípios gerais
de conduta cristã, ora ensinamentos e preceitos específicos; para aplicá-los às
circunstâncias concretas da vida individual e social, o cristão tem necessidade
de valer-se plenamente da sua consciência e da força do seu raciocínio. Por
outras palavras, a teologia moral deve recorrer a uma visão filosófica correcta
tanto da natureza humana e da sociedade, como dos princípios gerais duma
decisão ética.
69. Talvez
se possa objectar que, na situação actual, o teólogo, mais do que à filosofia,
deveria recorrer à ajuda de outras formas do saber humano, concretamente à
história e sobretudo às ciências, de que todos admiram os progressos
extraordinários recentemente alcançados. Outros, impelidos por uma maior
sensibilidade à relação entre fé e culturas, defendem que a teologia deveria
dar preferência às sabedorias tradicionais, em vez de uma filosofia de origem
grega e eurocêntrica. Outros ainda, partindo duma concepção errada do
pluralismo de culturas, negam simplesmente o valor universal do património
filosófico abraçado pela Igreja.
Os aspectos
sublinhados, já presentes aliás na doutrina conciliar, [ 92]
contêm uma parte de verdade. O referimento às ciências, útil em muitos casos
porque permite um conhecimento mais completo do objecto de estudo, não deve,
porém, fazer esquecer a necessidade que há da mediação duma reflexão
tipicamente filosófica, crítica e aberta ao universal, solicitada também por um
fecundo intercâmbio entre as culturas. A minha preocupação é pôr em destaque o
dever de não se ficar pelo caso isolado e concreto, descuidando assim a tarefa
primária que é manifestar o carácter universal do conteúdo de fé. Além disso,
não se deve esquecer que a peculiar contribuição do pensamento filosófico
permite discernir, tanto nas diversas concepções da vida como nas culturas, «
não o que os homens pensam, mas qual é a verdade objectiva ». [ 93] Não
as diversas opiniões humanas, mas somente a verdade pode servir de ajuda à
filosofia.
70. Além do
mais, o tema da relação com as culturas merece uma reflexão específica, apesar
de necessariamente não exaustiva, pelas implicações que daí derivam para as
vertentes filosófica e teológica. O processo de encontro e comparação com as
culturas é uma experiência que a Igreja viveu desde os começos da pregação do
Evangelho. O mandato de Cristo aos discípulos para irem, a toda a parte « até
aos confins do mundo » (Act 1, 8), transmitir a verdade revelada
por Ele, fez com que a comunidade cristã pudesse bem cedo dar-se conta da
universalidade do anúncio e dos obstáculos resultantes da diversidade das
culturas. Um trecho da carta de S. Paulo aos cristãos de Éfeso oferece uma
válida ajuda para compreender como a Comunidade Primitiva enfrentou este problema.
Escreve o Apóstolo: « Agora porém, vós, que outrora estáveis longe, pelo Sangue
de Cristo vos aproximastes. Ele é a nossa paz, Ele que de dois povos fez um só,
destruindo o muro de inimizade que os separava » (2, 13-14).
Iluminada
por este texto, a nossa reflexão pode debruçar-se sobre a transformação que se
operou nos gentios quando abraçaram a fé. As barreiras que separam as diversas
culturas caem diante da riqueza da salvação, realizada por Cristo. Agora, em
Cristo, a promessa de Deus torna-se uma oferta universal: não limitada já à
dimensão particular de um povo, da sua língua ou dos seus costumes, mas
alargada a todos, como um património ao qual cada um pode livremente ter
acesso. Dos mais diversos lugares e tradições, todos são chamados, em Cristo, a
participar na unidade da família dos filhos de Deus. Cristo faz com que dois
povos se tornem « um só ». Os que « estavam longe » ficaram « próximo », graças
à novidade gerada pelo mistério pascal. Jesus abate os muros de divisão e
realiza a unificação, de um modo original e supremo, por meio da participação
no seu mistério. Esta unidade é tão profunda que a Igreja pode dizer com S.
Paulo: « Já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e
membros da família de Deus » (Ef 2, 19).
Nesta
asserção tão simples, está contida uma grande verdade: o encontro da fé com as
diversas culturas deu vida a uma nova realidade. Na verdade, quando as culturas
estão profundamente radicadas na natureza humana, contêm em si mesmas o
testemunho da abertura, própria do homem, ao universal e à transcendência. É
por isso que elas apresentam perspectivas distintas da verdade, que são de
evidente utilidade para o homem, porque lhe fazem vislumbrar valores capazes de
tornar a sua existência sempre mais humana. [ 94] Por
outro lado, na medida em que evocam os valores das tradições antigas, as
culturas trazem consigo — embora de modo implícito, mas nem por isso menos real
— a referência à manifestação de Deus na natureza, como se viu antes nos textos
sapienciais e no ensinamento de S. Paulo.
71. Uma vez
que as culturas estão intimamente relacionadas com os homens e a sua história,
partilham das mesmas dinâmicas do tempo humano. E, consequentemente, registam
transformações e progressos com os encontros que os homens promovem e com as
recíprocas transmissões dos seus modelos de vida. As culturas alimentam-se com
a comunicação de valores, e a sua vitalidade e subsistência dependem da sua
capacidade de permanecerem abertas para acolher a novidade. Como se explicam
tais dinâmicas? Todo o homem está integrado numa cultura; depende dela, e sobre
ela influi. É simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido. Em
cada manifestação da sua vida, o homem traz consigo algo que o caracteriza no
meio da criação: a sua constante abertura ao mistério e o seu desejo
inexaurível de conhecimento. Em consequência, cada cultura traz gravada em si mesma
e deixa transparecer a tensão para uma plenitude. Pode-se, portanto, dizer que
a cultura contém em si própria a possibilidade de acolher a revelação divina.
Também o
modo como os cristãos vivem a fé, está imbuído da cultura do ambiente
circundante, e vai progressivamente contribuindo, por sua vez, para modelar as
características do mesmo. Os cristãos transmitem, a cada cultura, a verdade
imutável que Deus revelou na história e na cultura dum povo. Ao longo dos
séculos, continua a reproduzir-se o mesmo fenómeno testemunhado pelos
peregrinos presentes em Jerusalém, no dia de Pentecostes. Ao escutarem os
Apóstolos, perguntavam-se: « Mas quê! Essa gente que está a falar não é da
Galileia? Que se passa, então, para que cada um de nós os oiça falar na nossa língua
materna? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da
Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões
da Líbia, vizinha de Cirene, colonos de Roma, judeus e prosélitos, cretenses e
árabes, ouvimo-los anunciar nas nossas línguas as maravilhas de Deus! » (Act 2,
7-11). O anúncio do Evangelho nas diversas culturas, ao exigir de cada um dos
destinatários a adesão da fé, não os impede de conservar a própria identidade
cultural. Isto não provoca qualquer divisão, pois o povo dos baptizados
distingue-se por uma universalidade que é capaz de acolher todas as culturas,
fazendo com que aquilo que nelas está implícito se desenvolva até à sua
explanação plena na verdade.
Em
consequência disto, uma cultura nunca pode servir de critério de juízo e, menos
ainda, de critério último de verdade a respeito da revelação de Deus. O
Evangelho não é contrário a esta ou àquela cultura, como se quisesse, ao
encontrar-se com ela, privá-la daquilo que lhe pertence, e a obrigasse a
assumir formas extrínsecas que lhe são estranhas. Pelo contrário, o anúncio que
o crente leva ao mundo e às culturas é uma forma real de libertação de toda a
desordem introduzida pelo pecado e, simultaneamente, uma chamada à verdade
plena. Neste encontro, as culturas não são privadas de nada, antes são
estimuladas a abrirem-se à novidade da verdade evangélica, de que recebem
impulso para novos progressos.
72. O facto
da missão evangelizadora ter encontrado em primeiro lugar no seu caminho a
filosofia grega, não constitui de forma alguma impedimento para outros
relacionamentos. Hoje, à medida que o Evangelho entra em contacto com áreas
culturais que estiveram até agora fora do âmbito de irradiação do cristianismo,
novas tarefas se abrem à inculturação. Colocam-se à nossa geração problemas
análogos aos que a Igreja teve de enfrentar nos primeiros séculos.
O meu
pensamento vai espontaneamente até às terras do Oriente, tão ricas de tradições
religiosas e filosóficas muito antigas. Entre elas, ocupa um lugar especial a
Índia. Um grande ímpeto espiritual leva o pensamento indiano a procurar uma
experiência que, libertando o espírito dos condicionamentos de tempo e espaço,
tenha valor de absoluto. No dinamismo desta busca de libertação, situam-se
grandes sistemas metafísicos.
Compete aos
cristãos de hoje, sobretudo aos da Índia, a tarefa de extrair deste rico
património os elementos compatíveis com a sua fé, para se obter um
enriquecimento do pensamento cristão. Nesta obra de discernimento, que tem a
sua fonte de inspiração na declaração conciliar Nostra aetate, deverão ter em consideração um certo número de critérios. O primeiro é
a universalidade do espírito humano, cujas exigências fundamentais são
idênticas nas mais distintas culturas. O segundo, derivado do anterior,
consiste no seguinte: quando a Igreja entra em contacto com grandes culturas
que nunca tinha encontrado antes, não pode pôr de parte o que adquiriu pela
inculturação no pensamento greco-latino. Rejeitar uma tal herança seria
contrariar o desígnio providencial de Deus, que conduz a sua Igreja pelos
caminhos do tempo e da história. Aliás, este critério é válido para a Igreja de
todos os tempos — também para a Igreja de amanhã, que se sentirá enriquecida
com as aquisições resultantes do encontro em nossos dias com as culturas
orientais, e desta herança há-de tirar, por sua vez, indicações novas para
entrar frutuosamente em diálogo com as culturas que a humanidade fizer florir
no seu caminho rumo ao futuro. Em terceiro lugar, há-de precaver-se por não
confundir a legítima reivindicação de especificidade e originalidade do
pensamento indiano, com a ideia de que uma tradição cultural deve
enclausurar-se na sua diferença e afirmar-se pela sua oposição às outras
tradições — ideia essa que seria contrária precisamente à natureza do espírito
humano.
O que fica
dito para a Índia, vale também para a herança das grandes culturas da China, do
Japão e demais países da Ásia, bem como das riquezas das culturas tradicionais
da África, transmitidas sobretudo por via oral.
73. À luz
destas considerações, a justa relação que se deve instaurar entre a teologia e
a filosofia há-de ser pautada por uma reciprocidade circular. Quanto à
teologia, o seu ponto de partida e fonte primeira terá de ser sempre a palavra
de Deus revelada na história, ao passo que o objectivo final só poderá ser uma
compreensão cada vez mais profunda dessa mesma palavra por parte das sucessivas
gerações. Visto que a palavra de Deus é Verdade (cf. Jo 17,
17), uma melhor compreensão dela só tem a beneficiar com a busca humana da
verdade, ou seja, o filosofar, no respeito das leis que lhe são próprias. Não
se trata simplesmente de utilizar, no raciocínio teológico, qualquer conceito
ou parcela dum sistema filosófico; o facto decisivo é que a razão do crente
exerce as suas capacidades de reflexão na busca da verdade, dentro dum
movimento que, partindo da palavra de Deus, procura alcançar uma melhor
compreensão da mesma. É claro, de resto, que a razão, movendo-se dentro destes
dois pólos — palavra de Deus e melhor conhecimento desta —, encontra-se
prevenida, e de algum modo guiada, para evitar percursos que poderiam
conduzi-la fora da Verdade revelada e, em última análise, fora pura e
simplesmente da verdade; mais ainda, ela sente-se estimulada a explorar
caminhos que, sozinha, nem sequer suspeitaria de poder percorrer. Esta relação
de reciprocidade circular com a Palavra de Deus enriquece a filosofia, porque a
razão descobre horizontes novos e inesperados.
74. A prova
da fecundidade de tal relação é oferecida pela própria vida de grandes teólogos
cristãos que se distinguiram também como grandes filósofos, deixando escritos
de tamanho valor especulativo que justificam ser colocados ao lado dos grandes
mestres da filosofia antiga. Isto é válido tanto para os Padres da Igreja, de
entre os quais há que citar pelo menos os nomes de S. Gregório Nazianzeno e S.
Agostinho, como para os Doutores medievais entre os quais sobressai a grande
tríade formada por S. Anselmo, S. Boaventura e S. Tomás de Aquino. A relação
entre a filosofia e a palavra de Deus manifesta-se fecunda também na
investigação corajosa realizada por pensadores mais recentes, de entre os quais
me apraz mencionar, no âmbito ocidental, personagens como John Henry Newman,
António Rosmini, Jacques Maritain, Étienne Gilson, Edith Stein, e, no âmbito
oriental, estudiosos com a estatura de Vladimir S. Solov'ev, Pavel A.
Florenskij, Petr J. Caadaev, Vladimir N. Losskij. Ao referir estes autores, ao
lado dos quais outros nomes poderiam ser citados, não tenciono obviamente dar
aval a todos os aspectos do seu pensamento, mas apenas propô-los como exemplos
significativos dum caminho de pesquisa filosófica que tirou notáveis vantagens
da sua confrontação com os dados da fé. Uma coisa é certa: a consideração do
itinerário espiritual destes mestres não poderá deixar de contribuir para o
avanço na busca da verdade e na utilização dos resultados conseguidos para o
serviço do homem. Espera-se que esta grande tradição filosófico-teológica
encontre, hoje e no futuro, os seus continuadores e estudiosos para bem da
Igreja e da humanidade.
2. Diferentes estádios da filosofia
75. Como
consta da história das relações entre a fé e a filosofia, apontada acima
brevemente, podem distinguir-se diversos estádios da filosofia relativamente à
fé cristã. O primeiro é a filosofia totalmente independente da
revelação evangélica: é o estádio da filosofia, existente historicamente
nas épocas que precederam o nascimento do Redentor, e, mesmo depois dele, nas
regiões onde o Evangelho ainda não chegou. Nesta situação, a filosofia
apresenta a legítima aspiração de ser um empreendimento autónomo,
ou seja, que procede segundo as suas próprias leis, valendo-se simplesmente das
forças da razão. Embora cientes dos graves limites devidos à debilidade
congénita da razão humana, uma tal aspiração deve ser apoiada e fortalecida. De
facto, o trabalho filosófico, como busca da verdade no âmbito natural, pelo
menos implicitamente permanece aberto ao sobrenatural.
E, mesmo
quando é o próprio discurso teológico que se serve de conceitos e argumentações
filosóficas, a exigência de correcta autonomia do pensamento há-de ser
respeitada. Com efeito, a argumentação conduzida segundo rigorosos critérios
racionais é garantia para a obtenção de resultados universalmente válidos.
Também aqui se verifica o princípio segundo o qual a graça não destrói, mas
aperfeiçoa a natureza: a anuência de fé, que envolve a inteligência e a
vontade, não destrói mas aperfeiçoa o livre arbítrio do crente, que acolhe em
si próprio o dado revelado.
Desta
exigência em si mesma correcta, afasta-se nitidamente a teoria da chamada
filosofia « separada », sustentada por vários filósofos modernos. Mais do que
afirmação da justa autonomia do filosofar, ela constitui a reivindicação duma
auto-suficiência do pensamento que é claramente ilegítima: rejeitar as
contribuições de verdade vindas da revelação divina significa efectivamente
impedir o acesso a um conhecimento mais profundo da verdade, danificando
precisamente a filosofia.
76. Um
segundo estádio da filosofia é aquilo que muitos designam com a expressão filosofia
cristã. A denominação, em si mesma, é legítima, mas não deve dar margem a
equívocos: com ela, não se pretende aludir a uma filosofia oficial da Igreja,
já que a fé enquanto tal não é uma filosofia. Com aquela designação, deseja-se
sobretudo indicar um modo cristão de filosofar, uma reflexão filosófica
concebida em união vital com a fé. Por conseguinte, não se refere simplesmente
a uma filosofia elaborada por filósofos cristãos que, na sua pesquisa, quiseram
não contradizer a fé. Quando se fala de filosofia cristã, pretende-se abraçar
todos aqueles importantes avanços do pensamento filosófico que não seriam
alcançados sem a contribuição, directa ou indirecta, da fé cristã.
Assim, a
filosofia cristã contém dois aspectos: um subjectivo, que consiste na
purificação da razão por parte da fé. Esta, enquanto virtude teologal, liberta
a razão da presunção — uma típica tentação a que os filósofos facilmente estão
sujeitos. Já S. Paulo e os Padres da Igreja, e mais recentemente filósofos,
como Pascal e Kierkegaard, a estigmatizaram. Com a humildade, o filósofo
adquire também a coragem para enfrentar algumas questões que dificilmente
poderia resolver sem ter em consideração os dados recebidos da Revelação. Basta
pensar, por exemplo, aos problemas do mal e do sofrimento, à identidade pessoal
de Deus e à questão acerca do sentido da vida, ou, mais diretamente, à pergunta
metafísica radical: « Porque existe o ser? ».
Temos,
depois, o aspecto objectivo, que diz respeito aos conteúdos: a Revelação propõe
claramente algumas verdades que, embora sejam acessíveis à razão por via
natural, possivelmente nunca seriam descobertas por ela, se tivesse sido
abandonada a si própria. Colocam-se, neste horizonte, questões como o conceito
de um Deus pessoal, livre e criador, que tanta importância teve para o
progresso do pensamento filosófico e, de modo particular, para a filosofia do
ser. Pertence ao mesmo âmbito a realidade do pecado, tal como é vista pela luz
da fé, e que ajuda a filosofia a enquadrar adequadamente o problema do mal.
Também a concepção da pessoa como ser espiritual é uma originalidade peculiar
da fé: o anúncio cristão da dignidade, igualdade e liberdade dos homens influiu
seguramente sobre a reflexão filosófica, realizada pelos filósofos modernos.
Nos tempos mais recentes, pode-se mencionar a descoberta da importância que
tem, também para a filosofia, o acontecimento histórico, centro da revelação
cristã. Não foi por acaso que aquele se tornou perne de uma filosofia da
história, que se apresenta como um novo capítulo da busca humana da verdade.
Entre os
elementos objectivos da filosofia cristã, inclui-se também a necessidade de
explorar a racionalidade de algumas verdades expressas pela Sagrada Escritura,
tais como a possibilidade de uma vocação sobrenatural do homem, e também o
próprio pecado original. São tarefas que induzem a razão a reconhecer que
existe a verdade e o racional, muito para além dos limites estreitos onde ela
seria tentada a encerrar-se. Estas temáticas ampliam, de facto, o âmbito do
racional.
Ao
reflectirem sobre estes conteúdos, os filósofos não se tornaram teólogos, já
que não procuraram compreender e ilustrar as verdades da fé a partir da
Revelação; continuaram a trabalhar no seu próprio terreno e com a sua
metodologia puramente racional, mas alargando a sua investigação a novos
âmbitos da verdade. Pode-se dizer que, sem este influxo estimulante da palavra
de Deus, boa parte da filosofia moderna e contemporânea não existiria. O dado
mantém toda a sua relevância, mesmo diante da constatação decepcionante de não
poucos pensadores destes últimos séculos que abandonaram a ortodoxia cristã.
77. Outro
estádio significativo da filosofia verifica-se quando é a própria
teologia que chama em causa a filosofia. Na verdade, a
teologia sempre teve, e continua a ter, necessidade da contribuição filosófica.
Realizado pela razão crítica à luz da fé, o trabalho teológico pressupõe e
exige, ao longo de toda a sua pesquisa, uma razão conceptual e
argumentativamente educada e formada. Além disso, a teologia precisa da
filosofia como interlocutora, para verificar a inteligibilidade e a verdade
universal das suas afirmações. Não foi por acaso que os Padres da Igreja e os
teólogos medievais assumiram, para tal função explicativa, filosofias não
cristãs. Este facto histórico indica o valor da autonomia que
a filosofia conserva mesmo neste terceiro estádio, mas mostra igualmente as
transformações necessárias e profundas que ela deve sofrer.
É
precisamente no sentido de uma contribuição indispensável e nobre que a
filosofia foi chamada, desde a Idade Patrística, ancilla theologiæ.
De facto, o título não foi atribuído para indicar uma submissão servil ou um
papel puramente funcional da filosofia relativamente à teologia; mas no mesmo
sentido em que Aristóteles falava das ciências experimentais como « servas » da
« filosofia primeira ». A expressão, hoje dificilmente utilizável devido aos
princípios de autonomia antes mencionados, foi usada ao longo da história para
indicar a necessidade da relação entre as duas ciências e a impossibilidade de
uma sua separação.
Se o
teólogo se recusasse a utilizar a filosofia, arriscar-se-ia a fazer filosofia
sem o saber e a fechar-se em estruturas de pensamento pouco idóneas à
compreensão da fé. Se o filósofo, por sua vez, excluísse todo o contacto com a
teologia, ver-se-ia na obrigação de apoderar-se por conta própria dos conteúdos
da fé cristã, como aconteceu com alguns filósofos modernos. Tanto num caso como
noutro, surgiria o perigo da destruição dos princípios básicos de autonomia que
cada ciência justamente quer ver garantidos.
O estádio
da filosofia agora considerado, devido às implicações que comporta na
compreensão da Revelação, está, como acontece com a teologia, mais directamente
colocado sob a autoridade do Magistério e do seu discernimento, como expus mais
acima. Das verdades de fé derivam, efectivamente, determinadas exigências que a
filosofia deve respeitar, quando entra em relação com a teologia.
78. À luz
destas reflexões, é fácil compreender porque tenha o Magistério louvado
reiteradamente os méritos do pensamento de S. Tomás, e o tenha proposto como
guia e modelo dos estudos teológicos. O que interessava não era tomar posição
sobre questões propriamente filosóficas, nem impor a adesão a teses
particulares; o objectivo do Magistério era, e continua a ser, mostrar como S.
Tomás é um autêntico modelo para quantos buscam a verdade. De facto, na sua
reflexão, a exigência da razão e a força da fé encontraram a síntese mais
elevada que o pensamento jamais alcançou, enquanto soube defender a novidade
radical trazida pela Revelação, sem nunca humilhar o caminho próprio da razão.
79. Ao
explicitar melhor os conteúdos do Magistério precedente, é minha intenção,
nesta última parte, indicar algumas exigências que a teologia — e, ainda antes,
a palavra de Deus — coloca, hoje, ao pensamento filosófico e às filosofias actuais.
Como já assinalei, o filósofo deve proceder segundo as próprias regras e
basear-se sobre os próprios princípios; todavia, a verdade é uma só. A
Revelação, com os seus conteúdos, não poderá nunca humilhar a razão nas suas
descobertas e na sua legítima autonomia; a razão, por sua vez, não deverá
perder nunca a sua capacidade de interrogar-se e de interrogar, consciente de
não poder arvorar-se em valor absoluto e exclusivo. A verdade revelada,
projectando plena luz sobre o ser a partir do esplendor que lhe vem do próprio
Ser subsistente, iluminará o caminho da reflexão filosófica. Em resumo, a
revelação cristã torna-se o verdadeiro ponto de enlace e confronto entre o
pensar filosófico e o teológico, no seu recíproco intercâmbio. Espera-se, pois,
que teólogos e filósofos se deixem guiar unicamente pela autoridade da verdade,
para que seja elaborada uma filosofia de harmonia com a palavra de Deus. Esta
filosofia será o terreno de encontro entre as culturas e a fé cristã, o espaço
de entendimento entre crentes e não crentes. Ajudará os crentes a
convencerem-se mais intimamente de que a profundidade e a autenticidade da fé
saem favorecidas quando esta se une ao pensamento e não renuncia a ele. Mais
uma vez, encontramos nos Padres a lição que nos guia nesta convicção: « Crer,
nada mais é senão pensar consentindo [...]. Todo o que crê, pensa; crendo
pensa, e pensando crê [...]. A fé, se não for pensada, nada é ». [ 95]
Mais: « Se se tira o assentimento, tira-se a fé, pois, sem o assentimento,
realmente não se crê ». [ 96]
CAPÍTULO VII
EXIGÊNCIAS E TAREFAS ACTUAIS
1. As exigências irrenunciáveis da palavra de Deus
80. A
Sagrada Escritura contém, de forma explícita ou implícita, toda uma série de
elementos que permite alcançar uma perspectiva de notável densidade filosófica
acerca do homem e do mundo. Os cristãos foram gradualmente tomando consciência
da riqueza contida naquelas páginas sagradas. Delas se conclui que a realidade
que experimentamos, não é o absoluto: não é incriada, nem se autogerou. Só Deus
é o Absoluto. Nas páginas da Bíblia, o homem é visto como imago Dei,
que contém indicações precisas sobre o seu ser, a sua liberdade e a
imortalidade do seu espírito. Uma vez que o mundo criado não é autosuficiente,
qualquer ilusão de autonomia que ignore a essencial dependência de Deus de toda
criatura — incluindo o homem — leva a dramas que destroem a busca racional da
harmonia e do sentido da existência humana.
Também o
problema do mal moral — a forma mais trágica do mal — é considerado na Bíblia,
dizendo-nos que este não pode ser reduzido a uma mera deficiência devida à
matéria, mas é uma ferida que provém de uma manifestação desordenada da
liberdade humana. Finalmente, a palavra de Deus apresenta o problema do sentido
da existência e revela a resposta para o mesmo, encaminhando o homem para Jesus
Cristo, o Verbo de Deus encarnado, que realiza em plenitude a existência
humana. Poder-se-iam ainda explicitar outros aspectos da leitura do texto
sagrado; de qualquer modo, o que sobressai é a rejeição de toda a forma de
relativismo, materialismo, panteísmo.
A convicção
fundamental desta « filosofia » presente na Bíblia é que a vida humana e o
mundo têm um sentido e caminham para a sua plenitude, que se verifica em Jesus
Cristo. O mistério da Encarnação permanecerá sempre o centro de referência para
se poder compreender o enigma da existência humana, do mundo criado, e mesmo de
Deus. A filosofia encontra, neste mistério, os desafios extremos, porque a
razão é chamada a assumir uma lógica que destrói as barreiras onde ela mesma
corre o risco de se fechar. Somente aqui, porém, o sentido da existência
alcança o seu ponto culminante. Com efeito, torna-se inteligível a essência
íntima de Deus e do homem: no mistério do Verbo encarnado, são salvaguardadas a
natureza divina e a natureza humana, com sua respectiva autonomia, e
simultaneamente manifesta-se aquele vínculo único que as coloca em mútuo
relacionamento, sem confusão. [ 97]
81. Deve
ter-se em conta que um dos dados mais salientes da nossa situação actual
consiste na « crise de sentido ». Os pontos de vista, muitas vezes de carácter
científico, sobre a vida e o mundo multiplicaram-se tanto que estamos
efectivamente assistindo à afirmação crescente do fenómeno da fragmentação do
saber. É precisamente isto que torna difícil e frequentemente vã a procura de
um sentido. E, mais dramático ainda, neste emaranhado de dados e de factos, em
que se vive e que parece constituir a própria trama da existência, tantos se
interrogam se ainda tem sentido pôr-se a questão do sentido. A pluralidade das
teorias que se disputam a resposta, ou os diversos modos de ver e interpretar o
mundo e a vida do homem não fazem senão agravar esta dúvida radical, que
facilmente desemboca num estado de cepticismo e indiferença ou nas diversas
expressões do niilismo.
Em
consequência disto, o espírito humano fica muitas vezes ocupado por uma forma
de pensamento ambíguo, que o leva a encerrar-se ainda mais em si próprio,
dentro dos limites da própria imanência, sem qualquer referência ao
transcendente. Privada da questão do sentido da existência, uma filosofia
incorreria no grave perigo de relegar a razão para funções meramente
instrumentais, sem uma autêntica paixão pela busca da verdade.
Para estar
em consonância com a palavra de Deus ocorre, antes de mais, que a filosofia
volte a encontrar a sua dimensão sapiencial de procura do
sentido último e global da vida. Esta primeira exigência, por sinal, constitui
um estímulo utilíssimo para a filosofia se conformar com a sua própria
natureza. Deste modo, ela não será apenas aquela instância crítica decisiva que
indica, às várias partes do saber científico, o seu fundamento e os seus
limites, mas representará também a instância última de unificação do saber e do
agir humano, levando-os a convergirem para um fim e um sentido definitivos.
Esta dimensão sapiencial é ainda mais indispensável hoje, uma vez que o imenso
crescimento do poder técnico da humanidade requer uma renovada e viva
consciência dos valores últimos. Se viesse a faltar a estes meios técnicos a
sua orientação para um fim não meramente utilitarista, poderiam rapidamente
revelar-se desumanos e transformar-se mesmo em potenciais destrutores do género
humano. [ 98]
A palavra
de Deus revela o fim último do homem, e dá um sentido global à sua acção no
mundo. Por isso, ela convida a filosofia a empenhar-se na busca do fundamento
natural desse sentido, que é a religiosidade constitutiva de cada pessoa. Uma
filosofia que quisesse negar a possibilidade de um sentido último e global, seria
não apenas imprópria, mas errónea.
82. De
resto, este papel sapiencial não poderia ser desempenhado por uma filosofia que
não fosse, ela própria, um autêntico e verdadeiro saber, isto é, debruçado não
só sobre os aspectos particulares e relativos — sejam eles funcionais, formais
ou úteis — da realidade, mas sobre a verdade total e definitiva desta, ou seja,
sobre o próprio ser do objecto de conhecimento. Daqui, uma segunda exigência:
verificar a capacidade do homem chegar ao conhecimento da verdade;
mais, um conhecimento que alcance a verdade objectiva por meio daquela adæquatio
rei et intellectus, a que se referem os Doutores da Escolástica. [ 99]
Esta exigência, própria da fé, foi explicitamente reafirmada pelo Concílio
Vaticano II: « A inteligência, de facto, não se limita ao domínio dos
fenómenos; embora, em consequência do pecado, esteja parcialmente obscurecida e
debilitada, ela é capaz de atingir com certeza a realidade inteligível ». [100]
Uma
filosofia, radicalmente fenomenista ou relativista, revelar-se-ia inadequada
para ajudar no aprofundamento da riqueza contida na palavra de Deus. De facto,
a Sagrada Escritura sempre pressupõe que o homem, mesmo quando culpável de
duplicidade e mentira, é capaz de conhecer e captar a verdade clara e simples.
Nos Livros Sagrados, e de modo particular no Novo Testamento, encontram-se
textos e afirmações de alcance propriamente ontológico. Os autores inspirados,
com efeito, quiseram formular afirmações verdadeiras, isto é, capazes de
exprimir a realidade objectiva. Não se pode dizer que a tradição católica tenha
cometido um erro, quando entendeu alguns textos de S. João e de S. Paulo como
afirmações sobre o ser mesmo de Cristo. Ora, quando a teologia procura
compreender e explicar estas afirmações, tem necessidade do auxílio duma
filosofia que não renegue a possibilidade de um conhecimento objectivamente
verdadeiro, embora sempre passível de aperfeiçoamento. Isto vale também para os
juízos da consciência moral, que a Sagrada Escritura supõe ser objectivamente
verdadeiros. [ 101]
83. As duas
exigências, já referidas, implicam uma terceira: ocorre uma filosofia de
alcance autenticamente metafísico, isto é, capaz de transcender os
dados empíricos para chegar, na sua busca da verdade, a algo de absoluto,
definitivo, básico. Trata-se duma exigência implícita tanto no conhecimento de
tipo sapiencial, como de carácter analítico; de modo particular, é uma
exigência própria do conhecimento do bem moral, cujo fundamento último é o sumo
Bem, o próprio Deus. Não é minha intenção falar aqui da metafísica enquanto
escola específica ou particular corrente histórica; desejo somente afirmar que
a realidade e a verdade transcendem o elemento factível e empírico, e quero
reivindicar a capacidade que o homem possui de conhecer esta dimensão
transcendente e metafísica de forma verdadeira e certa, mesmo se imperfeita e
analógica. Neste sentido, a metafísica não deve ser vista como alternativa à
antropologia, pois é precisamente ela que permite dar fundamento ao conceito da
dignidade da pessoa, assente na sua condição espiritual. De modo particular, a
pessoa constitui um âmbito privilegiado para o encontro com o ser e,
consequentemente, com a reflexão metafísica.
Em toda a
parte onde o homem descobre a presença dum apelo ao absoluto e ao
transcendente, lá se abre uma fresta para a dimensão metafísica do real: na
verdade, na beleza, nos valores morais, na pessoa do outro, no ser, em Deus. Um
grande desafio, que nos espera no final deste milénio, é saber realizar a
passagem, tão necessária como urgente, do fenómeno ao fundamento.
Não é possível deter-se simplesmente na experiência; mesmo quando esta exprime
e manifesta a interioridade do homem e a sua espiritualidade, é necessário que
a reflexão especulativa alcance a substância espiritual e o fundamento que a
sustenta. Portanto, um pensamento filosófico que rejeitasse qualquer abertura
metafísica, seria radicalmente inadequado para desempenhar um papel de mediação
na compreensão da Revelação.
A palavra
de Deus alude continuamente a realidades que ultrapassam a experiência e até
mesmo o pensamento do homem; mas, este « mistério » não poderia ser revelado,
nem a teologia poderia de modo algum torná-lo inteligível, [ 102] se
o conhecimento humano se limitasse exclusivamente ao mundo da experiência
sensível. Por isso, a metafísica constitui uma intermediária privilegiada na
pesquisa teológica. Uma teologia, privada do horizonte metafísico, não
conseguiria chegar além da análise da experiência religiosa, não permitindo
ao intellectus fidei exprimir coerentemente o valor universal
e transcendente da verdade revelada.
Se insisto
tanto na componente metafísica, é porque estou convencido de que este é o
caminho obrigatório para superar a situação de crise que aflige actualmente
grandes sectores da filosofia e, desta forma, corrigir alguns comportamentos
errados, difusos na nossa sociedade.
84. A
importância da instância metafísica torna-se ainda mais evidente, quando se
considera o progresso actual das ciências hermenêuticas e das diferentes
análises da linguagem. Os resultados alcançados por estes estudos podem ser
muito úteis para a compreensão da fé, enquanto manifestam a estrutura do nosso
pensar e falar, e o sentido presente na linguagem. Existem, porém, especialistas
destas ciências que tendem, nas suas pesquisas, a deter-se no modo como se
compreende e exprime a realidade, prescindindo de verificar a possibilidade de
a razão descobrir a essência da mesma. Como não individuar neste comportamento
uma confirmação da crise de confiança, que a nossa época está a atravessar,
acerca das capacidades da razão? Além disso, quando estas teses, baseando-se em
convicções apriorísticas, tendem a ofuscar os conteúdos da fé ou a negar a sua
validade universal, então não só humilham a razão, mas colocam-se por si mesmas
fora de jogo. De facto, a fé pressupõe claramente que a linguagem humana seja
capaz de exprimir de modo universal — embora em termos analógicos, mas nem por
isso menos significativos — a realidade divina e transcendente. [ 103] Se
assim não fosse, a palavra de Deus, que é sempre palavra divina em linguagem
humana, não seria capaz de exprimir nada sobre Deus. A interpretação desta
Palavra não pode remeter-nos apenas de uma interpretação para outra, sem nunca
nos fazer chegar a uma afirmação absolutamente verdadeira; caso contrário, não
haveria revelação de Deus, mas só a expressão de noções humanas sobre Ele e
sobre aquilo que presumivelmente Ele pensa de nós.
85. Bem sei
que, aos olhos de muitos dos que actualmente se entregam à pesquisa filosófica,
podem parecer árduas estas exigências postas pela palavra de Deus à filosofia.
Por isso mesmo, retomando aquilo que, já há algumas gerações, os Sumos
Pontífices não cessam de ensinar e que o próprio Concílio Vaticano II
confirmou, quero exprimir vigorosamente a convicção de que o homem é capaz de
alcançar uma visão unitária e orgânica do saber. Esta é uma das tarefas que o
pensamento cristão deverá assumir durante o próximo milénio da era cristã. A
subdivisão do saber, enquanto comporta uma visão parcial da verdade com a
consequente fragmentação do seu sentido, impede a unidade interior do homem de
hoje. Como poderia a Igreja deixar de preocupar-se? Os Pastores recebem esta
função sapiencial directamente do Evangelho, e não podem eximir-se do dever de
concretizá-la.
Considero
que todos os que actualmente desejam responder, como filósofos, às exigências
que a palavra de Deus põe ao pensamento humano, deveriam elaborar o seu
raciocínio sobre a base destes postulados, numa coerente continuidade com
aquela grande tradição que, partindo dos antigos, passa pelos Padres da Igreja
e os mestres da escolástica até chegar a englobar as conquistas fundamentais do
pensamento moderno e contemporâneo. Se conseguir recorrer a esta tradição e
inspirar-se nela, o filósofo não deixará de se mostrar fiel à exigência de
autonomia do pensamento filosófico.
Neste
sentido, é muito importante que, no contexto actual, alguns filósofos se façam
promotores da descoberta do papel determinante que tem a tradição para uma
forma correcta de conhecimento. De facto, o recurso à tradição não é uma mera
lembrança do passado; mas constitui sobretudo o reconhecimento dum património
cultural que pertence a toda a humanidade. Poder-se-ia mesmo dizer que somos
nós que pertencemos à tradição, e por isso não podemos dispor dela a nosso
bel-prazer. É precisamente este enraizamento na tradição que hoje nos permite
poder exprimir um pensamento original, novo e aberto para o futuro. Esta
observação é ainda mais pertinente para a teologia, não só porque ela possui a
Tradição viva da Igreja como fonte originária, [ 104] mas
também porque ela, em virtude disso mesmo, deve ser capaz de recuperar quer a
profunda tradição teológica que marcou as épocas precedentes, quer a tradição
perene daquela filosofia que, pela sua real sabedoria, conseguiu superar as
fronteiras do espaço e do tempo.
86. A
insistência sobre a necessidade duma estreita relação de continuidade entre a
reflexão filosófica actual e a reflexão elaborada na tradição cristã visa
prevenir do perigo que se esconde em algumas correntes de pensamento, hoje
particularmente difusas. Embora brevemente, considero oportuno deter-me sobre
elas, para pôr em relevo os seus erros e consequentes riscos para a actividade
filosófica.
A primeira
aparece sob o nome de ecletismo, termo com o qual se designa o
comportamento de quem, na pesquisa, na doutrina e na argumentação, mesmo
teológica, costuma assumir ideias tomadas isoladamente de distintas filosofias,
sem se preocupar com a sua coerência e conexão sistemática, nem com o seu
contexto histórico. Deste modo, a pessoa fica impossibilitada de discernir
entre a parte de verdade dum pensamento e aquilo que nele pode ser errado ou
inadequado. Também é possível individuar uma forma extrema de ecletismo no
abuso retórico dos termos filosóficos, às vezes praticado por alguns teólogos.
Este género de instrumentalização não favorece a busca da verdade, nem educa a
razão — tanto teológica, como filosófica — a argumentar de forma séria e
científica. O estudo rigoroso e profundo das doutrinas filosóficas, da
linguagem que lhes é peculiar, e do contexto onde surgiram, ajuda a superar os
riscos do ecletismo e permite uma adequada integração daquelas na argumentação
teológica.
87. O
ecletismo é um erro de método, mas poderia também ocultar em si as teses
próprias do historicismo. Para compreender correctamente uma
doutrina do passado, é necessário que esteja inserida no seu contexto histórico
e cultural. Diversamente, o historicismo toma como sua tese fundamental
estabelecer a verdade duma filosofia com base na sua adequação a um determinado
período e função histórica. Deste modo nega-se, pelo menos implicitamente, a
validade perene da verdade. O que era verdade numa época, afirma o historicista,
pode já não sê-lo noutra. Em resumo, a história do pensamento, para ele,
reduz-se a uma espécie de achado arqueológico, a que recorre a fim de pôr em
evidência posições do passado, em grande parte já superadas e sem significado
para o tempo presente. Ora, apesar de a formulação estar de certo modo ligada
ao tempo e à cultura, deve-se considerar que a verdade ou o erro nela expressos
podem ser, não obstante a distância espácio-temporal, reconhecidos e avaliados
como tais.
Na reflexão
teológica, o historicismo tende a maior parte das vezes a apresentar-se sob uma
forma de « modernismo ». Com a justa preocupação de tornar o discurso teológico
actual e assimilável para o homem contemporâneo, faz-se apenas uso das
asserções e termos filosóficos mais recentes, descuidando exigências críticas
que, à luz da tradição, dever-se-iam eventualmente colocar. Esta forma de
modernismo, pelo simples facto de trocar a actualidade pela verdade, revela-se
incapaz de satisfazer as exigências de verdade a que a teologia é chamada a dar
resposta.
88. Outro
perigo a ser considerado é o cientificismo. Esta concepção
filosófica recusa-se a admitir, como válidas, formas de conhecimento distintas
daquelas que são próprias das ciências positivas, relegando para o âmbito da
pura imaginação tanto o conhecimento religioso e teológico, como o saber ético
e estético. No passado, a mesma ideia aparecia expressa no positivismo e no
neopositivismo, que consideravam destituídas de sentido as afirmações de
carácter metafísico. A crítica epistemológica desacreditou esta posição; mas,
vemo-las agora renascer sob as novas vestes do cientificismo. Na sua
perspectiva, os valores são reduzidos a simples produtos da emotividade, e a
noção de ser é posta de lado para dar lugar ao facto puro e simples. A ciência,
prepara-se assim para dominar todos os aspectos da existência humana, através
do progresso tecnológico. Os sucessos inegáveis no âmbito da pesquisa
científica e da tecnologia contemporânea contribuíram para a difusão da
mentalidade cientificista, que parece não conhecer fronteiras, quando vemos
como penetrou nas diversas culturas e as mudanças radicais que aí provocou.
Infelizmente,
deve-se constatar que o cientificismo considera tudo o que se refere à questão
do sentido da vida como fazendo parte do domínio do irracional ou da fantasia.
Ainda mais decepcionante é a perspectiva apresentada por esta corrente de
pensamento a respeito dos outros grandes problemas da filosofia que, quando não
passam simplesmente ignorados, são analisados com base em analogias
superficiais, destituídas de fundamentação racional. Isto leva ao
empobrecimento da reflexão humana, subtraindo-lhe aqueles problemas
fundamentais que o animal rationale se tem colocado
constantemente, desde o início da sua existência sobre a terra. Na mesma linha,
ao pôr de lado a crítica que nasce da avaliação ética, a mentalidade
cientificista conseguiu fazer com que muitos aceitassem a ideia de que aquilo
que se pode realizar tecnicamente, torna-se por isso mesmo também moralmente
admissível.
89.
Portador de perigos não menores é o pragmatismo, atitude mental
própria de quem, ao fazer as suas opções, exclui o recurso a reflexões
abstractas ou a avaliações fundadas sobre princípios éticos. As consequências
práticas, que derivam desta linha de pensamento, são notáveis. De modo
particular, tem vindo a ganhar terreno uma concepção da democracia que não
contempla o referimento a fundamentos de ordem axiológica e, por isso mesmo,
imutáveis: a admissibilidade, ou não, de determinado comportamento é decidida
com base no voto da maioria parlamentar. [ 105] A
consequência de semelhante posição é clara: as grandes decisões morais do homem
ficam efectivamente subordinadas às deliberações que os órgãos institucionais
vão assumindo pouco a pouco. Mais, a própria antropologia fica fortemente
condicionada com a proposta duma visão unidimensional do ser humano, da qual se
excluem os grandes dilemas éticos e as análises existenciais sobre o sentido do
sofrimento e do sacrifício, da vida e da morte.
90. As
teses examinadas até aqui conduzem, por sua vez, a uma concepção mais geral,
que parece constituir, hoje, o horizonte comum de muitas filosofias que não
querem saber do sentido do ser. Estou a referir-me à leitura niilista, que é a
rejeição de qualquer fundamento e simultaneamente a negação de toda a verdade
objectiva. O niilismo, antes mesmo de estar em contraste com as
exigências e os conteúdos próprios da palavra de Deus, é negação da humanidade
do homem e também da sua identidade. De facto, é preciso ter em conta que o
olvido do ser implica inevitavelmente a perda de contacto com a verdade
objectiva e, consequentemente, com o fundamento sobre o qual se apoia a
dignidade do homem. Deste modo, abre-se espaço à possibilidade de apagar, da
face do homem, os traços que revelam a sua semelhança com Deus, conduzindo-o
progressivamente a uma destrutiva ambição de poder ou ao desespero da solidão.
Uma vez que se privou o homem da verdade, é pura ilusão pretender torná-lo
livre. Verdade e liberdade, com efeito, ou caminham juntas, ou juntas
miseravelmente perecem. [ 106]
91. Ao
comentar as correntes de pensamento acima lembradas, não foi minha intenção
apresentar um quadro completo da situação actual da filosofia: aliás, esta
dificilmente poderia ser integrada numa visão unitária. Faço questão de
assinalar que a herança do saber e da sabedoria se enriqueceu efectivamente em
diversos campos. Basta citar a lógica, a filosofia da linguagem, a
epistemologia, a filosofia da natureza, a antropologia, a análise profunda das
vias afectivas do conhecimento, a perspectiva existencial aplicada à análise da
liberdade. Por outro lado, a afirmação do princípio de imanência, que está no
âmago da pretensão racionalista, suscitou, a partir do século passado, reacções
que levaram a pôr radicalmente em questão postulados considerados
indiscutíveis. Nasceram assim correntes irracionalistas, ao mesmo tempo que a
crítica punha em evidência a inutilidade da exigência de auto-fundamentação
absoluta da razão.
A nossa
época foi definida por certos pensadores como a época da « pós-modernidade ».
Este termo, não raramente usado em contextos muito distanciados entre si,
designa a aparição de um conjunto de factores novos, que, pela sua extensão e
eficácia, se revelaram capazes de determinar mudanças significativas e
duradouras. Assim, o termo foi primeiramente usado no campo de fenómenos de
ordem estética, social, tecnológica. Depois, estendeu-se ao âmbito filosófico,
permanecendo, porém, marcado por certa ambiguidade, quer porque a avaliação do
que se define como « pós-moderno » é umas vezes positivo e outras negativo,
quer porque não existe consenso sobre o delicado problema da delimitação das
várias épocas históricas. Uma coisa, todavia, é certa: as correntes de
pensamento que fazem referência à pós-modernidade merecem adequada atenção.
Segundo algumas delas, de facto, o tempo das certezas teria irremediavelmente
passado, o homem deveria finalmente aprender a viver num horizonte de ausência
total de sentido, sob o signo do provisório e do efémero. Muitos autores, na
sua crítica demolidora de toda a certeza e ignorando as devidas distinções,
contestam inclusivamente as certezas da fé.
De algum
modo, este niilismo encontra confirmação na terrível experiência do mal que
caracterizou a nossa época. O optimismo racionalista que via na história o
avanço vitorioso da razão, fonte de felicidade e de liberdade, não pôde
resistir face à dramaticidade de tal experiência, a ponto de uma das maiores
ameaças, neste final de século, ser a tentação do desespero.
Verdade é
que uma certa mentalidade positivista continua a defender a ilusão de que,
graças às conquistas científicas e técnicas, o homem, como se fosse um
demiurgo, poderá chegar por si mesmo a garantir o domínio total do seu destino.
2. Tarefas actuais da teologia
92.
Enquanto compreensão da Revelação, a teologia, nas sucessivas épocas
históricas, sempre sentiu como próprio dever escutar as solicitações das várias
culturas, para permeá-las depois, através duma coerente conceptualização, com o
conteúdo da fé. Também hoje lhe compete uma dupla tarefa. Por um lado, deve
cumprir a missão que o Concílio Vaticano II lhe confiou: renovar as suas
metodologias, tendo em vista um serviço mais eficaz à evangelização. Nesta
perspectiva, como não pensar às palavras pronunciadas pelo Sumo Pontífice João
XXIII, na abertura do Concílio? Dizia ele: « Correspondendo à viva expectativa
de quantos amam sinceramente a religião cristã, católica e apostólica, é
necessário que esta doutrina seja conhecida mais ampla e profundamente e que
nela sejam instruídas e formadas mais plenamente as consciências; é preciso que
esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja
aprofundada e apresentada segundo as exigências do nosso tempo ». [ 107]
Mas, por
outro lado, a teologia deve manter o olhar fixo sobre a verdade última que lhe
foi confiada por meio da Revelação, não se contentando nem se detendo em etapas
intermédias. O teólogo recorde-se de que o seu trabalho corresponde « ao
dinamismo interior próprio da fé » e que o objecto específico da sua indagação
é « a Verdade, o Deus vivo e o seu desígnio de salvação revelado em Jesus Cristo
». [ 108]
Esta tarefa, que diz respeito em primeiro lugar à teologia, interpela também a
filosofia. De facto, a quantidade imensa de problemas, que hoje aparece, requer
um trabalho comum, embora desenvolvido com metodologias diversas, para que a
verdade possa novamente ser conhecida e anunciada. A Verdade, que é Cristo,
impõe-se como autoridade universal que rege, estimula e faz crescer (cf. Ef 4,
15) tanto a teologia como a filosofia.
O facto de
acreditar na possibilidade de se conhecer uma verdade universalmente válida não
é de forma alguma fonte de intolerância; pelo contrário, é condição necessária
para um diálogo sincero e autêntico entre as pessoas. Só com esta condição será
possível superar as divisões e percorrer juntos o caminho que conduz à verdade
total, seguindo por sendas que só Espírito do Senhor ressuscitado conhece. [109] O
modo como se configura hoje concretamente a exigência de unidade, tendo em
vista as tarefas actuais da teologia, é o que desejo agora indicar.
93. O
objectivo fundamental, que a teologia persegue, é apresentar a
compreensão da Revelação e o conteúdo da fé. Assim, o verdadeiro centro da
sua reflexão há-de ser a contemplação do próprio mistério de Deus Uno e Trino.
E a este chega-se reflectindo sobre o mistério da encarnação do Filho de Deus:
sobre o facto de Ele Se fazer homem e, depois, caminhar até à paixão e à morte,
mistério este que desembocará na sua gloriosa ressurreição e ascensão à direita
do Pai, donde enviará o Espírito de verdade para constituir e animar a sua
Igreja. Neste horizonte, a obrigação primeira da teologia é a compreensão
da kenosi de Deus, mistério verdadeiramente grande para a
mente humana, porque lhe parece insustentável que o sofrimento e a morte possam
exprimir o amor que se dá sem pedir nada em troca. Nesta perspectiva, impõe-se
como exigência fundamental e urgente uma análise atenta dos textos: os textos
bíblicos primeiro, e depois os que exprimem a Tradição viva da Igreja. A este
respeito, surgem hoje alguns problemas, novos só em parte, cuja solução
coerente não poderá ser encontrada sem o contributo da filosofia.
94. Um
primeiro aspecto problemático refere-se à relação entre o significado e a
verdade. Como qualquer outro texto, também as fontes que o teólogo interpreta
transmitem, antes de mais, um significado, que tem de ser individuado e
exposto. Ora, este significado apresenta-se como a verdade acerca de Deus, que
é comunicada pelo próprio Deus por meio do texto sagrado. Assim, a linguagem de
Deus toma corpo na linguagem humana, comunicando a verdade sobre Ele mesmo com
aquela « condescendência » admirável que reflecte a lógica da Encarnação. [ 110] Por
isso, ao interpretar as fontes da Revelação, é necessário que o teólogo se
interrogue sobre qual seja a verdade profunda e genuína que os textos querem
comunicar, embora dentro dos limites da linguagem.
Quanto aos
textos bíblicos, e em particular os Evangelhos, a sua verdade não se reduz
seguramente à narração de simples acontecimentos históricos ou à revelação de
factos neutros, como pretendia o positivismo historicista. [ 111]
Pelo contrário, esses textos expõem acontecimentos, cuja verdade está para além
da mera ocorrência histórica: está no seu significado para e dentro
da história da salvação. Esta verdade adquire a sua plena explicitação
na leitura perene que a Igreja faz dos referidos textos ao longo dos séculos,
mantendo inalterado o seu significado originário. Portanto, é urgente que se
interroguem, filosoficamente também, sobre a relação que há entre o facto e o
seu significado; relação essa que constitui o sentido específico da história.
95. A
palavra de Deus não se destina apenas a um povo ou só a uma época. De igual
modo, também os enunciados dogmáticos formulam uma verdade permanente e
definitiva, ainda que às vezes se possa notar neles a cultura do período em que
foram definidos. Surge, assim, a pergunta sobre como seja possível conciliar o
carácter absoluto e universal da verdade com o inevitável condicionamento
histórico e cultural das fórmulas que a exprimem. Como disse anteriormente, as
teses do historicismo não são defendíveis. Pelo contrário, a aplicação duma
hermenêutica aberta à questão metafísica é capaz de mostrar como se passa das
circunstâncias históricas e contingentes, onde maturaram os textos, à verdade
por eles expressa que está para além desses condicionalismos.
Com a sua
linguagem histórica e limitada, o homem pode exprimir verdades que transcendem
o fenómeno linguístico. De facto, a verdade nunca pode estar limitada a um
tempo, nem a uma cultura; é conhecida na história, mas supera a própria
história.
96. Esta
consideração permite vislumbrar a solução de outro problema: o da perene
validade dos conceitos usados nas definições conciliares. Já o meu venerado
Predecessor Pio XII enfrentara a questão, na carta encíclica Humani generis. [ 112]
A reflexão
sobre este assunto não é fácil, porque tem-se de atender cuidadosamente ao
sentido que as palavras adquirem nas diversas culturas e nas diferentes épocas.
Entretanto, a história do pensamento mostra que certos conceitos básicos
mantêm, através da evolução e da variedade das culturas, o seu valor
cognoscitivo universal e, consequentemente, a verdade das proposições que os
exprimem. [ 113] Se
assim não fosse, a filosofia e as ciências não poderiam comunicar entre si, nem
ser recebidas por culturas diferentes daquelas onde foram pensadas e
elaboradas. O problema hermenêutico é real, mas tem solução. O valor objectivo
de muitos conceitos não exclui, aliás, que o seu significado frequentemente
seja imperfeito. A reflexão filosófica poderia ser de grande ajuda neste campo.
Possa ela prestar o seu contributo particular no aprofundamento da relação
entre linguagem conceptual e verdade, e na proposta de caminhos adequados para
uma sua correcta compreensão.
97. Se uma
tarefa importante da teologia é a interpretação das fontes, mais delicado e
exigente ainda é o trabalho seguinte: a compreensão da verdade revelada,
ou seja, a elaboração do intellectus fidei. Como já aludi, o intellectus
fidei requer o contributo duma filosofia do ser que, antes de mais,
permita à teologia dogmática realizar adequadamente as suas
funções. O pragmatismo dogmático dos inícios deste século, segundo o qual as
verdades da fé nada mais seriam do que regras de comportamento, foi já refutado
e rejeitado; [ 114]
apesar disso, persiste sempre a tentação de compreender estas verdades de forma
puramente funcional. Neste caso, cair-se-ia num esquema inadequado, redutivo e
desprovido da necessária incisividade especulativa. Por exemplo, uma
cristologia que partisse unilateralmente « de baixo », como hoje se costuma
dizer, ou uma eclesiologia elaborada unicamente a partir do modelo das
sociedades civis dificilmente poderiam evitar o perigo de tal reducionismo.
Se o intellectus
fidei quer integrar toda a riqueza da tradição teológica, tem de
recorrer à filosofia do ser. Esta deverá ser capaz de propor o problema do ser
segundo as exigências e as contribuições de toda a tradição filosófica,
incluindo a mais recente, evitando cair em estéreis repetições de esquemas
antiquados. No quadro da tradição metafísica cristã, a filosofia do ser é uma
filosofia dinâmica que vê a realidade nas suas estruturas ontológicas, causais
e inter-relacionais. A sua força e perenidade derivam do facto de se basear
precisamente sobre o acto do ser, o que lhe permite uma abertura plena e global
a toda a realidade, superando todo e qualquer limite até alcançar Aquele que
tudo leva à perfeição. [ 115] Na
teologia, que recebe os seus princípios da Revelação como nova fonte de
conhecimento, esta perspectiva é confirmada através da relação íntima entre fé
e racionalidade metafísica.
98.
Idênticas considerações podem ser feitas a propósito da teologia moral.
A recuperação da filosofia é urgente também para a compreensão da fé que diz
respeito ao agir dos crentes. Diante dos desafios que se levantam actualmente
no campo social, económico, político e científico, a consciência ética do homem
desorientou-se. Na carta encíclica Veritatis splendor, pus em evidência que muitos problemas do mundo contemporâneo derivam
de uma « crise em torno da verdade. Perdida a ideia duma verdade universal
sobre o bem, cognoscível pela razão humana, mudou também inevitavelmente a
concepção de consciência: esta deixa de ser considerada na sua realidade
original, ou seja, como um acto da inteligência da pessoa, a quem cabe aplicar
o conhecimento universal do bem a uma determinada situação e exprimir assim um
juízo sobre a conduta justa a ter aqui e agora; tende-se a conceder à
consciência do indivíduo o privilégio de estabelecer autonomamente os critérios
do bem e do mal, e de agir em consequência. Esta visão identifica-se com uma
ética individualista, na qual cada um se vê confrontado com a sua verdade,
diferente da verdade dos outros ». [116]
Ao longo de
toda a encíclica agora citada, sublinhei claramente o papel fundamental que
compete à verdade no campo da moral. Ora esta verdade, na maior parte dos
problemas éticos mais urgentes, requer, da teologia moral, uma cuidadosa
reflexão que saiba pôr em evidência as suas raízes na palavra de Deus. Para
poder desempenhar esta sua missão, a teologia moral deve recorrer a uma ética
filosófica que tenha em vista a verdade do bem, isto é, uma ética que não seja
subjectivista nem utilitarista. Tal ética implica e pressupõe uma antropologia
filosófica e uma metafísica do bem. A teologia moral, valendo-se desta visão
unitária que está necessariamente ligada à santidade cristã e à prática das
virtudes humanas e sobrenaturais, será capaz de enfrentar os vários problemas
que lhe dizem respeito — tais como a paz, a justiça social, a família, a defesa
da vida e do ambiente natural — de forma mais adequada e eficaz.
99. Na
Igreja, o trabalho teológico está, primariamente, ao serviço do anúncio da fé e
da catequese. [ 117] O
anúncio, ou querigma, chama à conversão, propondo a verdade de Cristo que tem o
seu ponto culminante no Mistério Pascal: na verdade, só em Cristo é possível
conhecer a plenitude da verdade que salva (cf. Act 4,
12; 1 Tim 2, 4-6).
Neste
contexto, é fácil compreender a razão por que, além da teologia, assuma também
grande relevo a referência à catequese: é que esta possui
implicações filosóficas que têm de ser aprofundadas à luz da fé. A doutrina
ensinada na catequese pretende formar a pessoa. Por isso a catequese, que é
também comunicação linguística, deve apresentar a doutrina da Igreja na sua
integridade, [ 118]
mostrando a ligação que ela tem com a vida dos crentes. [ 119]
Realiza-se, assim, uma singular união entre doutrina e vida, que é impossível
conseguir de outro modo. De facto, aquilo que se comunica na catequese não é um
corpo de verdades conceptuais, mas o mistério do Deus vivo. [120]
A reflexão
filosófica muito pode contribuir para esclarecer a relação entre verdade e
vida, entre acontecimento e verdade doutrinal, e sobretudo a relação entre verdade
transcendente e linguagem humanamente inteligível. [ 121] A
reciprocidade que se cria entre as disciplinas teológicas e os resultados
alcançados pelas diversas correntes filosóficas, pode traduzir-se numa real
fecundidade para a comunicação da fé e para uma sua compreensão mais profunda.
CONCLUSÃO
100.
Passados mais de cem anos da publicação da encíclica Æterni Patris de Leão XIII, à qual me referi várias
vezes nestas páginas, pareceu-me necessário abordar novamente e de forma mais
sistemática o discurso sobre o tema da relação entre a fé e a filosofia. É
óbvia a importância que o pensamento filosófico tem no progresso das culturas e
na orientação dos comportamentos pessoais e sociais. Embora isso nem sempre se
note de forma explícita, ele exerce também uma grande influência sobre a
teologia e suas diversas disciplinas. Por estes motivos, considerei justo e
necessário sublinhar o valor que a filosofia tem para a compreensão da fé, e as
limitações em que aquela se vê, quando esquece ou rejeita as verdades da
Revelação. De facto, a Igreja continua profundamente convencida de que fé e
razão « se ajudam mutuamente », [ 122]
exercendo, uma em prol da outra, a função tanto de discernimento crítico e
purificador, como de estímulo para progredir na investigação e no
aprofundamento.
101. Se
detivermos o nosso olhar sobre a história do pensamento, sobretudo no Ocidente,
é fácil constatar a riqueza que sobreveio, para o progresso da humanidade, do
encontro da filosofia com a teologia e do intercâmbio das suas respectivas
conquistas. A teologia, que recebeu o dom duma abertura e originalidade que lhe
permite existir como ciência da fé, fez seguramente com que a razão
permanecesse aberta diante da novidade radical que a revelação de Deus traz
consigo. E isto foi, sem dúvida alguma, uma vantagem para a filosofia, que,
assim, viu abrirem-se novos horizontes apontando para sucessivos significados
que a razão está chamada a aprofundar.
Precisamente
à luz desta constatação, tal como reafirmei o dever que tem a teologia de
recuperar a sua genuína relação com a filosofia, da mesma forma sinto a
obrigação de sublinhar que é conveniente para o bem e o progresso do pensamento
que também a filosofia recupere a sua relação com a teologia. Nesta, encontrará
não a reflexão dum mero indivíduo, que, embora profunda e rica, sempre traz
consigo as limitações de perspectiva próprias do pensamento de um só, mas a
riqueza duma reflexão comum. De facto, quando indaga sobre a verdade, a
teologia, por sua natureza, é sustentada pela nota da eclesialidade [ 123] e
pela tradição do Povo de Deus, com sua riqueza multiforme de conhecimentos e de
culturas na unidade da fé.
102. Com
tal insistência sobre a importância e as autênticas dimensões do pensamento
filosófico, a Igreja promove a defesa da dignidade humana e, simultaneamente, o
anúncio da mensagem evangélica. Ora, para estas tarefas, não existe, hoje,
preparação mais urgente do que esta: levar os homens à descoberta da sua
capacidade de conhecer a verdade [ 124] e
do seu anseio pelo sentido último e definitivo da existência. À luz destas
exigências profundas, inscritas por Deus na natureza humana, aparece mais claro
também o significado humano e humanizante da palavra de Deus. Graças à mediação
de uma filosofia que se tornou também verdadeira sabedoria, o homem
contemporâneo chegará a reconhecer que será tanto mais homem quanto mais se
abrir a Cristo, acreditando no Evangelho.
103. Além
disso, a filosofia é como que o espelho onde se reflecte a cultura dos povos.
Uma filosofia que se desenvolve de harmonia com a fé aceitando o estímulo das
exigências teológicas, faz parte daquela « evangelização da cultura » que Paulo
VI propôs como um dos objectivos fundamentais da evangelização. [125]
Pensando na nova evangelização, cuja urgência não me canso de
recordar, faço apelo aos filósofos para que saibam aprofundar aquelas dimensões
de verdade, bem e beleza, a que dá acesso a palavra de Deus. Isto torna-se
ainda mais urgente, ao considerar os desafios que o novo milénio parece trazer
consigo: eles tocam de modo particular as regiões e as culturas de antiga
tradição cristã. Este cuidado deve considerar-se também um contributo
fundamental e original para o avanço da nova evangelização.
104. O
pensamento filosófico é frequentemente o único terreno comum de entendimento e
diálogo com quem não partilha a nossa fé. O movimento filosófico contemporâneo
exige o empenhamento solícito e competente de filósofos crentes que sejam
capazes de individuar as expectativas, possibilidades e problemáticas deste
momento histórico. Discorrendo à luz da razão e segundo as suas regras, o
filósofo cristão, sempre guiado naturalmente pela leitura superior que lhe vem
da palavra de Deus, pode criar uma reflexão que seja compreensível e sensata mesmo
para quem ainda não possua a verdade plena que a revelação divina manifesta.
Este terreno comum de entendimento e diálogo é ainda mais importante hoje, se
se pensa que os problemas mais urgentes da humanidade — como, por exemplo, o
problema ecológico, o problema da paz ou da convivência das raças e das
culturas — podem ter solução à luz duma colaboração clara e honesta dos
cristãos com os fiéis doutras religiões e com todos os que, mesmo não aderindo
a qualquer crença religiosa, têm a peito a renovação da humanidade. Afirmou-o o
Concílio Vaticano II: « Por nossa parte, o desejo de um tal diálogo, guiado
apenas pelo amor pela verdade e com a necessária prudência, não exclui ninguém:
nem aqueles que cultivam os altos valores do espírito humano, sem ainda conhecerem
o seu Autor, nem aqueles que se opõem à Igreja e, de várias maneiras, a
perseguem ». [ 126] Uma
filosofia, na qual já resplandeça algo da verdade de Cristo, única resposta
definitiva aos problemas do homem, [127]
será um apoio eficaz para aquela ética verdadeira e simultaneamente universal
de que, hoje, a humanidade tem necessidade.
105. Não
posso concluir esta carta encíclica sem dirigir um último apelo, em primeiro
lugar aos teólogos, para que prestem particular atenção às implicações
filosóficas da palavra de Deus e realizem uma reflexão onde sobressaia a
densidade especulativa e prática da ciência teológica. Desejo agradecer-lhes o
seu serviço eclesial. A estrita conexão entre a sabedoria teológica e o saber
filosófico é uma das riquezas mais originais da tradição cristã no
aprofundamento da verdade revelada. Por isso, exorto-os a recuperarem e a porem
em evidência o melhor possível a dimensão metafísica da verdade, para desse
modo entrarem num diálogo crítico e exigente quer com o pensamento filosófico
contemporâneo, quer com toda a tradição filosófica, esteja esta em sintonia ou
contradição com a palavra de Deus. Tenham sempre presente a indicação dum
grande mestre do pensamento e da espiritualidade, S. Boaventura, que, ao introduzir
o leitor na sua obra Itinerarium mentis in Deum, convidava-o a ter
consciência de que « a leitura não é suficiente sem a compunção, o conhecimento
sem a devoção, a investigação sem o arrebatamento do enlevo, a prudência sem a
capacidade de abandonar-se à alegria, a actividade separada da religiosidade, o
saber separado da caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem o
suporte da graça divina, a reflexão sem a sabedoria inspirada por Deus ». [ 128]
Dirijo o
meu apelo também a quantos têm a responsabilidade da formação
sacerdotal, tanto académica como pastoral, para que cuidem, com particular
atenção, da preparação filosófica daquele que deverá anunciar o Evangelho ao
homem de hoje, e mais ainda se se vai dedicar à investigação e ao ensino da
teologia. Procurem organizar o seu trabalho à luz das prescrições do Concílio
Vaticano II [ 129] e
sucessivas determinações, que mostram a tarefa indeclinável e urgente, que cabe
a todos nós, de contribuir para uma genuína e profunda comunicação das verdades
da fé. Não se esqueça a grave responsabilidade de uma preparação prévia e
condigna do corpo docente, destinado ao ensino da filosofia nos Seminários e
nas Faculdades Eclesiásticas. [130] É
necessário que uma tal docência possua a conveniente preparação científica,
proponha de maneira sistemática o grande património da tradição cristã, e seja
efectuada com o devido discernimento face às exigências actuais da Igreja e do
mundo.
106. O meu
apelo dirige-se ainda aos filósofos e a quantos
ensinam a filosofia, para que, na esteira duma tradição filosófica
perenemente válida, tenham a coragem de recuperar as dimensões de autêntica
sabedoria e de verdade, inclusive metafísica, do pensamento filosófico.
Deixem-se interpelar pelas exigências que nascem da palavra de Deus, e tenham a
força de elaborar o seu discurso racional e argumentativo de resposta a tal
interpelação. Vivam em permanente tensão para a verdade e atentos ao bem que
existe em tudo o que é verdadeiro. Poderão, assim, formular aquela ética
genuína de que a humanidade tem urgente necessidade, sobretudo nestes anos. A
Igreja acompanha com atenção e simpatia as suas investigações; podem, pois,
estar seguros do respeito que ela nutre pela justa autonomia da sua ciência. De
modo particular, quero encorajar os crentes empenhados no campo da filosofia
para que iluminem os diversos âmbitos da actividade humana, graças ao exercício
de uma razão que se torna mais segura e perspicaz com o apoio que recebe da fé.
Não posso,
enfim, deixar de dirigir uma palavra também aos cientistas, que nos
proporcionam, com as suas pesquisas, um conhecimento sempre maior do universo
inteiro e da variedade extraordinariamente rica dos seus componentes, animados
e inanimados, com suas complexas estruturas de átomos e moléculas. O caminho
por eles realizado atingiu, especialmente neste século, metas que não cessam de
nos maravilhar. Ao exprimir a minha admiração e o meu encorajamento a estes
valorosos pioneiros da pesquisa científica, a quem a humanidade muito deve do
seu progresso actual, sinto o dever de exortá-los a prosseguir nos seus
esforços, permanecendo sempre naquele horizonte sapiencial onde
aos resultados científicos e tecnológicos se unem os valores filosóficos e
éticos, que são manifestação característica e imprescindível da pessoa humana.
O cientista está bem cônscio de que « a busca da verdade, mesmo quando se
refere a uma realidade limitada do mundo ou do homem, jamais termina; remete
sempre para alguma coisa que está acima do objecto imediato dos estudos, para
os interrogativos que abrem o acesso ao Mistério ». [131]
107.
A todos peço para se debruçarem profundamente sobre o homem,
que Cristo salvou no mistério do seu amor, e sobre a sua busca constante de
verdade e de sentido. Iludindo-o, vários sistemas filosóficos convenceram-no de
que ele é senhor absoluto de si mesmo, que pode decidir autonomamente sobre o
seu destino e o seu futuro, confiando apenas em si próprio e nas suas forças.
Ora, esta nunca poderá ser a grandeza do homem. Para a sua realização, será
determinante apenas a opção de viver na verdade, construindo a própria casa à
sombra da Sabedoria e nela habitando. Só neste horizonte da verdade poderá
compreender, com toda a clareza, a sua liberdade e o seu chamamento ao amor e ao
conhecimento de Deus como suprema realização de si mesmo.
108. Por
último, o meu pensamento dirige-se para Aquela que a oração da Igreja invoca
como Sede da Sabedoria. A sua vida é uma verdadeira parábola, capaz
de iluminar a reflexão que desenvolvi. De facto, pode-se entrever uma profunda
analogia entre a vocação da bem-aventurada Virgem Maria e a vocação da
filosofia genuína. Como a Virgem foi chamada a oferecer toda a sua humanidade e
feminilidade para que o Verbo de Deus pudesse encarnar e fazer-Se um de nós,
também a filosofia é chamada a dar o seu contributo racional e crítico para que
a teologia, enquanto compreensão da fé, seja fecunda e eficaz. E como Maria, ao
prestar o seu consentimento ao anúncio de Gabriel, nada perdeu da sua
verdadeira humanidade e liberdade, assim também o pensamento filosófico, quando
acolhe a interpelação que recebe da verdade do Evangelho, nada perde da sua
autonomia, antes vê toda a sua indagação elevada à mais alta realização. Os
santos monges da antiguidade cristã tinham compreendido bem esta verdade,
quando designavam Maria como « a mesa intelectual da fé ». [ 132]
N'Ela, viam a imagem coerente da verdadeira filosofia, e estavam convencidos de
que deviam philosophari in Maria.
Que a Sede
da Sabedoria seja o porto seguro para quantos consagram a sua vida à procura da
sabedoria! O caminho para a sabedoria, fim último e autêntico de todo o
verdadeiro saber, possa ver-se livre de qualquer obstáculo por intercessão
d'Aquela que, depois de gerar a Verdade e tê-La conservado no seu coração,
comunicou-A para sempre à humanidade inteira.
Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 14 de Setembro — Festa da
Exaltação da Santa Cruz — de 1998, vigésimo ano de Pontificado.
IOANNES PAULUS PP. II
1 Na minha primeira encíclica, a Redemptor hominis, já tinha escrito: « Tornámo-nos participantes de tal missão de Cristo
profeta, e, em virtude desta mesma missão e juntamente com Ele, servimos a
verdade divina na Igreja. A responsabilidade por esta verdade implica também
amá-la e procurar obter a sua mais exacta compreensão, a fim de a tornarmos
mais próxima de nós mesmos e dos outros, com toda a sua força salvífica, com o
seu esplendor, com a sua profundidade e simultaneamente a sua simplicidade »
[N. 19: AAS 71 (1979), 306].
2 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 16.
3 Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 25.
4 N. 4: AAS 85 (1993), 1136.
5 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a
revelação divina Dei Verbum, 2.
6 Cf. Const. dogm. sobre a fé católica Dei
Filius, III: DS 3008.
7 Ibid., IV: DS 3015; citado
também em Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 59.
8 Const. dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum, 2.
9 João Paulo II, Carta ap. Tertio millennio adveniente (10 de
Novembro de 1994), 10: AAS 87 (1995), 11.
10 N. 4.
11 N. 8.
12 N. 22.
13 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum , 4.
14 Ibid., 5.
15 O Concílio Vaticano I, ao qual se refere a
sentença anteriormente citada, ensina que a obediência da fé exige o
empenhamento da inteligência e da vontade: « Dado que o homem depende
totalmente de Deus, enquanto seu Criador e Senhor, e a razão criada está
submetida completamente à verdade incriada, somos obrigados, quando Deus Se
revela, a prestar-Lhe, mediante a fé, a plena submissão da nossa inteligência e
da nossa vontade » [Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius,
III: DS 3008].
16 Sequência, na Solenidade do Santíssimo Corpo
e Sangue de Cristo.
17 Pensées (ed. L. Brunschvicg),
789.
18 Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a
Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.
19 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 2.
20 Proémio e nn. 1 e 15: PL 158,
223-224.226.235.
21 De vera religione, XXXIX, 72: CCL 32,
234.
22 « Ut te semper desiderando quærerent et
inveniendo quiescerent »: Missale Romanum.
23 Aristóteles, Metafísica, I,
1.
24 Confessiones, X, 23, 33: CCL 27,173.
25 N. 34: AAS 85 (1993),
1161.
26 Cf. João Paulo II, Carta ap. Salvifici doloris (11 de Fevereiro de
1984), 9: AAS 76 (1984), 209-210.
27 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre a
relação da Igreja com as religiões não-cristãs Nostra ætate, 2.
28 Desenvolvo, há muito tempo, esta
argumentação, tendo-a expresso em diversas ocasiões: « "Quem é o homem, e
para que serve? E que bem ou que mal pode ele fazer?" ( Sir 18,
8) (...) Estas perguntas estão no coração de cada homem, como bem demonstra o
génio poético de todos os tempos e de todos os povos, que, quase como profecia
da humanidade, repropõe continuamente a séria pergunta que torna o homem
verdadeiramente tal. Exprimem a urgência de encontrar um porquê da existência,
de todos os seus instantes, tanto das suas etapas salientes e decisivas como
dos seus momentos mais comuns. Em tais perguntas, é testemunhada a razão
profunda da existência humana, pois nelas a inteligência e a vontade do homem
são solicitadas a procurar livremente a solução capaz de oferecer um sentido
pleno à vida. Estes interrogativos, portanto, constituem a expressão mais
elevada da natureza do homem; por conseguinte, a resposta a eles mede a profundidade
do seu empenho na própria existência. Em particular, quando o porquê das coisas
é procurado a fundo em busca da resposta última e mais exauriente, então a
razão humana atinge o seu vértice e abre-se à religiosidade. De facto, a
religiosidade representa a expressão mais elevada da pessoa humana, porque é o
ápice da sua natureza racional. Brota da profunda aspiração do homem à verdade,
e está na base da busca livre e pessoal que ele faz do divino » [ Alocução
da Audiência Geral de quarta-feira, 19 de Outubro de 1983, 1-2: L'Osservatore
Romano (ed. portuguesa, de 23 de Outubro de 1983), 12].
29 « [Galileu] declarou explicitamente que
as duas verdades, de fé e de ciência, não podem nunca contradizer-se,
"procedendo igualmente do Verbo divino a Escritura santa e a natureza, a
primeira como ditada pelo Espírito Santo, a segunda como executora fidelíssima
das ordens de Deus", segundo ele escreveu na sua carta ao Padre Benedetto
Castelli, a 21 de Dezembro de 1613. O Concílio Vaticano II não se exprime
diferentemente; retoma mesmo expressões semelhantes, quando ensina: "A
investigação metódica em todos os campos do saber, quando levada a cabo (...)
segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as
realidades profanas e as da fé têm origem no mesmo Deus" ( Gaudium et spes, 36). Galileu manifesta, na sua investigação
científica, a presença do Criador que o estimula, que Se antecipa às suas
intuições e as ajuda, operando no mais profundo do seu espírito » [João Paulo
II, Discurso à Pontifícia Academia das Ciências, a 10 de Novembro de
1979: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa, de 25 de Novembro
de 1979), 6].
30 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação
divina Dei Verbum, 4.
31 Orígenes,
Contra Celso 3, 55: SC 136, 130.
32 Diálogo
com Trifão, 8, 1: PG 6, 492.
33 Stromata
I, 18, 90, 1: SC 30, 115.
34 Cf. ibid. I, 16, 80, 5: SC 30, 108.
35 Cf. ibid. I, 5, 28,
1: SC 30, 65.
36 Ibid., VI, 7, 55, 1-2: PG 9,
277.
37 Ibid., I, 20, 100, 1: SC 30, 124.
38 Santo
Agostinho, Confessiones VI, 5, 7: CCL 27, 77-78.
39 Cf. ibid.
VII, 9, 13-14: CCL 27, 101-102.
40 «
Quid ergo Athenis et Hierosolymis? Quid academiæ et ecclesiæ? » [De
præscriptione hereticorum, VII, 9: SC 46, 98].
41 Cf.
Congr. da Educação Católica, Instr. sobre o estudo dos Padres da Igreja na formação
sacerdotal (10 de Novembro de 1989), 25: AAS 82 (1990),
617-618.
42 Santo
Anselmo, Proslogion, 1: PL 158, 226.
43 Idem, Monologion,
64: PL 158, 210.
44 Cf.
S. Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, I, VII.
45 «
Cum enim gratia non tollat naturam, sed perficiat » [Idem, Summa
theologiæ, I, 1, 8 ad 2].
46 Cf.
João Paulo II, Discurso aos participantes no IX Congresso Tomista Internacional
(29 de Setembro de 1990): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa
de 28 de Outubro de 1990), 9.
47 Carta
ap. Lumen Ecclesiæ (20 de Novembro de 1974), 8: AAS 66 (1974), 680.
48 «
Præterea, hæc doctrina per studium acquiritur. Sapientia autem per infusionem
habetur, unde inter septem dona Spiritus Sancti connumeratur » [Summa
theologiæ, I, 1, 6].
49 Ibid.,
II, II, 45, 1 ad 2; cf. também II, II, 45, 2.
50 Ibid.,
I, II, 109, 1 ad 1, que cita a conhecida frase do Ambrosiaster, In
prima Cor 12,3: PL 17, 258.
51 Leão
XIII, Carta enc. Æterni Patris (4 de Agosto de 1879): AAS 11
(1878-1879), 109.
52 Paulo
VI, Carta ap. Lumen Ecclesiæ (20 de Novembro de 1974), 8: AAS 66 (1974), 683.
53 Carta
enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 15: AAS 71
(1979), 286.
54 Cf.
Pio XII, Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 566.
55 Cf.
Conc. Ecum. Vat. I, Primeira const. dogm. sobre a Igreja de Cristo Pastor
Aeternus: DS 3070; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 25c.
56 Cf.
Sínodo de Constantinopla, DS 403.
57 Cf.
Concílio de Toledo I, DS 205; Concílio de Braga I, DS 459-460;
Sisto V, Bula Cœli et terræ Creator (5 de Janeiro de
1586): Bullarium Romanum 44 (Roma, 1747), 176-179; Urbano
VIII, Inscrutabilis iudiciorum (1 de Abril de 1631): Bullarium
Romanum 61 (Roma, 1758), 268-270.
58 Cf.
Conc. Ecum. de Viena, Decr. Fidei catholicæ: DS 902; Conc. Ecum.
Lateranense V, Bula Apostolici regiminis: DS 1440.
59 Cf.
Theses a Ludovico Eugenio Bautain iussu sui Episcopi subscriptæ (8
de Setembro de 1840): DS 2751-2756; Theses a Ludovico Eugenio Bautain ex
mandato S. Congr. Episcoporum et Religiosorum subscriptæ (26
de Abril de 1844): DS 2765-2769.
60 Cf.
S. Congr. Indicis, Decr. Theses contra traditionalismum Augustini
Bonnety (11 de Junho de 1855): DS 2811-2814.
61 Cf.
Pio IX, Breve Eximiam tuam (15 de Junho de 1857): DS 2828-2831;
Breve Gravissimas inter (11 de Dezembro de 1862): DS 2850-2861.
62 Cf.
S. Congr. do Santo Ofício, Decr. Errores ontologistarum (18 de
Setembro de 1861): DS 2841-2847.
63 Cf.
Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius,
II: DS 3004; e cân. 2-§1: DS 3026.
64 Ibid.,
IV: DS 3015, citado em Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre
a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 59.
65 Conc.
Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius,
IV: DS 3017.
66 Cf.
Carta enc. Pascendi dominici gregis (8 de Setembro de 1907): ASS 40 (1907), 596-597.
67 Cf.
Pio XI, Carta enc. Divini Redemptoris (19 de Março de 1937): AAS 29
(1937), 65-106.
68 Carta
enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 562-563.
69 Ibid.: o.c.,
563-564.
70 Cf.
João Paul o II, Const. ap. Pastor Bonus (28 de Junho de 1988) arts. 48-49: AAS 80 (1988), 873; Congr. da
Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 18: AAS 82 (1990), 1558.
71 Cf.
Instr. sobre alguns aspectos da « teologia da libertação » Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984), VII-X: AAS 76 (1984), 890-903.
72 Com
sua palavra clara e de grande autoridade, o Concílio Vaticano I tinha já
condenado este erro, ao afirmar, por um lado, que, « relativamente à fé (...),
a Igreja Católica preconiza que é uma virtude sobrenatural pela qual, sob a
inspiração divina e com a ajuda da graça, acreditamos que são verdadeiras as
coisas por Ele reveladas, não por causa da verdade intrínseca das coisas
percebida pela luz natural da razão, mas por causa da autoridade do próprio
Deus que as revela, o qual não pode enganar-Se nem enganar » [Const. dogm.
sobre a doutrina católica Dei Filius, III: DS 3008; e cân. 3-§ 2:
DS 3032]. E, por outro lado, o Concílio declarava que a razão nunca « chega a
ser capaz de penetrar [tais mistérios], nem as verdades que formam o seu
objecto específico » [ibid., IV: DS 3016]. Daqui tirava a
seguinte conclusão prática: « Os fiéis cristãos não só não têm o direito de
defender, como legítimas conclusões da ciência, as opiniões reconhecidas
contrárias à doutrina da fé, especialmente quando estão condenadas pela Igreja,
mas são estritamente obrigados a considerá-las como erros, que apenas têm uma
ilusória aparência de verdade » [ibid., IV: DS 3018].
73 Cf.
nn. 9-10.
74 Const.
dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum, 10.
75 Ibid.,
21.
76 Cf. ibid.,
10.
77 Cf.
Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42
(1950), 565-567.571-573.
78 Cf.
Carta enc. Æterni Patris (4 de Agosto de 1879): ASS 11
(1878-1879), 97-115.
79 Ibid.: o.c.,
109.
80 Cf.
nn. 14-15.
81 Cf. ibid.,
20-21.
82 Ibid.,
22; cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 8: AAS 71
(1979), 271-272.
83 Decr.
sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 15.
84 Cf.
João Paulo II, Const. ap. Sapientia christiana (15 de Abril de 1979), arts.
79-80: AAS 71 (1979), 495-496; Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 52: AAS 84 (1992),
750-751. Vejam-se também algumas reflexões sobre a filosofia de S. Tomás:
Discurso na Pontifícia Universidade de S. Tomás (17 de Novembro de 1979): L'Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 25 de Novembro de 1979), 1; Discurso aos
participantes no VIII Congresso Tomista Internacional (13 de Setembro de
1980): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 28 de Setembro
de 1980), 4; Discurso aos participantes no Congresso Internacional da Sociedade
S. Tomás de Aquino sobre « A doutrina tomista da alma » (4 de Janeiro de
1986): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 12 de Janeiro
de 1986), 9. E ainda: S. Congr. da Educação Católica, Ratio
fundamentalis institutionis sacerdotalis (6 de Janeiro de 1970),
70-75: AAS 62 (1970), 366-368; Decr. Sacra theologia (20
de Janeiro de 1972): AAS 64 (1972), 583-586.
85 Cf.
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 57.62.
86 Cf. ibid.,
44.
87 Cf.
Bula Apostolici regimini sollicitudo, Sessão VIII: Conc. Ecum.
Decreta (1991), 605-606.
88 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum, 10.
89 S.
Tomás de Aquino, Summa theologiæ, II-II, 5, 3 ad 2.
90 «
A busca das condições, nas quais o homem faz por si próprio as primeiras
perguntas fundamentais acerca do sentido da vida, do fim que lhe deseja dar e
daquilo que o espera depois da morte, constitui para a Teologia Fundamental o
preâmbulo necessário, para que, também hoje, a fé possa mostrar plenamente o
caminho a uma razão em busca sincera da verdade » [João Paulo II, Carta aos
participantes no Congresso Internacional de Teologia Fundamental por ocasião do
125º aniversário da promulgação da Const. dogm. « Dei Filius »
(30 de Setembro de 1995), 4: L'Osservatore Romano, (ed. portuguesa
de 7 de Outubro de 1995), 10].
91 Ibid.,
4: o.c., 10.
92 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 15; Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes,
22.
93 S.
Tomás de Aquino, De Cœlo 1, 22.
94 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 53-59.
95 S.
Agostinho, De prædestinatione Sanctorum 2, 5: PL 44, 963.
96 Idem, De
fide, spe et caritate, 7: CCL 64, 61.
97 Cf.
Conc. Ecum. de Calcedónia, Symbolum, definitio: DS 302.
98 Cf.
João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 286-289.
99 Veja-se,
por exemplo, S. Tomás de Aquino, Summa theologiæ, I, 16, 1; S.
Boaventura, Coll. in Hex., 3, 8, 1.
100 Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 15.
101 Cf.
João Paulo II, Carta enc. Veritatis splendor (6 de Agosto de 1993), 57-61: AAS 85 (1993), 1179-1182.
102 Cf.
Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius,
IV: DS 3016.
103 Cf.
Conc. Ecum. Lateranense IV, De errore abbatis Ioachim, II: DS 806.
104 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum, 24; Decr. sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 16.
105 Cf.
João Paulo II, Carta enc. Evangelium vitæ (25 de Março de 1995), 69: AAS 87
(1995), 481.
106 Neste
mesmo sentido, escrevi na minha primeira encíclica, comentando a frase «
conhecereis a verdade, e a verdade tornar-vos-á livres » do Evangelho de S.
João (8, 32): « Estas palavras encerram em si uma exigência fundamental e, ao
mesmo tempo, uma advertência: a exigência de uma relação honesta para com a
verdade, como condição de uma autêntica liberdade; e a advertência, ademais,
para que seja evitada qualquer verdade aparente, toda a liberdade superficial e
unilateral, toda a liberdade que não compreenda cabalmente a verdade sobre o
homem e sobre o mundo. Ainda hoje, depois de dois mil anos, Cristo continua a
aparecer-nos como Aquele que traz ao homem a liberdade baseada na verdade, como
Aquele que liberta o homem daquilo que limita, diminui e como que despedaça
pelas próprias raízes essa liberdade, na alma do homem, no seu coração e na sua
consciência » [Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 12: AAS 71 (1979),
280-281].
107 Discurso
de abertura do Concílio (11 de Outubro de 1962): AAS 54
(1962), 792.
108 Congr.
da Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do teólogo #13; Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 7-8: AAS 82
(1990), 1552-1553.
109 Escrevi
na encíclica Dominum et vivificantem, comentando Jo 16, 12-13: « Jesus apresenta o
Consolador, o Espírito da Verdade, como Aquele que "ensinará e
recordará", como Aquele que "dará testemunho" d'Ele; agora diz:
"Ele vos guiará para a verdade total". Este "guiar para a
verdade total", em relação com aquilo que "os Apóstolos por agora não
estão em condições de compreender", está necessariamente em ligação com o
despojamento de Cristo, por meio da sua paixão e morte de cruz, que então,
quando Ele pronunciava estas palavras, já estava iminente. Mas, em seguida,
torna-se bem claro que aquele "guiar para a verdade total" tem a ver
não apenas com o scandalum crucis, mas também com tudo o que Cristo
"fez e ensinou" (Act 1, 1). Com efeito, o mysterium
Christi na sua globalidade exige a fé, porquanto é ela que introduz o
homem oportunamente na realidade do mistério revelado. O "guiar para a
verdade total" realiza-se, pois, na fé e mediante a fé: é obra do Espírito
da verdade e é fruto da sua acção no homem. O Espírito Santo deve ser em tudo
isso o guia supremo do homem, a luz do espírito humano » [n. 6: AAS 78
(1986), 815-816].
110 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum, 13.
111 Cf.
Pontifícia Comissão Bíblica, Instr. sobre a verdade histórica dos Evangelhos (21
de Abril de 1964): AAS 56 (1964), 713.
112 «
É claro que a Igreja não pode estar ligada a qualquer sistema filosófico efémero;
aquelas noções e termos que, segundo o consenso geral, foram compostos ao longo
de vários séculos pelos doutores católicos para se chegar a um certo
conhecimento e compreensão do dogma, sem dúvida que não se apoiam sobre
fundamento tão caduco. Apoiam-se, ao contrário, em princípios e noções ditadas
por um verdadeiro conhecimento da criação; e, para deduzirem estes
conhecimentos, a verdade revelada, como se fosse uma estrela, iluminou a mente
humana por meio da Igreja. Por isso, não há de que maravilhar-se se alguma
destas noções acabou não apenas por ser usada em Concílios Ecuménicos, mas foi
aí de tal modo ratificada que não é lícito abandoná-la » [Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 566-567;
cf. Comissão Teológica Internacional, Doc. Interpretationis
problema (Outubro de 1989): Enchiridion Vaticanum, XI, nn.
2717-2811].
113 «
Quanto ao próprio significado das fórmulas dogmáticas, este permanece, na
Igreja, sempre verdadeiro e coerente, mesmo quando se torna mais claro e melhor
compreendido. Por isso, os fiéis devem rejeitar a opinião segundo a qual as
fórmulas dogmáticas (ou uma parte delas) não podem manifestar exactamente a
verdade, mas apenas aproximações variáveis que, de certa forma, não passam de
deformações e alterações da mesma » [S. Congr. da Doutrina da Fé, Decl. sobre a
defesa da doutrina católica acerca da Igreja Mysterium Ecclesiæ (24 de Junho de 1973), 5: AAS 65
(1973), 403].
114 Cf.
Congr. S. Officii, Decr. Lamentabili (3 de Julho de 1907),
26: ASS 40 (1907), 473.
115 Cf.
João Paulo II, Discurso na Pontifícia Universidade de S. Tomás (17 de Novembro
de 1979), 6: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25 de
Novembro de 1979), 8.
116 N.
32: AAS 85 (1993), 1159-1160.
117 Cf.
João Paulo II, Exort. ap. Catechesi tradendæ (16 de Outubro de 1979), 30: AAS 71 (1979),
1302-1303; Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do
teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 7: AAS 82 (1990),
1552-1553.
118 Cf.
João Paulo II, Exort. ap. Catechesi tradendæ (16 de Outubro de 1979), 30: AAS 71 (1979),
1302-1303.
119 Cf. ibid.,
22: o.c., 1295-1296.
120 Cf. ibid.,
7: o.c., 1282.
121 Cf. ibid.,
59: o.c., 1325.
122 Conc.
Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius,
IV: DS 3019.
123 «
Ninguém pode tratar a teologia como se fosse uma simples colectânea dos
próprios conceitos pessoais; mas cada um deve ter a consciência de permanecer
em íntima união com aquela missão de ensinar a verdade, de que é responsável a
Igreja » [João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 19: AAS 71 (1979), 308].
124 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanæ, 1-3.
125 Cf.
Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 20: AAS 68
(1976), 18-19.
126Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 92.
127 Cf. ibid.,
10.
128 Prólogo,
4: Opera omnia, t. V (Florença 1891), 296.
129 Cf.
Decr. sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 15.
130 Cf.
João Paulo II, Const. ap. Sapientia christiana #13;(15 de Abril de 1979), arts. 67-68: AAS 71
(1979), 491-492.
131 João
Paulo II, Discurso na Universidade de Cracóvia, por ocasião dos 600 anos da
Alma Mater Jaghelónica (8 de Junho de 1997), 4: L'Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 21 de Junho de 1997), 6.
132 «
'e noerà tes pìsteos tràpeza » [Pseudo-Epifânio, Homilia em louvor de
Santa Maria Mãe de Deus: PG 43, 493] .
OBS: O Negrito e o Sublinhado são meus.
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