SANTO INÁCIO DE LOYOLA:PALADINO DA CONTRA-REFORMA
Por Plinio Corrêa de Oliveira
Santo Inácio, fundador da
Companhia de Jesus, destacou-se pela coerência e radicalidade de seu
espírito.
Inácio nasceu no castelo de Loyola
em 1491, sendo o último dos 13 filhos de D. Beltrán de Loyola e Da. Maria Sonnez.
Aos 16 anos foi enviado como pajem ao palácio de Juan Velásquez de Cuellar, contador
mayor dos Reis Católicos Fernando e Isabel, o que lhe permitiu estar em
contato contínuo com a corte. Bem dotado física e intelectualmente, o jovem
Inácio "deu-se muito a todos os exercícios das armas, procurando
avantajar-se sobre todos seus iguais e alcançar renome de homem valoroso, honra
e glória militar"1. Ou, como ele mesmo diz com humildade, "até
os vinte e seis anos foi um homem dado às vaidades do mundo, e principalmente
se deleitava no exercí cio das armas e no vão desejo de ganhar honra"2.
A hora esperada pela Providência
Ouvindo falar dos grandes feitos dos seus irmãos em Nápoles,
envergonhou-se de sua ociosidade e participou em algumas campanhas com seu tio,
vice-rei da Navarra. Depois foi enviado em socorro de Pamplona, assediada pelos
franceses. Era a hora da Providência. A desproporção das forças era esmagadora
em favor dos franceses, mas Inácio não quis saber de capitulação e convenceu os
seus a resistirem até o fim. "Confessou-se com um companheiro de armas.
Depois de algum tempo de duração da batalha, a bala de uma bombarda atingiu-lhe
a perna, quebrando-a toda.
E como ela passou entre as duas pernas, a outra
também foi duramente ferida"3. Inácio caiu por terra. Seus
companheiros se renderam.
Os franceses, admirados
da coragem do espanhol, trataram-no muito bem, fazendo-o levar depois, em
liteira, para o castelo de seus pais. Os ossos haviam começado a se soldar de
maneira defeituosa, e foi preciso quebrar de novo a perna para ajustá-los. Isso
tudo, é bem preciso dizer, sem anestesia. O que levou-o às portas da morte, de
modo a receber os últimos sacramentos. Quando todos esperavam o desenlace, na
véspera da festa de São Pedro o doente, que era muito devoto desse Apóstolo,
começou a melhorar.
Conversão de um homem coerente
Seria longo narrar todas as torturas a que se submeteu esse
soldado para não ficar aleijado; pois, como poderia aparecer assim na corte?
Veio depois a longa convalescença, a leitura da vida de Cristo e dos santos,
únicos livros que havia no castelo, e sua conversão se deu da maneira mais
radical.
O primeiro pensamento do novo soldado de Cristo foi o de ir para
a Terra Santa e viver em oração, penitência e contemplação nos lugares em que
se operou nossa Redenção.
Em Montserrat, fez uma confissão geral de sua vida e depôs a
espada no altar da Virgem. Viveu depois algum tempo em Manresa, onde recebeu
grandes favores místicos e escreveu seus
famosos "Exercícios Espirituais".
Não lhe permitiram ficar em Jerusalém, por causa da tensa
situação então reinante. Inácio voltou a
Barcelona para estudar, a fim de preparar-se para o sacerdócio. Foi depois
para Alcalá e ainda Salamanca, onde, por causa de sua pregação e reunião de
discípulos, sendo ainda leigo — o que era perigoso naquela época de novidades
malsãs e heresias — foi denunciado à
Inquisição e aprisionado até que sua inocência foi reconhecida.
"Companhia", como num exército
Resolveu por isso ir a
Paris, estudar na famosa universidade local. Foi lá que a Providência o fez
encontrar os seis primeiros discípulos, com os quais fundaria a Companhia de Jesus. Entre eles estava o grande Apóstolo
da Índia e do Japão, São Francisco Xavier, e o Beato Pedro Fabro.
Após os votos feitos em Montmartre, o que marcou propriamente o
início da Companhia, eles se encontraram em Veneza, com o plano de ir à Terra
Santa. Enquanto isso, trabalhavam nos hospitais.
Como, depois de um ano, não
conseguiram realizar seu intento, decidiram ir a Roma colocar-se à disposição
do Sumo Pontífice. Nas proximidades da Cidade Eterna, Inácio teve uma visão na qual Nosso Senhor prometeu ser-lhe
favorável em Roma.
"Inácio tinha sugerido para nome de sua irmandade
`Companhia de Jesus'. Companhia era compreendido em seu sentido militar, e
naqueles dias uma companhia era geralmente conhecida pelo nome de seu capitão.
Na Bula latina de fundação, no entanto, eles foram chamados `Societas
Jesu'"4.
Chamo a atenção para os
principais traços do homem retratado nesse quadro. É bem evidente que não é um
sueco.
É um europeu do Mediterrâneo. Notem que está com uma batina preta como trajavam os padres do século XVI, muito ampla, mas adaptada ao corpo. Um pequeno colarinho branco como usavam os eclesiásticos até o momento em que infelizmente tal costume foi abandonado. É ainda digno de menção o barrete,( O barrete é um objeto quadrangular provido geralmente de 3 palas e quase sempre de um pompom. Sua cor varia de acordo com o clérigo, podendo ser usado por todos.) que também quase todo o clero abandonou. Barrete preto, dividido em três gomos, representando a unidade na trindade de Deus.
É um europeu do Mediterrâneo. Notem que está com uma batina preta como trajavam os padres do século XVI, muito ampla, mas adaptada ao corpo. Um pequeno colarinho branco como usavam os eclesiásticos até o momento em que infelizmente tal costume foi abandonado. É ainda digno de menção o barrete,( O barrete é um objeto quadrangular provido geralmente de 3 palas e quase sempre de um pompom. Sua cor varia de acordo com o clérigo, podendo ser usado por todos.) que também quase todo o clero abandonou. Barrete preto, dividido em três gomos, representando a unidade na trindade de Deus.
A cabeça é de um homem magro sem ser magérrimo, com as maçãs do
rosto muito salientes. Nariz aquilino, em forma de bico de águia e comprido.
Cabelo preto, barba e sobrancelhas escuras. Olhos pequenos, negros e
profundamente encovados.
A fisionomia‚ muito pensativa, não exprime nem alegria nem
tristeza; revela pensamento, meditação e uma enorme segurança. Em outras
palavras, é um homem que está inteiramente seguro da verdade que medita e da fé
que abraça. O domínio que exerce sobre si manifesta-se, em larga medida, pela
impassibilidade do rosto.
Santo Inácio de Loyola é
o homem retratado, o grande fundador da Companhia de Jesus, ao qual se
deve, em boa medida, a mais gloriosa e eficaz das Contra-Revoluções, que foi a
Contra-Reforma Católica.
O autor do quadro –– o pintor Jacopino del Conte (nascido em
Florença em 1510, e morto em Roma em 1598) ––foi o único artista que pintou o
santo em vida.
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Santo Inácio tornou-se famoso por seu espírito pugnaz, sua
penetração política, sua psicologia finíssima e exímia capacidade que tinha de
pregar seus famosos Exercícios
Espirituais.
Podem-se notar vários traços dessa obra do santo retratados em
sua fisionomia: homem capaz de guardar segredos; capaz de fazer no silêncio uma
longa e complexa trama política; competente para pregar os Exercícios Espirituais de
modo incomparável; homem com espírito dotado de autoridade invulgar, e que
exercia sobre seus religiosos um mando total, transformando a Companhia de
Jesus no próprio símbolo da obediência.
Parece-me que ver esse quadro de Santo Inácio enriquece a idéia
que se tem do santo. Mais: aprimora a própria idéia de santidade. E, mais a
fundo, como é um santo da Igreja Católica Apostólica Romana. Enriquece a idéia
da santidade da Igreja e da santidade do próprio Deus!
Paladino da Contra-Reforma Católica
O papel dos jesuítas na Contra-Reforma católica foi essencial.
Na época, pareciam perdidas para o protestantismo não só a Alemanha, mas a
Escandinávia, e ameaçados os Países Baixos, a Boêmia, a Polônia e a Áustria,
havendo infiltrações da seita não só na França, mas até na Itália.
Santo Inácio enviou seus discípulos a essas regiões infectadas,
e estes foram reconduzindo para a Igreja ovelhas desgarradas até na própria
Alemanha. Ali trabalharam Pedro Fabro, Cláudio Le Jay e Bobadilha. Mas o
jesuíta que seria o grande apóstolo dos povos germânicos, obtendo inúmeras
reconversões, foi São Pedro Canísio, hoje considerado, com razão, o segun do
apóstolo da Alemanha, depois de São Bonifácio.
O papel dos jesuítas foi também primordial no Concílio de Trento
— onde brilharam os padres Laynes e Salmeron — bem como nas universidades e nos
colégios, imunizando assim a juventude européia contra o erro.
Recebendo informações dos grandes triunfos de seus discípulos,
exclamava Santo Inácio: "Demos graças a Deus por sua inefável misericórdia
e piedade, tão copiosamente derramada em nós por seu glorioso nome. Porque
muitas vezes me comovo quando ouço e em parte vejo o que me dizem de vós e de
outros chamados à nossa Companhia em Cristo Jesus"5
Obediência pronta, humildade exemplar
Santo Inácio de Loyola queria uma companhia de escol, para
combater os erros da época, principalmente os de Lutero e Calvino, e por isso
estipulou que, diferentemente das outras congregações ou ordens religiosas, o
noviciado seria de mais de um ano. Dizia no fim da vida, quando sua Companhia
estava já estendida por quase todos os continentes: "Se eu desejasse
que a minha vida fosse prolongada, seria para redobrar de vigilância na escolha
de nossos súditos"6.
Quando um noviço se ajoelhava junto a ele para pedir perdão e
penitência por alguma falta, depois de ter concedido uma e imposto a outra,
Inácio dizia: "Levante-se". Se, por uma humildade mal
compreendida o noviço não se levantasse imediatamente, ele o deixava ajoelhado
e saía, dizendo: "A humildade não tem mérito quando é contrária à
obediência".
Discernimento na seleção dos súditos
Um dia chamou um irmão coadjutor e o mandou sentar-se na
presença de uma visita. O irmão não o fez, pensando faltar ao respeito ao
Superior e à visita. Inácio ordenou-lhe então que pusesse o banco sobre a
cabeça, e assim estivesse até a saída da visita.
Quando o noviço não servia, Inácio não tinha contemplação nem
mesmo pela sua posição social. Expulsou da Companhia o filho do Duque de
Bragança e sobrinho do grande benfeitor da Companhia, D. Manuel, rei de
Portugal, e ainda um primo do Duque de Bivona, parente do vice-rei da Sicília,
que era também seu amigo e benfeitor.
"A obstinação nas idéias era um dos principais motivos
de exclusão ou de expulsão, para o santo fundador. Um espanhol de grande
capacidade, duma ciência pouco comum e duma virtude reconhecida, entrou na
Companhia e exercia o cargo de ministro na casa professa de Roma, com
habilidade; mas quando se lhe metia uma idéia na cabeça, não lhe saía mais.
Inácio tirou-lhe o cargo, julgando inapto para mandar aquele que não sabia
obedecer. [...] Uma noite Inácio soube que ele acabava de dar uma nova
prova da sua teimosia; no mesmo instante envia-lhe ordem de abandonar a casa
sem esperar para o dia seguinte"7.
Venerado como santo ainda em vida
Essa severidade era
entretanto balanceada com tanta doçura, que ele era uma verdadeira mãe para os
noviços. Tal equilíbrio fazia com que fosse venerado como santo mesmo em vida.
Sua mais preciosa conquista, São Francisco Xavier, tinha-lhe
tanta veneração, que muitas vezes lhe escrevia de joelhos. E nos perigos e
tempestades invocava seu nome, trazendo ao pescoço, como proteção, junto a seus
votos de profissão, a assinatura do Padre Inácio. Constantemente afirmava:
"O
Padre Inácio é um grande santo".
Laínez, outro dos primeiros discípulos de Inácio e seu sucessor
no generalato da Companhia, também o venerava como santo, do mesmo modo que São
Francisco de Borja, depois terceiro Superior Geral da Companhia8.
Sua vida interior era profunda, e passava-se constantemente na
presença de Deus. Conforme narra em sua autobiografia, toda vez que queria
encontrar a Deus ele O encontrava, bastando um pouco de recolhimento. Tinha visões, repetidamente, sobretudo
quando se tratava de acertar algum negócio importante da Companhia, ou quando
redigia suas Constituições. Essas visões
lhe eram constantes também quando celebrava a Missa9.
"Sua roupa foi sempre pobre e sem enfeites, mas limpa e
asseada, porque, se bem amasse a pobreza, nunca lhe agradou pouca limpeza"10.
Santo Inácio faleceu em
Roma, no dia 31 de julho de 1556.
1.Pedro de Ribadeneira, Vida de San Ignácio de Loyola,
Espasa-Calpe Argentina S.A., Buenos Aires, 1946.
2.Saint Ignace de Loyola, Autobiographie, Éditions
du Seuil, 1962, p. 43. Esta autobiografia foi relatada ao Pe. Luís Gonçalves da
Câmara pelo próprio Santo. Com uma memória prodigiosa, o jesuíta português,
imediatamente depois de cada conversa, transcrevia-a para o papel. Santo Inácio
ditou o texto na 3a. pessoa.
3.Id., ib.
4.Saint Ignatius of Loyola, J. H. Pollen, Transcribed by Marie
Jutras, The Catholic Encyclopedia, Volume VII, 1910, Robert Appleton
Company. Online Edition Copyright © 1999 by Kevin Knight.
5.R.Garcia-Villoslada, S.I.,
Ignácio de Loyola _ Um español al servicio del Pontificado, Hechos y Dichos,
Saragoça, 1956, p. 221.
6.J.M.S. Daurignac, Santo Inácio de Loiola _ Fundador
da Companhia de Jesus, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1958, 4a.
edição, p. 255.
7.Id., p. 257 e ss.
8.Pedro de Ribadeneira, op. cit., p. 258.
9.Cfr. Autobiographie, p. 163.
10.Id., pp. 260-261.