CARTA ENCÍCLICA
AUGUSTISSIMAE VIRGINIS MARIAE
DE SUA SANTIDADE
PAPA LEÃO XIII
AUGUSTISSIMAE VIRGINIS MARIAE
DE SUA SANTIDADE
PAPA LEÃO XIII
A todos os
Veneráveis Irmãos Patriarcas,
Primazes, Arcebispos, Bispos do Orbe Católico
em graça e comunhão com a Sé Apostólica,
sobre o Rosário de Nossa Senhora.
Primazes, Arcebispos, Bispos do Orbe Católico
em graça e comunhão com a Sé Apostólica,
sobre o Rosário de Nossa Senhora.
Veneráveis
Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.
Exortação
à devoção para com Maria
1.
Quem quer que considere o grau sublime de dignidade e
de glória a que Deus elevou a augustíssima Virgem Maria, facilmente pode
compreender que vantagem traz à vida pública e privada o contínuo
desenvolvimento e a sempre mais ardente difusão do seu culto. De fato, Deus
escolheu-a desde a eternidade para vir a ser Mãe do Verbo, que se encarnaria;
e, por este motivo, entre todas as criaturas mais belas na ordem da natureza,
da graça e da glória, Ele a distinguiu com privilégios tais, que a Igreja com
razão aplica a ela aquelas palavras: "Saí da boca do Altíssimo,
primogênita antes de toda criatura" (Ecli. 24, 5). Quando, pois, se
iniciou o curso dos séculos, aos progenitores do gênero humano, caídos na
culpa, e aos seus descendentes, contaminados pela mesma mancha, ela foi dada
como penhor da futura reconciliação e da salvação.
2.
Depois, o Filho de Deus, por sua vez, fez sua
santíssima Mãe objeto de evidentes demonstrações de honra. De feito, durante a sua vida privada, Ele escolheu-a como sua
cooperadora nos dois primeiros milagres por Ele operados. O primeiro foi um milagre de graça, e teve
lugar quando, à saudação de Maria, a criança exultou no seio de Isabel; o
segundo foi um milagre na ordem da natureza; e teve lugar quando, nas bodas de
Caná, Cristo transformou a água em vinho. Chegado, depois, ao termo da sua
vida pública, quando estava em via de estabelecer e selar com o seu sangue
divino o Novo Testamento, Ele confiou-a ao seu Apóstolo predileto, com aquelas
suavíssimas palavras: "Eis aí tua mãe!" (Jo. 19, 27).
Portanto, Nós,
que, embora indignamente, representamos na terra Jesus Cristo, Filho de Deus,
enquanto tivermos vida nunca cessaremos de promover a glória dela. E, como
sentimos que, pelo peso grande dos anos, a Nossa vida não poderá durar ainda
muito, não podemos deixar de repetir a todos os Nossos filhos e a cada um deles
em particular as últimas palavras que Cristo nos deixou como testamento,
enquanto pendia da cruz: "Eis aí tua Mãe!". Oh! como nos
consideraríamos felizes se as Nossas recomendações chegassem a fazer com que
cada fiel não tivesse na terra nada mais importante ou mais caro do que a
devoção a Nossa Senhora, e pudesse aplicar a si mesmo as palavras que João
escreveu de si: "O discípulo tomou-a consigo" (Jo. 19, 27).
4.
Ora, ao aproximar-se o mês de Outubro, não queremos
que, nem também este ano, Veneráveis Irmãos, vos falte uma Nossa Carta, para,
com o ardor de que somos capazes, recomendar de novo a todos os católicos
quererem ganhar para si mesmos e para Igreja, tão trabalhada, a proteção da
Virgem, com a recitação do Rosário. Prática esta que, no descambar deste
século, por divina disposição se tem maravilhosamente afirmado, para despertar
a esmorecida piedade dos fiéis; como claramente atestam notáveis templos e
célebres santuários dedicados à Mãe de Deus.
5.
4. Depois de
havermos dedicado a esta divina Mãe o mês de Maio com o dom das nossas flores,
consagremos-lhe também, com afeto de singular piedade, o mês de Outubro, que é
mês dos frutos. De feito, parece justo dedicar estes dois meses do ano àquela
que disse de si: "As minhas flores tornaram-se frutos de glória e de
riqueza" (Ecli. 24, 23).
A
Confraria do Rosário
6.
O espírito de associação, fundado na própria índole da
natureza humana, talvez nunca tenha sido tão vivo e universal como agora. E
certamente ninguém condenaria isto; se muitas vezes essa naturabilíssima
tendência natural não fosse orientada para o mal: isto é, se os ímpios, movidos
por um mesmo intento, não se reunissem em sociedades de vário gênero,
"contra o Senhor e o seu Messias" (Salmo 2, 2).
7.
Por outro
lado, entretanto, pode-se discernir, e certamente com grandíssima alegria, que,
também entre os católicos cresce o amor às associações pias: associações bem
compactas, que se tornam como que famílias, nas quais os membros estão de tal
forma ligados entre si pelo vínculo da caridade cristã, a ponto de parecerem,
antes, de serem verdadeiramente irmãos.
E, de feito,
se se elimina a caridade de Cristo, não pode haver fraternidade, como já
energicamente demonstrava Tertuliano, dizendo: "Somos vossos irmãos por
direito de natureza, natureza que é mãe comum, se bem que sejais muito pouco
homens, por serdes maus irmãos. Mas quão melhor convém o nome e a dignidade de
irmãos àqueles que reconhecem por seu pai comum Deus, àqueles que se imbuíram
do mesmo espírito de santidade, e que, embora nascidos do mesmo seio da comum
ignorância, depois se nutriram da mesma luz de verdade!" (Tertuliano, Apolog.
c. 39).
A forma destas
utilíssimas sociedades, constituídas entre os católicos, é a mais variada:
círculos, caixas rurais, recreatórios festivos, patronatos para a proteção da
juventude, irmandades, e muitíssimos outros, todos instituídos com nobilíssimos
intentos. Certamente, todas estas associações têm nomes, formas e fins próprios
e imediatos modernos, mas são antiquíssimas na substância, pois se lhes podem
distinguir os vestígios desde os inícios do cristianismo. Mais tarde foram
reforçadas com leis, distinguidas com divisas próprias, enriquecidas de
privilégios, ordenadas ao culto divino nas igrejas, ou então destinadas ao bem
das almas e ao alívio dos corpos, e designadas com nomes diversos, segundo os
tempos. E, com o correr do tempo, o seu número aumentou tanto, que, sobretudo
na Itália, não há cidade, aldeia ou paróquia que não as tenhas muitas, ou ao
menos uma.
6. Ora, entre
essas associações não hesitamos em dar um lugar eminente à confraria que toma o
nome do santo Rosário. Com efeito, se se considerar a sua origem, ela figura
entre as mais antigas; porquanto é fama
que a haja fundado o próprio Patriarca S. Domingos; depois, se se lhe
considerarem os privilégios, ela é riquíssima deles pela munificência dos
Nossos Predecessores. Por último, forma e como que alma dessa instituição é o
Rosário mariano, cuja eficácia já havemos, em outras circunstâncias, longamente
tratado.
Eficácia
do Rosário recitado em comum
8.
Mas a eficácia e o valor do Rosário aparecem ainda
maiores se o considerarmos como um dever imposto à confraria que dele tira o
nome. Na verdade, ninguém ignora o quanto é necessária para todos a oração, não
porque com ela se possam modificar os divinos decretos, mas porque, como diz S.
Gregório: "Os homens, com a oração, merecem receber aquilo que Deus onipotente
desde a eternidade decidiu dar-lhes" (Diálogorum Libros 1, c. 8). E
S. Agostinho acrescenta: "Quem sabe bem rezar, sabe também viver bem"
(In Psalmos 118).
9.
E a oração
justamente alcança a sua eficácia máxima em impetrar o auxílio do Céu, quando é
elevada publicamente, com perseverança e concórdia, por muitos fiéis que formem
um só coro de suplicantes. Isto resulta evidente dos Atos dos Apóstolos, onde
se diz que os discípulos de Cristo, à espera do Espírito Santo prometido,
"perseveravam unânimes na oração" (At. 1,14).
Os que oram
deste modo certissimamente obterão sempre o fruto da sua oração. E isto
justamente se verifica entre os confrades do santo Rosário. Com efeito, assim
como a oração do Ofício divino feita pelos sacerdotes é uma oração pública e
contínua, e por isto eficacíssima; assim também, em certo sentido, é pública,
contínua e comum a oração dos confrades do Rosário: definido este, em razão
disto, por alguns Pontífices Romanos, "O Breviário da Virgem".
8. Depois,
conforme já dissemos, como as orações públicas têm uma excelência e uma
eficácia maiores do que as privadas, por isto a Confraria do Rosário também foi
chamada pelos escritores eclesiásticos "milícia orante, alistada pelo
Patriarca Domingos, sob as insígnias da divina Mãe"; isto é, daquela que a
Sagrada Escritura e os fastos da Igreja saúdam como vencedora do demônio e de
todas as heresias. E isto porque o Rosário mariano liga com um vínculo comum
todos aqueles que podem associar-se a ela, fazendo-os, como que irmãos e
co-milicianos.
E assim eles
formam uma fortíssima falange, inteiramente armada e pronta a repelir os
assaltos dos inimigos, quer internos, quer externos. Por isto, os membros desta
pia associação podem com razão aplicar a si mesmos aquelas palavras de S.
Cipriano: "Nós temos uma oração pública e comum, e, quando oramos, não
oramos por um simples indivíduo, mas pelo povo todo, porque, quantos somos,
formamos uma coisa só" (S. Cipriano, De Oratione Dominica).
10.
Aliás, a história da Igreja atesta a força e a eficácia
destas orações, recordando-nos a derrota das forças turcas na batalha naval de
Lepanto, e as esplêndidas vitórias alcançadas no século passado sobre os mesmos
Turcos em Temesvar, na Hungria, e perto da ilha de Corfu. Do primeiro fato
permanece como monumento perene a festa de Nossa Senhora das Vitórias,
instituída por Gregório XIII, e depois consagrada e estendida à Igreja
universal por Clemente XI, sob o nome de festa do Rosário.
11.
Justificação
do Rosário
10. Pelo fato,
pois, de estar esta milícia orante "alistada sob a bandeira da divina
Mãe", ela adquire uma nova força e se ilustra de nova alegria, como
sobretudo demonstra, na recitação do Rosário, a freqüente repetição da saudação
angélica depois da oração dominical. Esta
prática, longe de ser incompatível com a dignidade de Deus - como se insinuasse
que nós devemos confiar mais em Maria Santíssima do que no próprio Deus -
tem, ao contrário, uma particularíssima eficácia para O comover e no-lo tornar
propício. De feito, a fé católica
nos ensina que nós devemos orar não só a Deus, mas também aos Santos (Concilum
Tridentinum Sessio 25), embora de maneira diferente: a Deus, como fonte
de todos os bens; aos Santos, como intercessores.
"De dois
modos pode-se dirigir a alguém um pedido, diz S. Tomás: com a convicção de que
ele possa atendê-lo ou com a persuasão de que ele possa impetrar aquilo que se
pede. Do primeiro modo só oramos a Deus,
porque todas as nossas preces devem ser dirigidas à consecução da graça e da
glória, que só Deus pode dar, como é dito no Salmo 83, 12: "A graça e a
glória dá-a o Senhor". Da
segunda maneira apresentamos o mesmo pedido aos santos Anjos e aos homens; não
para que, por meio deles, Deus venha a conhecer os nossos pedidos, mas para
que, pela intercessão deles e pelos seus méritos, as nossas preces sejam
atendidas.
E por isto, no capítulo VIII, 4 do
Apocalipse se diz que o fumo dos aromas, pelas orações dos Santos, subiu da mão
do Anjo à presença de Deus" (S. Thomas de Aquino, II-II q. 83,
a. 4). Ora, entre todos os Santos que
habitam as mansões bem-aventuradas, quem poderá competir com a augusta Mãe de
Deus em impetrar a graça? Quem
poderá com maior clareza ver no Verbo eterno de Deus as nossas angústias e as
nossas necessidades? A quem foi concedido maior poder em comover a Deus? Quem
como ela tem entranhas de maternal piedade? É este precisamente o motivo pelo qual nós não oramos aos Santos do
Céu do mesmo modo como oramos a Deus; "porquanto à SS. Trindade pedimos
que tenha piedade de nós, ao passo que a todos os outros Santos pedimos que
roguem por nós" (S. Th., II-II q. 83, a. 4).
Em vez disto,
a oração que dirigimos a Maria tem algo de comum com o culto que se presta a
Deus; tanto que a Igreja a invoca com esta expressão, que se costuma endereçar
a Deus: "Tem piedade dos pecadores". Portanto, os confrades do santo
Rosário fazem muito bem em entrelaçar tantas saudações e tantas preces a Maria,
como outras tantas coroas de rosas. De feito, diante de Deus Maria é "tão
grande e vale tanto que, a quem quer graças e a ela não recorre, o seu desejo
quer voar sem asas".
Os
confrades do Rosário imitam os anjos
12.
À confraria de que estamos falando cabe, depois, outro
título de louvor, que não queremos passar em silêncio. Cada vez que na
recitação do Rosário mariano consideramos os mistérios da nossa salvação, de
certo modo imitamos e emulamos os ofícios outrora confiados à milícia angélica.
Foram eles, os anjos, que nos tempos estabelecidos revelaram estes mistérios,
nos quais tiveram grande parte e intervieram infatigavelmente, compondo o seu semblante
ora segundo a alegria, ora segundo a dor, ora segundo a exaltação da glória
triunfal.
13.
Gabriel é
enviado à Virgem para lhe anunciar a Encarnação do Verbo eterno. Na gruta de
Belém os Anjos acompanham com os seus cantos a glória do Salvador, há pouco
vindo à luz. Um Anjo adverte José a fugir e a dirigir-se para o Egito com o
Menino. Enquanto Jesus no Horto sua sangue por causa da sua tristeza, um Anjo
com a sua palavra compassiva, conforta-o.
Quando Jesus,
triunfando sobre a morte, se levanta do sepulcro, Anjos noticiam isso às
piedosas mulheres. Anjos anunciam que Ele subiu ao Céu, e prenunciam que de lá
Ele voltará entre as falanges angélicas, para unir a elas as almas dos eleitos,
e conduzi-las consigo para entre os coros celestes, acima dos quais "foi
exaltada a santa Mãe de Deus".
Por isto, de
modo especial aos associados que praticam a devoção do Rosário se adaptam às
palavras que S. Paulo dirigia aos novos discípulos de Cristo: "Chegastes
ao monte de Sião e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celeste e às miríades de
Anjos" (Heb 12, 22). Que pode haver de mais excelente e de mais
suave do que contemplar a Deus e rogá-lo juntamente com os Anjos? Como devem
nutrir uma grande esperança e uma grande confiança de gozarem um dia no Céu a
beatíssima companhia dos Anjos aqueles que na terra, de certo modo,
compartilharam o ministério deles!
Auspícios
par a difusão da confraria
12. Por tais
motivos, os Pontífices Romanos sempre exaltaram com grandíssimos louvores esta
confraria dedicada a Maria. Entre outros, Inocêncio VIII define-a uma
"devotíssima confraria" (Inocêncio VIII, Constitutio
"Splendor Paternae Gloriae", 26 de fev. 1491). Pio V atribui à
influência dela os seguintes resultados: "Os fiéis transformaram-se
rapidamente em outros homens; as trevas da heresia se dissipam; e a luz da fé
católica manifesta-se" (S. Pio V, Constitutio "Consueverunt
RR. PP.", 17 set. 1569).
Sisto V,
observando o quanto esta instituição tem sido fecunda de frutos para a
religião, professa-se devotíssimo dela; muitos outros, enfim, enriqueceram-na
de preciosas e abundantíssimas indulgências, ou colocaram-na sob a sua
particular proteção, inscrevendo-se nesta, e manifestando-lhe por diversos
modos a sua benevolência.
14.
Movidos por estes exemplos dos Nossos Predecessores, Nós
também, ó Veneráveis Irmãos, vivamente vos exortamos e vos conjuramos - como já
muitas vezes temos feito - a quererdes dedicar um cuidado todo particular a
esta sagrada milícia; de modo que, graças ao vosso zelo, cada dia se organizem
em toda parte novas falanges. Que, pela vossa obra e da parte de clero a vós
subordinado, que tem cura de almas, venha o resto do povo a conhecer e a
avaliar na justa medida a grande eficácia desta confraria, e a sua vantagem em
ordem à eterna salvação dos homens.
15.
O
Rosário perpétuo
14. E tanto
mais insistimos em tal recomendação quanto recentemente refloriu uma belíssima
manifestação de piedade mariana: o Rosário "perpétuo". De bom grado
abençoamos esta iniciativa, e vivamente desejamos que vos apliqueis com
solicitude e zelo ao seu incremento. De feito, nutrimos viva esperança de que
não poderão deixar de ser bastante eficazes os louvores e as preces que saem
incessantemente da boca e do coração de uma imensa multidão, e que,
alternando-se dia e noite pelas várias regiões do mundo, unem a harmonia das
vozes à meditação das divinas verdades.
E certamente a
continuidade destes louvores e destas preces foi prefigurada pelas palavras com
que Ozias cantava a Judit: "Bendita és tu, filha, ante o Senhor Deus
altíssimo, sobre todas as mulheres da terra... porque Ele hoje tornou tão
grande o teu nome, que o teu louvor nunca faltará nos lábios dos homens".
E a este augúrio todo o povo de Israel respondia em voz alta: "Assim é,
assim seja..." (Judit. 18, 23; 25, 26).
Entrementes,
como auspício dos benefícios celestes, em testemunho da Nossa benevolência, de
grande coração concedemos, no Senhor, a Bênção Apostólica a vós, Veneráveis
Irmãos, ao clero e a todo o povo confiado à vossa fiel vigilância.
Dado em
Roma, junto a S. Pedro, a 12 de Setembro
de 1897, vigésimo ano do Nosso Pontificado.
LEÃO PP.
XIII.
OBS: DESTAQUES SÃO MEUS.
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